domingo, 2 de junho de 2019

Os Nomes e as Coisas


     O fonema é a representação sonora, enquanto a letra é a representação gráfica, porém, nem sempre o número de letras é igual ao número de fonemas. A junção de letras e fonemas formam as palavras. A junção das palavras formam as frases e as orações que, por sua vez, formam os pensamentos, as idéias, etc.
     Imaginação, grosso modo: faculdade que a mente possui para representar imagens, transformar pensamentos em imagens. Porém, aqui será usada no sentido de criação de conceitos através da combinação de idéias e pensamentos, aleatórios ou não, com ou sem imagens ou símbolos, tendo como base a realidade física; imaginar partindo da realidade física.
     Uma coisa é aquilo que existe no mundo físico e também é aquilo que pensamos (grosso modo, coisas objetivas e coisas subjetivas); e uma coisa pode ser uma coisa objeto ou uma coisa sujeito. Um objeto (coisa objetiva, refere-se ao objeto) ou um sujeito (coisa subjetiva, refere-se ao sujeito). Por exemplo, estamos estudando um determinado objeto físico (uma pedra), esse objeto físico (essa pedra) é o objeto do nosso estudo, mas, ao nos expressarmos, essa pedra é o sujeito da oração. Outro exemplo, ao estudarmos a liberdade ela é o objeto do nosso estudo, mas, ao nos expressarmos, a liberdade é o sujeito da oração.
     Um ser humano pode ser um objeto de estudo, desde que se tenha discernimento que não estamos objetificando o ser humano, que esta expressão "ser humano objeto de estudo" é somente uma expressão gramatical.
     Fez-se necessária a pequena introdução acima para um melhor entendimento.
     Serão as palavras somente nomes gramaticais das coisas ou o som das palavras tem correspondência entre os nomes e as coisas?
     Tomemos como exemplo o nome “mesa”. Será a palavra “mesa” somente o nome convencionado pelos seres humanos para o objeto mesa ou existe alguma relação entre a grafia e o som da palavra com a coisa (o objeto mesa)? Uma mesa pode ter várias formas, mas, basicamente, tem aquela forma característica que todos conhecemos.
     Mas qual a relação, agora especificamente, entre o som da palavra ou a grafia mesa com a coisa?
     Existem alguns nomes que fazem correspondência entre o nome e a coisa, por exemplo, bolha. Sobre as diferenças entre as várias línguas, idiomas e dialetos existentes no mundo, direi mais adiante. Por enquanto, deter-me-ei somente na Língua Portuguesa e minhas indagações podem ser estendidas às outras línguas; e não me deterei na etimologia.
     Ao convencionar-se o nome de uma coisa, qual o processo mental empregado pelo ser humano que a nomina? Ou melhor, existe um processo mental que seja basicamente o mesmo para todo ser humano que nomina uma coisa?
     Talvez algumas coisas recebam seu nome pela sua forma (grosso modo, pela sua aparência visual), sendo que quem a nominou não se deteve em analisar qual a essência dessa coisa para poder dar um nome que reflita a essência desta coisa.
     Talvez, simplesmente, nominamos algumas coisas pelo que vem à mente na hora, sem processo mental nenhum; nesse caso, porque veio à mente determinado nome e não outro?
     Outra indagação é se é necessário ter uma relação apropriada entre o nome e a coisa. E, se for necessário, como se dá essa relação?
     Os nomes das coisas estão sendo dados ao longo da história da humanidade (não irei entrar agora na origem) e um ser humano vai aprendendo a linguagem característica do seu povo e acostuma-se desde a infância a relacionar intuitivamente tal nome com tal coisa (mesa com o objeto mesa), porém, qual a relação do nome com a coisa? Esta relação surge no momento da nominação ou existe algo anterior a este momento? O nome diz, reflete, comunica exatamente o que a coisa é?
