sexta-feira, 3 de maio de 2019

A Constituição e a Prisão em Segunda Instância


   Todo este imbróglio em torno da prisão em segunda instância tem sua origem no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, que preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
   Este inciso LVII foi mal construído e jamais deveria ter sido sequer colocado na Constituição (quanto mais aprovado) por ferir um dos quatro preceitos: clareza, concisão, precisão e realidade, como veremos adiante. Aliás, analisando-se os institutos jurídicos das últimas 4 ou 5 décadas (ou mais) no Brasil veremos que, além da quantidade de leis vigentes no Brasil ser absurda - em torno de 190 mil leis vigentes -, elas não são, em sua esmagadora maioria, claras nem concisas nem precisas e nem reais.
   Os artigos, incisos, letras, etc, das leis devem ser claros, concisos e precisos no tocante à sua escrita formal, a saber:
   Claro: compreensível, sem dúvida, inequívoco;
   Conciso: sucinto, expressar um conteúdo sem excesso de palavras;
   Preciso: exato, ir direto ao ponto.
   Porém, além dos preceitos acima, o legislador deve levar em conta, também, a realidade da aplicação prática da lei, como veremos no exemplo adiante.
   O objetivo final de toda Lei é mudar o comportamento da sociedade, seja para melhor ou para pior, e leis mal escritas causam estragos quase irreparáveis na sociedade.
   Tomando-se como exemplo o inciso LVII posso depreender ele é conciso, mas não é, principalmente, claro e, secundariamente, preciso.
   A concisão desse inciso reside na expressão do conteúdo sem excesso de palavras.
   Peca na sua clareza porque não deixa claro, obviamente, se é possível ou não a prisão em segunda - ou qualquer instância que for -, no ordenamento jurídico brasileiro.
   E tem uma certa precisão porque trata da presunção de inocência, mas não define exatamente a partir de quando se deve dar a prisão ao culpado; a popular “brecha” na lei: deixa no ar a interpretação.
   Caso o inciso LVII tivesse a seguinte escrita: “Ninguém poderá ser PRESO até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, teríamos um inciso claro, conciso e preciso, mas que não seria real, não seria aplicável na realidade física. Aí está a realidade da lei, a aplicabilidade prática da lei.
   Tendo o inciso LVII a escrita acima, ninguém mais seria preso aqui no Brasil por qualquer crime que cometesse devido à demora nos processos judiciais, demora esta que não me cabe no momento analisar. Mas posso aventar a possibilidade de que, em sendo as leis claras, concisas e precisas, essa demora se reduziria automaticamente, pois leis claras, concisas e precisas deixam pouca ou nenhuma margem às interpretações e permitem recursos às instâncias recursais somente quando houver necessidade de recurso por um erro no processo, falta de indícios e/ou provas, etc.
   Outro exemplo de escrita do inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas o tribunal poderá determinar a execução provisória das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. Ou, em uma linguagem mais popular: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas poderá ter a execução da sentença determinada por decisão em segunda instância”. Lembro aqui para ficarem atentos na diferença entre “poderá” e “deverá”.
   Apesar de que, para mim, execução da pena, presunção de inocência, prisão, etc, não são matérias que se coloquem na Constituição. Por causa de aberrações jurídicas como esta é que a nossa suposta constituição não passa de um mero catálogo de artigos. É uma estrovenga enorme que, agindo de traição, penetrou fundo no Brasileiro e abriu rombos na sociedade... se é que me entendem.
   Outro ponto: o Brasil é o único país do mundo que tem quatro instâncias, vamos por assim dizer; a primeira instância são as comarcas, a segunda instância são os Tribunais de Justiça, e o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) são as instâncias recursais.
     O que vemos no ordenamento jurídico brasileiro é o excesso de recursos baseado nas famosas “brechas” na lei. Essas famosas “brechas” na lei nada mais são do que as margens excessivas de interpretação porque a lei, no seu texto escrito, ou não é clara ou não é concisa ou não é precisa, como vimos no exemplo do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Brasileira. Aliás, chegamos ao ponto em que o excesso de recursos já se constitui por si mesmo uma "brecha" na lei onde o réu utiliza esse instituto para protelar a execução da pena.
   O excesso de margem à interpretação nas leis, leva ao autoritarismo de um ser humano sobre os outros, substitui a paz pela desordem e substitui a duração das instituições pela sua derrocada. É exatamente para evitar o caos, a corrupção, a desordem, que as leis devem ser claras, concisas e precisas e devem ter aplicabilidade prática na realidade física.
   Os legisladores, ao formular uma lei, devem, obrigatoriamente, seguir estes preceitos de clareza, concisão, precisão e realidade.
   A votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância já ocorreu 4 vezes nos últimos anos e está indo para uma quinta vez, onde, novamente, o STF decidirá arbitrariamente, ao sabor do momento, a prisão ou não em segunda instância. E o STF perde tempo e dinheiro discutindo questões que já deveriam estar expressas na lei.
   Vemos que, por um erro causado pela incompetência do legislativo ao formular e aprovar abestalhadamente um inciso na Constituição, promove toda esta balbúrdia no Brasil no que concerne a uma pequena parcela do ordenamento jurídico. Estenda-se isto à maioria do ordenamento jurídico e temos o que temos no Brasil.
   Ao analisar-se a Constituição (e outras leis) no Brasil veremos que sua esmagadora maioria é mal formulada, mal escrita e não tem aplicabilidade prática. Donde conclui-se que no Brasil temos um excesso excessivamente excessivo de simulacros de Leis, ou seja, não temos Leis: é uma terra sem Lei onde impera a mentira, a politicagem, a ladroagem, a corrupção, crimes variados, maus valores, etc.
   Quem pode mais, chora menos; mas, de qualquer maneira, todos choram. Até quando?

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