segunda-feira, 21 de outubro de 2019

A Missa


   A Missa lotada começou calma e tranquila. Passados uns dez minutos de liturgia, Deo gratias, um bebê de um ano no colo de sua mãe sentiu-se desconfortável e começou a reclamar. Reclamação esta feita do jeito típico dos bebês: primeiro com resmungos esporádicos - unhé com unhés espaçados -, depois a coisa foi, aos poucos, ficando menos espaçada e começou a incomodar os participantes.
   Um lá - não importa quem -, um lá atrás emitiu um pch curto e ríspido de cenho franzido e olhar lancinante e pensou: “- Eu vou matar essa mãe e esse bebê. ” (Não exatamente nesta sequência de mortes). Outra pensou: “- Por que ela não fica em casa com esse filho? ”, e sentiu-se superior por ter deixado seus filhos em casa. Um, interessado nos dotes físicos da mãe, começou a lançar olhares lascivos para ela. Outro, meio bêbado nem ligou, queria somente um lugar para descansar em paz e curtir sua tontura preguiçosa. Outra, vendo a beleza física do bebê e da mãe desejou no seu coração que pagassem arduamente pelos seus pecados. Um pensou em retirar-se aproveitando a deixa do bebê, pois tinha negócios financeiros a resolver. O último, também querendo usar o bebê como desculpa, pensou em ir embora, pois o horário estava próximo de uma das suas sete refeições ao dia.
   O Padre, a princípio, não se sentiu incomodado. Limitou-se a virar a cabeça e lançar olhares na direção da mãe enquanto tentava concentrar-se no Latim que estava sendo desperdiçado. Apesar desta pequena quebra da liturgia - virar a cabeça para trás -, continuou. Quando chegou, mais ou menos aos 18 minutos de missa, em um Dominus vobiscum, o bebê desatou: “- Unhééé, unhééé, unhééé, unhééé, unhééé ... ”
   O Padre, sentindo um calafrio, virou-se. A mãe já estava levantando-se para ir embora. O Padre, em silêncio, ante os olhares atônitos dos sacristões e dos coroinhas, caminhou até a mãe com o bebê. A mãe, vendo o Padre chegar perto, sentou-se. O Padre sentou ao lado e colocou as duas mãos na cabeça do bebê e proferiu algumas palavras em Latim. O bebê começou a sorrir e a balbuciar algumas palavras incompreensíveis de bebê. O Padre disse: “- Aí está você, esse é você! ”
   O Padre levantou-se e, voltando ao seu lugar no altar, parou no meio do caminho e ficou alguns segundos parado orando e pedindo perdão a Cristo por ter interrompido a liturgia. Sentindo o perdão de Cristo, voltou ao altar e continuou a missa. Todos os pensamentos ruins na Igreja sumiram. Depois da missa o Padre confessou-se novamente com outro Padre e foi perdoado.
   Durante o sermão na missa o Padre falou das tentações feitas pelos espíritos malignos, que os inocentes são os mais tentados e por isso mesmo devem ser os mais protegidos. Que o objetivo de Satanás é ensinar às pessoas a recuperar o controle consciente de seus corpos espirituais e quando as pessoas conseguem, passam a perceber o mundo espiritual do mesmo modo que o físico. Assim, tem pensamentos ruins achando que são seus próprios pensamentos. Nessa hora é que a oração se faz necessária para desfazer a confusão nos pensamentos.
   A missa continuou até seu final: Ite, missa est.

