domingo, 16 de maio de 2021

Raciocínio Metonímico

   “Raciocínio Metonímico” é uma das expressões utilizadas pelo Filósofo e Escritor Olavo de Carvalho. Ele não inventou isso, mas observou na realidade tal fenômeno; característica de todo bom autor: observar a realidade e escrever sobre ela; e não o contrário: adivinhar coisas e escrever sobre elas desejando que a realidade se adapte à insanidade da sua cabeça.

   Começarei, como sempre, analisando primeiro a Linguagem (gramática, linguística, língua, palavra falada, palavra escrita, etc; todas as partes que compõe este todo, esta coisa chamada Linguagem).

   Raciocínio, no significado do dicionário: “fazer uso da razão para estabelecer relações entre (coisas e fatos), para entender, calcular, deduzir, julgar (algo); refletir”. Porém, raciocínio também é a concatenação lógica de pensamentos, um pensamento organizado logicamente após o outro. E a gente expressa nossos pensamentos e raciocínios através da palavra falada e da palavra escrita. Quantitativamente o ser humano se comunica bem mais através da palavra falada e da palavra escrita. O ser humano se comunica também por músicas, filmes, obras de arte, mímica, etc, mas comunica-se muito mais falando e escrevendo. A importância da Linguagem.

   Um exemplo. A frase: “Nunca ouvi falar, mas não tem cabimento”. Tanto faz na palavra falada ou na palavra escrita essa frase não tem raciocínio (concatenação de pensamentos). São somente dois pensamentos em forma de duas orações, a primeira "Nunca ouvi falar", a segunda, oração adversativa, "mas não tem cabimento, as duas juntas compõem a frase, mas a segunda oração (mas não tem cabimento) não “bate”, não “fecha” com a primeira (nunca ouvi falar). A pessoa está admitindo que nunca ouviu falar do assunto e, logo após, diz que não tem cabimento. Ora, você está admitindo que nunca ouviu falar, que não tem conhecimento do assunto, então como é possível chegar à conclusão de que não tem cabimento? É impossível!

   Mesmo que eu respondesse: “Nunca ouvi falar, mas tem cabimento” daria na mesma estupidez. Veja bem, eu mesmo estou admitindo que não tenho conhecimento do assunto, então é impossível eu chegar a qualquer conclusão que seja. Quem fala desta maneira é burro(a), não percebe que é burro(a) e se acha o gostosão (ou a gostosona). O correto seria responder: “Nunca ouvi falar, mas vou pesquisar, informar-me sobre o assunto”, aí temos um raciocínio (concatenação de pensamentos) e o expressamos de forma correta na linguagem. É a parte analítico-lógica que nos leva ao entendimento do que a coisa é (referente).

   Na parte gramatical; temos ortografia, sintaxe e semântica. Não me estenderei, mas seguindo no exemplo acima vemos que a frase "Nunca ouvi falar, mas não tem cabimento" tem ortografia correta, tem sintaxe correta, mas não tem semântica, entendimento. Semântica, neste sentido, confunde-se com o referente, com a parte analítico-lógica.

   Metonímia, no dicionário: “figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado”. Metonímia também é trocar uma ou mais palavras por outra(s) desde que entre essas palavras tenha uma relação de semelhança ao que a coisa é, ao referente. Signo, significado (e vários sentidos) e referente. Exemplo: “O cara lá está montado no ouro”. Você quis dizer que o cara lá é rico, tem dinheiro. Você trocou a palavra dinheiro pela palavra ouro, mas há uma relação de semelhança ao que a coisa é: ouro-dinheiro-riqueza. Outro exemplo: “Bebi uma garrafa de cachaça”. Você quis dizer que bebeu a cachaça da garrafa. Você não pegou o vasilhame de vidro ou plástico, moeu, misturou com o líquido e bebeu.