     Se tudo se fez através do verbo (e da palavra) então deve haver alguma relação natural entre o nome e a coisa. O ser humano tem a capacidade da linguagem, tanto falada quanto escrita e isso, basicamente, o diferencia no mundo. Então, de novo, deve haver alguma relação natural entre o nome e a coisa. Mas a relação em si é natural? E esta relação independe se o nome surgiu naturalmente ou se foi convencionado, inventado?
     Será a palavra a imagem exata do mundo ou é somente um produto da imaginação humana? Ou é um pouco dos dois?
     Sobre a relação entre os nomes e as coisas, posso dizer que, havendo, ela é obrigatória e naturalmente apropriada. Não havendo uma relação entre o nome e a coisa, obviamente o nome é somente uma convenção dada pelos seres humanos às coisas.
     Mas posso aventar a possibilidade de algumas coisas terem um nome apropriado por natureza (o nome corresponde à coisa) e outras coisas terem seu nome dado por simples convenção do ser humano. Sendo assim, quais coisas tem um nome apropriado e quais coisas tem nomes por simples convenção? A resposta desta pergunta chama-se discernimento.
     Sabemos que atrelados ao nome da coisa, estão a descrição e a definição da coisa. A descrição é somente descrever a coisa analisando-se certas categorias para que possamos chegar o mais próximo possível da sua essência (matéria e forma), mais próximo do que a coisa é. E para chegarmos à definição de uma coisa, precisamos, além da descrição, dizer qual a sua finalidade. Esta análise dá-se através de certas categorias, analisam-se as categorias da coisa para se chegar o mais próximo possível da sua essência, do que a coisa é.
     Entretanto, a maioria das coisas do mundo conhecemos através da intuição, através dos sentidos. Ao aprendermos, quando crianças, que uma cadeira se chama cadeira, geralmente dizem-nos “senta ali na cadeira” sem que seja preciso descrever ou definir: - “Senta agora naquele objeto de madeira com quatro pernas, um assento, um encosto, na cor tal, com tal altura, tal comprimento, tal largura, que está na sala, em cima do chão, próximo de tal objeto e é menor que esse tal objeto. Isso se chama cadeira e tem por finalidade básica proporcionar que o ser humano sente e se recoste nela, se quiser. À propósito, cadeira é um substantivo feminino. A partir de agora tenho que lhe explicar o que é um substantivo e isso decorre no ensino da gramática”.
     Mas não é assim! Aprendemos por intuição que aquela coisa é uma cadeira. E este processo de aprendizado intuitivo faz-nos relacionar automaticamente o nome à coisa e depois não nos preocupamos mais em relacionar o nome à coisa, pois tal relação já ficou estabelecida automaticamente e consolida-se com o passar dos anos; e mesmo que algum dia um outro alguém peça-nos para descrevermos ou definirmos determinada coisa (por exemplo, a cadeira), ainda assim o nome cadeira parecerá ter uma relação apropriada com o objeto cadeira, ou seja, uma cadeira é uma cadeira, oras.
     Ao mudar-se o nome já estabelecido de uma coisa, por exemplo, trocar o nome mesa pelo nome pedra para o objeto mesa (chamar uma mesa de pedra), nos causará uma estranheza... a não ser que todos aceitem esta mudança! Mas daí, em decorrência, chamaremos uma pedra de quê? De mesa? Ou iniciaremos um ciclo interminável de mudança dos nomes das coisas?
     Sabemos que, basicamente, temos o pensamento, a linguagem e o comportamento. Essas três coisas são indivisíveis no sentido de uma afetar a outra. Quando se muda uma, mudam-se as outras duas. A mais fácil de mudar é a linguagem. O pensamento e o comportamento também podem ser mudados diretamente, porém, são mais difíceis de serem mudados, pois requerem técnicas mais agressivas.
     Nos expressamos, basicamente, através da linguagem falada e da linguagem escrita. Mudando-se a linguagem (aumentando ou diminuindo o vocabulário, ou substituindo-se umas palavras por outras), muda-se o pensamento e, por conseguinte, muda-se o comportamento. Isto é fato.