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Prisão em Segunda Instância e a Constituição

   Todo este imbróglio em torno da prisão em segunda instância tem sua origem no artigo 5º, inciso LVII, da Estrovenga da República Federativa do Brasil, que profetiza com voz tonitruante e glamorosa precedida de três batidas pomposas no chão com o bastão da iniciação na ordem e no progresso: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
   Esta porcaria de inciso LVII foi mal construído pelo mestre dos magos das cerimônias e, além disso, jamais deveria ter sido sequer colocado (quanto mais aprovado) na Constituição por ferir dois dos quatro preceitos básicos do Direito em relação à norma: clareza, concisão, precisão e realidade, como veremos adiante; e também por não ser matéria que se enfie em uma constituição de um país. Aliás, analisando-se os institutos jurídicos das últimas 5 ou 6 décadas no Brasil (ou mais) veremos que, além da quantidade de leis vigentes no Brasil ser absurda - em torno de 190 mil leis vigentes, quando o ideal seria um número em torno de 500 a, no máximo, mil leis -, elas não são, em sua esmagadora maioria, claras nem concisas nem precisas e nem reais.
   Os artigos, incisos, letras, etc, das leis devem ser claros, concisos e precisos no tocante à sua escrita formal, a saber:
   Claro: compreensível, sem dúvida, inequívoco;
   Conciso: sucinto, expressar um conteúdo sem excesso de palavras;
   Preciso: exato, ir direto ao ponto.
   Porém, além dos preceitos acima, o legislador deve levar em conta, também, a realidade da aplicação prática da lei.
   Tomando-se como exemplo o inciso LVII posso depreender ele é conciso, mas não é principalmente claro e, secundariamente, preciso.
   A sua concisão está na expressão do conteúdo sem excesso de palavras.
   Peca na sua clareza porque não deixa claro, obviamente, se é possível ou não a prisão em segunda, ou qualquer instância que for, no ordenamento jurídico brasileiro.
   E tem uma certa precisão porque trata da presunção de inocência, mas não define com clareza a partir de quando termina a inocência e deve se dar a prisão ao culpado; a popular “brecha” na lei, deixa no ar a interpretação. Daí os "notáveis saberes jurídicos" são quem decidem de acordo com as suas cabeças ocas.
   Caso o inciso sem juízo tivesse a seguinte escrita: “Ninguém poderá ser PRESO até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” teríamos um inciso claro, conciso e preciso, mas que não seria real, não seria aplicável na realidade física. Aí está a realidade da lei, a aplicabilidade prática da lei.
   Tendo o inciso LVII a escrita acima ninguém mais seria preso aqui no Brasil por qualquer crime que cometesse devido à demora nos processos judiciais, demora esta que não me cabe no momento analisar. Mas posso aventar a possibilidade de que, em sendo as leis claras, concisas e precisas, essa demora se reduziria automaticamente, pois leis claras, concisas e precisas deixam pouca ou nenhuma margem às interpretações e permitem recursos às instâncias recursais somente quando houver necessidade de recurso por um erro no processo, falta de indícios e/ou provas, etc.
   Um exemplo de escrita do inciso LVII: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas o tribunal deverá determinar a execução das penas privativas de liberdade, restritivas de direitos ou pecuniárias, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”. Ou, em uma linguagem mais popular: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, mas deverá ser recolhido à prisão na decisão em segunda instância”. Lembro aqui para ficarem atentos na diferença entre “poderá” e “deverá”.
   Mas, repito, a presunção de inocência não é matéria que se enfie na Constituição. É matéria do Código de Processo Penal ou outra lei pertinente.
   O que vemos no ordenamento jurídico brasileiro é o excesso de recursos baseado nas famosas “brechas” na lei. Essas famosas “brechas” na lei nada mais são do que as margens de interpretação excessivas simplesmente porque a lei, no seu texto escrito, ou não é clara ou não é concisa ou não é precisa, como vimos no exemplo da Constituição Brasileira ... esta estrovenga sem noção feita e promulgada por um bando de asnos. Bando este que vem copulando entre si e dando cria e aperfeiçoando geneticamente a burrice e a canalhice dos seus rebentos. O bastão da burrice vem sendo passado de geração em geração. Os políticos mais velhos, velhacos e sedentos por leite fresco, copulam bem gostoso a mentalidade dos mais novos mantendo a tradição progressista ... se é que é possível esta expressão: tradição progressista!?