   Porém, até aí tudo bem, é entendível. São figuras de linguagem, mas por serem figuras de linguagem devem ser utilizadas com cuidado, com parcimônia, com economia. São recursos estilísticos da palavra falada e da palavra escrita. Caso você utilize muito figuras de linguagem na sua palavra falada ou escrita incorre-se no Raciocínio Metonímico. Você começa a trocar as palavras, troca o significado, troca o sentido e troca o conceito da coisa por palavras. Daí vem a confusão mental e você emburrece. Exemplo: trocar a palavra dinheiro pela palavra ouro; você repete muito isso e começa a pensar que ouro e dinheiro são a mesma coisa, mas na realidade você sabe que não são. Imaginem isso com várias palavras e expressões na mente de uma pessoa. É desta confusão mental que se fala.

   O problema de trocar conceitos por palavras é justamente este: confusão mental, emburrecimento. Arthur Schopenhauer em “Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente” explicitou muito bem o problema de se trocar conceitos por palavras.

   Hugo Von Hofmannsthal, escritor austríaco, em seu livro Idéias Austríacas, Discursos e Ensaios, cunhou a frase: "Nada está na real política de uma nação que antes não esteja na literatura". Parafraseando Hugo Von Hofmannsthal: “Nada está na cultura de uma nação que antes não esteja na literatura”. Esta frase expressa, de certa maneira, o fenômeno do Raciocínio Metonímico. Contudo, ao chegar na linguagem da população os conceitos podem se perder em relação à linguagem do autor.

   Conceito é, grosso modo, aquela imagem mental abstrata que está na cabeça de quem está pensando, o ser humano. Ao externarmos um conceito em palavra falada ou escrita temos o significado em palavras, mas “por trás” sempre temos o conceito. Esvaziando-se a palavra de significado e de sentido, esvaziamos de conceito, trocamos conceitos por palavras. Pode acontecer de uma palavra virar um xingamento, mesmo não sendo. Todo escritor, com o tempo, passa a escrever de uma forma um pouco mais rebuscada, passa a utilizar palavras que não são coloquiais (as tais "palavras difíceis" que o Brasileiro gosta de repetir à boca cheia porque não sabe seu significado) e isso é natural, pois vai se ampliando o vocabulário e começa-se a utilizar as palavras certas nos lugares certos, porém, o(a) iletrada(o) quando as lê, interpreta de modo errado porque trocando as palavras ditas rebuscadas por palavras mais simples pode perder o entendimento, trocar o conceito. Aliás, "palavra difícil" não existe, o que existe são somente palavras cujo significado você não conhece porque é burro(a) e/ou soberba(o) demais para olhar num dicionário ou perguntar para alguém.

   Vou agora analisar outra figura de linguagem muito utilizada, o Eufemismo. Eufemismo é “palavra, locução ou acepção mais agradável, de que se lança mão para suavizar ou minimizar o peso conotador de outra palavra, locução ou acepção menos agradável, mais grosseira ou mesmo tabuística”. Exemplo: “O cara lá está faltando com a verdade”. Eu minimizei a gravidade da mentira contada pelo cara lá. E troquei as palavras "estar mentindo" por "estar faltando com a verdade". Vemos que o eufemismo, nesse sentido, está dentro da metonímia, é uma espécie da metonímia. Eu troquei as palavras “estar mentindo” por “estar faltando com a verdade”. Metonímia e eufemismo, enquanto figuras de linguagem, diferem em relação ao objetivo de cada uma.

   Temos também a Sinonímia: “qualidade das palavras sinônimas; relação de sentido entre dois vocábulos que têm significação muito próxima”. A sinonímia, ainda que não seja propriamente uma figura de linguagem, é também uma espécie da metonímia. Eu troco um sinônimo pelo outro. E pode acontecer que, pela semelhança das palavras ou pela semelhança do que a coisa é eu posso atribuir falsamente uma relação de sinonímia entre duas palavras que não são sinônimos: dinheiro por ouro. E mesmo duas palavras sendo sinônimas, ainda assim, cada uma delas carrega em si seu próprio significado e, a partir daí, o sentido de cada uma delas é diferente. O significado sempre é genérico e cada signo tem seu significado em palavras e, ao mesmo tempo, tem vários sentidos os quais podemos empregar cada palavra. Em qualquer dicionário vemos isso claramente.