     Com efeito, a linguagem, tanto falada quanto escrita, é a materialização do pensamento, é a realização do pensamento; realização no sentido de tornar real. E o pensamento determina majoritariamente o comportamento. E assim vamos seguindo neste ciclo de mudança desde o nascimento até a morte. Vamos mudando o pensamento, a linguagem e o comportamento. A linguagem, o pensamento e o comportamento. O comportamento, a linguagem e o pensamento...  e assim sucessivamente.
     Em se tratando de coisas físicas (sensíveis aos cinco sentidos, coisas objetivas) torna-se difícil mudar o nome do que já está nominado, pois esta mudança é de fácil percepção e deve ter aceitação de todo um povo (mudar mesa por pedra). Porém, em se tratando de coisas subjetivas (entenda-se como subjetivas coisas não físicas, conceitos abstratos), é mais fácil mudar o nome ou a definição da coisa, pois esta mudança acontece paulatinamente e não é de tão fácil percepção pela maioria.
     Vemos que, com conceitos abstratos (subjetivos) o processo de nominação e definição da coisa é, basicamente, convenção humana. Por exemplo, liberdade. Não podemos pegar a liberdade, cheirá-la, ouvi-la, degustá-la ou vê-la. Contudo, podemos encarcerar alguém tirando a sua liberdade física e esse alguém poderá conservar a sua liberdade de espírito. Obviamente, estou ampliando o conceito de liberdade e dividindo-o em liberdade do corpo e liberdade do espírito.
     Existe uma relação entre o nome liberdade e a coisa em si? Tomando-se a sonoridade da palavra liberdade em Português poderíamos dizer que existe. Mas e o som em outra língua? O fato de relacionarmos o som da liberdade em Português com a coisa liberdade elimina essa relação em outra língua?
     Nessa Torre de Babel torna-se difícil dizer se existe uma relação natural entre o nome e a coisa, pois o som dos nomes muda em cada língua, mas a coisa em si é a mesma. A coisa árvore é a mesma, seja em qual língua for. Porém, a coisa liberdade é a mesma seja em qual língua for? Isto refere-se à mentalidade dos povos.
     Aquela é física, material, objetiva; esta (liberdade) é um conceito abstrato, subjetivo, que, como todo conceito abstrato, apesar de algumas vezes ter base na observação da realidade, cria-se, forma-se na mente do ser humano e propicia invenções imaginativas imprevisíveis (senão tomarmos cuidado durante a elaboração do conceito) ou propicia invenções imaginativas propositais (feitas intencionalmente com ou sem maldade no processo de criação do conceito).
     A respeito dos nomes e das coisas, posso concluir que algumas coisas tem o seu nome apropriado naturalmente e outras coisas tem o seu nome convencionado. Das coisas físicas, basicamente, o seu nome e a sua definição representam a coisa em si apropriadamente. Mesmo que algumas coisas físicas tenham o seu nome convencionado, inventado, ainda assim, pelo processo de aprendizado intuitivo a relação cria-se naturalmente e o nome e a definição passam a representar a coisa em si e esta representação pode ou não ser apropriada.
     As coisas subjetivas têm, basicamente, o seu nome e a sua definição convencionados e, quando mudados com certa constância, causam confusão mental imensa. Mudar o nome e manter a definição de conceitos abstratos causa confusão mental imensa. Mudar a definição, mesmo que minimamente, e manter o nome também causa confusão mental imensa.
     A base das coisas é a realidade física, o mundo físico sensível aos sentidos. Para se chegar à metafísica primeiro reconheça e faça reconhecer a existência do mundo físico, entenda e faça entender o mundo físico, isso é óbvio. A filosofia parte da realidade física. Depois vai-se avançando, através da imaginação, através da filosofia, até chegar na metafísica - além da física -, onde a filosofia continua. Caso se faça o processo inverso, corre-se o risco de enlouquecer ou viver de ilusão.

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