   O excesso de margem à interpretação nas leis, leva ao autoritarismo de um ser humano sobre os outros, substitui a paz pela desordem e substitui a duração das instituições pela sua derrocada. É exatamente para evitar o caos, a corrupção e a desordem é que as leis devem ser claras, concisas e precisas e devem ter aplicabilidade prática na realidade física.
   Os legisladores, ao formular uma lei, devem, obrigatoriamente, seguir estes preceitos de clareza, concisão, precisão e realidade.
   A votação no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a prisão em segunda instância já ocorreu 4 vezes nos últimos anos e terá uma quinta vez, onde, novamente, o STF decidirá arbitrariamente ao fedor do momento a prisão ou não em segunda instância. E o STF perde tempo e dinheiro público discutindo questões que já deveriam estar expressas na lei. E o STF, o esplendoroso guardião da Constituição, dorme um sono profundo em berço esplêndido e sonha com um sistema juristocrático enquanto seu espírito maculado paira como uma toga negra sobre seu próprio corpo na esperança de que ninguém o desconecte dos aparelhos ideológicos que o mantém vivo.
   Vemos que por erro provocado pela incompetência crônica do legislativo ao formular e aprovar estupidamente um inciso da Constituição promove toda esta balbúrdia no que concerne a uma pequena parcela do ordenamento jurídico. Estenda-se isto à maioria do ordenamento jurídico e temos o que temos no Brasil.
   Ao analisar-se a Constituição - e outras leis - veremos que sua esmagadora maioria é mal formulada, mal escrita e não tem aplicabilidade prática. Os “legisladores” brasileiros, as Vossas Excelências, com seu desarranjo legislativo escrevem as leis com palavras bonitas, mas vazias de conteúdo e ao lerem (se é que sabem ler) as próprias leis que escrevem, tem múltiplos orgasmos mentais: “- Olha que coisa mais linda esta lei, fomos nós que fizemos, é um avanço, não sabemos excremento nenhum de leis e nem como funciona o processo legislativo, mas somos fodões”.
   A Constituição tem 250 artigos e 80 emendas constitucionais, sendo seis delas de revisão. Destes, 101 artigos a ser “regulamentados em lei complementar” e alguns, passados 31 anos, ainda não foram regulamentados. É por essas coisas que o Brasil é a terra dos absurdos.
   Ora, a Carta Magna é a lei maior e não pode ser regulamentada por uma lei menor. É o poste mijando no cachorro, é o Brasil. É uma aberração jurídica. As leis complementares, ordinárias, delegadas e etc é que devem guiar-se pela Constituição e não o contrário. Isso é que é uma inversão de valores bem caprichada na qual a população brasileira é introduzida legalmente como o passivo da história. Para quem não entendeu, é o avanço linguístico da famosa expressão popular que doravante se escreve de forma clara, concisa, precisa e real: o povo só toma na bunda, mas agora é Legal.
   Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário vêm alterando a Constituição e o Estado Brasileiro fazem 31 anos ... sem Assembléia Constituinte. Não é à toa que temos essa confusão maligna dos diabos. Não é à toa que após 1988 começou uma chuva de ações de inconstitucionalidade e a expressão “ação de inconstitucionalidade” tornou-se corriqueira no Brasil ... até na ZBM sabem disso. ZBM é a zona do baixo meretrício, também conhecida por seu apelido carinhoso: zona.
   Donde conclui-se que no Brasil temos um excesso excessivamente excessivo de simulacros de Leis, ou seja, não temos Leis: é uma terra sem Lei onde impera a mentira, a politicagem, a ladroagem, a corrupção, a putaria, crimes variados, maus valores, etc.
   Quem pode mais, chora menos; mas de qualquer maneira, todos choram. Até quando?

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Tristeza Profunda

   Um sorriso triste. A vida não tem muito sentido. Talvez tenha um pouco, mas não muito. A música de amor e felicidade que toca no rádio é uma agressão aos meus ouvidos. As letras e as palavras felizes são ofensas. A melodia até que é bonita, mas serve somente para confundir os sentimentos. Entre alegria e tristeza a vida oscila como um pêndulo e a corda no pescoço vai apertando. Basta um salto neste abismo sem muito sentido e tudo se acaba.