   A base do Raciocínio Metonímico é a falta de conhecimento da linguagem e da língua e também é a repetição constante de tais palavras e/ou expressões.

   Grosso modo, Raciocínio Metonímico é essa trocança de palavras e expressões onde perde-se e/ou bagunça-se o referente. Não se sabe do que se está falando, distancia-se da realidade, o raciocínio fica subjetivo ao extremo. E, como se sabe, a Linguagem é subjetiva em si. Não tem como eliminar por completo a subjetividade da linguagem, mas por isso mesmo é preciso falar e escrever com clareza para diminuir ao máximo essa subjetividade.

   De acordo com Aristóteles e outros autores, temos os “nomes das coisas”. Isto veio da observação da realidade: todas as coisas têm um nome. E atrelado ao nome da coisa está o significado em palavras, seus sentidos e seu conceito. Exemplo simples: “Você tem um lápis aí?” De qual lápis estou falando? Ao mesmo tempo de nenhum lápis em específico e ao mesmo tempo do lápis que meu interlocutor tiver. Esta é a subjetividade da linguagem.

   Seguindo no mesmo exemplo, mas analisando por outro lado. Caso eu pegar um lápis na mão e perguntar: “O que é isto?” Provavelmente vocês responderão: “É um lápis”. Porém, eu não perguntei o nome desta coisa, perguntei o que é isto, o que é esta coisa chamada lápis? Para responder, vocês, provavelmente, terão que descrever e/ou definir esta coisa chamada lápis: um objeto físico com um bastão de grafite envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no papel. Aí está o significado genérico de lápis. Todos os lápis com grafite e madeira são assim. No meio disso você sabe que existem outros vários tipos de lápis. Caso eu falar de um lápis em específico aí estarei dando a definição dele com seu respectivo tamanho, sua respectiva cor, etc. As categorias com seus acidentes, predicados, atributos. Parte-se desta base. E base, neste sentido, significa que não é tudo, tem mais coisas em cima, mas é o início do raciocínio.

   Existem palavras (signos) que não tem um referente físico, são as coisas incorpóreas. Exemplos: liberdade, igualdade, fraternidade, etc. A esmagadora maioria das palavras (verbetes, signos) da Língua Portuguesa - e eu acredito que na maioria das línguas é assim - são, neste sentido, conceitos subjetivos. Subjetivo, neste caso, vem de “sujeito”, há muito do sujeito ao significar e/ou definir o conceito em palavras, o objeto é incorpóreo. Conceito objetivo, neste sentido, vem de objeto físico, corpóreo. O objeto físico se auto define, você extrai as informações físicas do objeto físico, o que é óbvio. Verbos, por exemplo, correr; "correr" é o signo cujo significado é "movimentar-se com velocidade" e seu referente é o que a coisa é na realidade: você vê alguém correndo na rua ou você mesmo está correndo. Toda palavra é um signo, mas nem todo signo é uma palavra. Um signo pode ser um gosto, um cheiro, uma cor, uma imagem, etc.

   Signo é uma coisa que simboliza outra coisa ou várias outras coisas, pois um mesmo signo pode ter um ou vários simbolismos associados a ele.

   Significado é significar um signo através de outros signos. No caso da Linguagem, significado é dizer o que é uma palavra através de outras palavras. O significado nem sempre reflete com exatidão o referente, pois todo significado é genérico. E dentro do significado temos os vários sentidos nos quais uma palavra pode ser empregada.

   Referente é o que a coisa é na realidade. Para sabermos o referente de um signo devemos raciocinar com os particulares e o geral (as partes que compõem o todo, as variáveis e constantes, etc).

   A língua é uma convenção e mesmo nos conceitos subjetivos expressados em palavras temos que evitar aumentar esta subjetividade senão cairemos no Raciocínio Metonímico. E pode acontecer que nos distanciaremos até da realidade física.

   Mentalmente, como esquema mental, temos pensamento, raciocínio, linguagem e comportamento. Mudando qualquer uma dessas coisas, muda-se automaticamente as outras. A mais fácil de mudar é a Linguagem. Numa sociedade leva-se tempo para mudar a Linguagem, mas mudando-a, muda-se as outras coisas.

   Nós, seres humanos, pensamos e/ou raciocinamos muito mais quantitativamente em palavras (signos). Pensamos e raciocinamos também por outras formas, conceitos, imagens, etc. Mas quantitativamente muito mais em palavras. E as palavras fazem parte da Linguagem. Exemplo: quando você está na aula com o professor ele está “dando aula”. Esse “dar aula” nada mais é do que ele estar falando, está introduzindo novos signos (palavras) na sua vida. Signo, significado (e vários sentidos) e referente.

   Então mudando-se a Linguagem, muda-se o pensamento e o raciocínio e, por conseguinte, muda-se o comportamento da sociedade. E podemos mudar tanto para melhor quanto para pior. Mudando a Linguagem para pior emburrece-se a sociedade como um todo. Terminamos falando a mesma Língua, mas não falamos a mesma Linguagem. Troca-se significados, sentidos e conceitos por palavras e a Linguagem não é somente palavras.

   Toda esta confusão na sociedade vem do Raciocínio Metonímico, esta trocança brutal e constante de significados, sentidos, conceitos que leva à perda do referente, leva à uma “fuga da realidade”. “Fuga da realidade”, neste sentido, é a confusão mental da qual mencionei antes. Essa falta de entendimento até nos diálogos mais simples da sociedade. Em diálogos um pouco mais complexos torna-se muito difícil ter um entendimento entre as pessoas, pois falam a mesma língua, mas não falam a mesma linguagem.

   E, como já foi dito, a Língua é uma convenção e você tem que aceitar isso. Não podemos ficar trocando os signos, os significados e os sentidos, isso leva à perda do referente, a um distanciamento da realidade.

   O nome deste objeto físico é lápis e você quer mudar isso por quê? Está convencionado que é lápis e tem um significado, vários sentidos e seu referente.

   Essa mudança constante e rápida da língua emburrece as pessoas na sociedade, muda o pensamento e o raciocínio e o comportamento. Nós nos comportamos, basicamente, de acordo com aquilo que pensamos e raciocinamos. Óbvio é que temos o comportamento em grupo e o comportamento individual, mas de qualquer maneira nos comportamos de acordo com nossos pensamentos e raciocínios, de acordo com aquilo que temos na cabeça.

   Essa trocança constante das palavras da linguagem causa emburrecimento, causa aversão ao conhecimento, causa perda do senso das proporções (falta de discernimento entre as coisas). Confunde-se Classificação com Relação com Comparação, etc, fica-se numa "pasta mental".

   Porém, vejam bem, "raciocínio metonímico" em si não é de todo errado, pois de uma maneira ou de outra sempre estamos sujeitos a trocar as palavras, muitas vezes até sem querer, por sinonímia. Outras vezes é necessário usar o raciocínio metonímico para explicar um conceito complicado com palavras simples, mas sem alterar o conceito e isso requer estudo e habilidade. O problema é quando vai se trocando as palavras sem saber o significado, os sentidos e o referente, o que a coisa é, a realidade.

   Para solucionar isso basta você ler, informar-se, comece por entender o significado e os sentidos dos signos (no caso, palavras). Sabendo o significado e os sentidos você estará apto a entender o referente.

   Exemplo; pessoas que falam: “Eu falo como eu quero”. Basta perguntar para essa pessoa: “Foi você quem inventou estas palavras: eu, falo, como, eu e quero?” Não foi, né? Caso você queira falar como você quer, então invente sua própria língua. Porém, a partir daí você não se entenderá com mais ninguém na sociedade.

   Pois é, imaginem cada indivíduo numa sociedade falando sua própria língua inventada por ele mesmo. E falar a mesma língua, mas não falar a mesma linguagem resulta quase no mesmo: confusão mental, Raciocínio Metonímico.

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