   Mas e se a morte não for o fim? E se o sofrimento continua no infinito?
   As palavras se perdem no ar, mas são mais eternas do que a vida. Tive idéias, mas não deixarei nenhuma que preste. O legado de uma vida sem muito sentido permanece somente na lembrança dos entes queridos. E ainda assim é uma permanência transitória que se perde no tempo. Quando o esquecimento torna-se presente não lembramos mais do passado e ficamos sem futuro.
   Removo a corda imaginária do pescoço, pois estava me sufocando. Respiro aliviado... mas até quando?
   Até quando esta vida sem muito sentido?
   Eu penso, mas não sei se existo. Vamos acumulando flores no jardim da vida, mas as flores murcham e morrem. Não faz sentido cuidar do jardim, é trabalho perdido.
   Estou cansado, mas nem posso dizer que não tenho mais forças, pois forças sempre têm. E esse é o problema. Não tivesse eu mais forças, meus problemas terminariam. A desculpa perfeita para esta penumbra mental e sombria é dizer que não se tem mais forças para viver.
   Mas se não se tem mais forças para viver, como se terá forças para morrer?
   Esse é um dilema que corrói a alma já corroída.
   Viver entre alegria superficial e tristeza profunda é uma balança de sentimentos na qual as medidas não tem peso. As alegrias sequer são um bálsamo que alivia a tristeza, pelo contrário, as alegrias evidenciam a tristeza. Se pelo menos a alegria superficial sumisse restaria somente a tristeza profunda e daí as coisas ficariam mais claras, mais objetivas e esta vida então teria sentido. O sentido desta vida é a morte, e isto não tem muito sentido. Viver para morrer?
   Plantei várias árvores, mas nenhuma vingou. Escrevi livros, mas não publiquei-os. Tive filhos, mas perderam-se no mundo.
   A tragédia da vida é que ela é uma comédia. É uma piada de bom gosto, mas sem graça nenhuma. Ou melhor: é uma piada de bom gosto, mas somente os outros acham graça.
   Os momentos de alegria vêm... e passam. E mesmo quando a alegria está presente a tristeza também está. E quando a alegria está ausente, a tristeza - companheira fiel desta vida - nunca abandona.
   Sentir-se feliz por estar triste. É difícil de entender tal colocação, mas quando resta somente a tristeza ela é companheira na solidão. Não me agarro na tristeza. Queria que ela fosse embora, mas a tristeza é quase um órgão físico. É como um órgão interno, vital, que se arrancarmos a tristeza, morremos. Por isso diz-se "tristeza profunda", ela faz parte do corpo e da alma. Já não é somente um sentimento, é também uma presença física. Esta é a grande comédia: não sabemos onde estamos tristes, simplesmente estamos tristes.
   E essa tristeza profunda causa indiferença e nos faz indiferentes aos momentos de alegria. Quando estou alegre sei que esta alegria passará; e até desejo que passe logo para que eu possa voltar a saber que estou triste. A alegria misturada à tristeza nunca é boa.
   Gostaria que a tristeza passasse, mas como ela nunca passa então só me resta esperar a alegria passar, pois esta, esta sim sempre passa. Mas depois volta. Por que a alegria não permanece?
Talvez ela não goste de mim. Talvez eu seja muito triste para ser alegre. Entre ser e estar eu sou triste, mas às vezes estou alegre.
   Os olhos tristes falsificam o sorriso. O sorriso não alegra os olhos e isso faz o conjunto do rosto ficar estranho, grotesco: a boca sorrindo com os olhos tristes. Não são sorrisos forçados, são espontâneos, mas são sorrisos tristes. Um mero separar de lábios para agradar na comédia da vida. Movimentos involuntários, reflexos condicionados dos músculos do rosto que se desfazem da mesma maneira que apareceram mostrando que a vida não tem muito sentido. E assim termino como comecei: com o mesmo sorriso triste.