terça-feira, 16 de julho de 2019

Em Defesa do Socialismo

   O livro Em Defesa do Socialismo, de Fernando Haddad, além de não lembrar o Manifesto Comunista, mais parece um ataque ao socialismo do que uma defesa.
   De início, Haddad não compreende qual o socialismo que ele se propõe a defender. Mas até aí tudo bem. É próprio nesse estilo de escrita não deixar bem claro o que se pretende. Como bem disse o Lula: “Não sabemos o tipo de socialismo que queremos”. Talvez Haddad, no seu livro, publicado em 1998, estivesse falando do socialismo científico de Marx e Engels. Talvez estivesse falando do socialismo utópico. Talvez estivesse falando de um novo socialismo que vai acontecer no futuro... e o futuro nunca chega. Vá saber.
   Minha intenção não é esculhambar o livro de Fernando Haddad nem enaltecê-lo, mas realizar uma análise com uma consideração especial e com a necessária sisudez.
   1 - Na introdução, Haddad começa dizendo que o mundo administrado perdeu controle. O Welfare State se desorganizou. E depois coloca questões sobre a perspectiva do mundo, sobre o processo em marcha e sobre o neoliberalismo (a nova ordem) que trouxe uma apaixonada compulsão a anunciar a morte do socialismo e do pensamento crítico.
   E complementa no início do parágrafo final:
Num momento de refluxo do movimento socialista, Marx foi lembrado por um camarada de que, em uma de suas obras, Hegel observa que imediatamente antes que surja algo de qualitativamente novo, o antigo estado recupera a sua essência originária, na sua totalidade simples, ultrapassando todas as diferenças que abandonara enquanto era viável (p.12).

   Refluxo é o que causa quando se lê uma frase dessas que sintetiza o pensamento revolucionário. Antes que surja algo de qualitativamente novo, o antigo estado (um ente subjetivo) que, provavelmente, é vidente, antecipa o futuro e, num passe de mágica, volta ao passado para recuperar a sua essência originária, mesmo sem ter perdido essa essência. Mas essa fica na conta de Hegel.
   No capítulo I - O Legado de Marx, Haddad diz que o principal defeito do movimento socialista até aqui (1998) foi não perceber o quão elásticas são as relações de produção capitalistas, o quão adaptável é o sistema capitalista. Lembrando que não sabemos de qual socialismo Haddad está falando, apesar de que ele usou a expressão “movimento socialista”, que é uma coisa distinta do “socialismo” em si.
   2 - Nesse mesmo capítulo, na página 19, Haddad diz: O conceito de classe social em sentido pleno é corretamente definido, dentro do discurso materialista, pelas relações de distribuição que são expressão imediata das relações de produção.
   Marx, no Manifesto, divide a sociedade em duas grandes classes diametralmente opostas: burgueses e proletários. E depois, Marx redefiniu-se referindo-se a três grandes classes: trabalhadores assalariados, capitalistas e proprietários fundiários. Posso dizer que todas essas são divisões essencialmente financeiras.
   Ora, a estratificação de uma sociedade em classes sociais, como o próprio nome diz, classes SOCIAIS, envolve outros fatores além do financeiro e isso torna praticamente impossível estratificar uma sociedade complexa em classes sociais, pois tal estratificação é muito dinâmica. O termo “social” é concernente a uma sociedade e envolve a cultura, o financeiro, etc. Eu mesmo posso fazer parte de distintas classes: posso ser de classe média financeira e, ao mesmo tempo, posso ser dono de uma microempresa e fazer parte de uma ONG abortista. Em qual sentido sou burguês e em qual sentido sou proletário? E posto que a estratificação em classes sociais é, obviamente, dentro de uma sociedade: em relação a quem sou burguês e em relação a quem sou proletário? Eu mesmo que defino a que classe eu pertenço? Ou deixo para os outros definirem a que classe eu pertenço?
   Porém, como Haddad bem disse, essa divisão de Marx em duas classes (burgueses e proletários), aparentemente não se verificou, pois a realidade é mais complexa e pode muito bem apenas ser mais confusa, se lhe falta o método adequado, o que confirma o que eu disse no parágrafo anterior.
   Mas podemos perguntar: quem estabelece o método adequado, Marx, Haddad ou eu mesmo enquanto participante de uma classe?
   3 - Depois, nas páginas 19, 20 e 21, Haddad estabelece limites de uma dada classe, superior e inferior, e estabelece o critério materialista e conclui:
Resumidamente, portanto, a teoria marxista de classe colocava sob a rubrica de proletariado a massa de trabalhadores que vendia sua força de trabalho diretamente ao capital - industrial, comercial ou financeiro - e o exército industrial de reserva; e colocava sob a rubrica de burguesia os capitalistas, a alta gerência e os proprietários fundiários.

   Portanto, o marxismo se faz e se re-faz da mesma maneira que um indivíduo troca de roupa de baixo. E, no momento que eu digo que a massa de trabalhadores vende sua força de trabalho ao capital, estou dizendo expressamente que é necessário existir trabalhadores e capital, porque um, logicamente, não existe sem o outro. E se um não existe sem o outro, porque cargas d’água um combate o outro?
   4 - Na página 20, chama a atenção o seguinte: Correlativamente, o desempregado cuja força de trabalho não é mais útil ao capital, ou seja, cujas habilidades tornaram-se uma mercadoria sem valor, esse pobre diabo, por não ter o que vender, nem a si mesmo, não pertence ao proletariado.
   A expressão “mercadoria sem valor”, com o meu grifo acima, requer uma análise mais detalhada porque, nas páginas seguintes, Haddad discorre usando os termos mercadoria e valor.
   E nesta análise temos que responder as perguntas: O que é mercadoria para Marx? De qual valor se está falando?
   Para dirimir essa questão, reproduzindo Paulo Freire, fui à Marx:
A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como meio de produção (O Capital, Livro 1, Vol. 1, pp. 41-42).

   Ou muito me engano, para Marx, qualquer coisa pode ser uma mercadoria. Então um desempregado, esse pobre diabo, não pode tornar-se uma mercadoria sem valor, pois ele pode vender suas habilidades de, por exemplo, criminoso ao capital. Sendo eu um “capitalista”, posso fazer uso do lúmpen-proletariado e comprar sua força de trabalho para satisfazer uma necessidade minha. Haddad deturpou Marx?
   E agora parto do pressuposto de que o valor da mercadoria referido por Haddad é a duplicidade, por serem ao mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor... aquela forma natural e a de valor (O Capital, pp. 54-55). E, As mercadorias, recordemos, só encarnam valor na medida em que são expressões de uma mesma substância social, o trabalho humano (O Capital, p.55).
   E o que é o trabalho humano (ou força de trabalho ou capacidade de trabalho) para Marx?
   “Por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreendemos o conjunto das faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda a vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie (O Capital, p. 187).
   Ainda: Assim, a força de trabalho só pode aparecer como mercadoria no mercado, enquanto for e por ser oferecida ou vendida como mercadoria pelo seu próprio possuidor, pela pessoa da qual ela é a força de trabalho (O Capital, p. 187).
   Valor-de-uso para Marx:
As mercadorias vêm ao mundo sob a forma de valores-de-uso, de objetos materiais, como ferro, linho, trigo, etc. É a sua forma natural, prosaica. Todavia, só são mercadorias por sua duplicidade, por serem ao mesmo tempo objetos úteis e veículos de valor. Por isso, patenteiam-se como mercadorias, assumem a feição de mercadoria, apenas na medida em que possuam dupla forma, aquela forma natural e a de valor (O Capital, p. 54).

   Portanto, a força de trabalho é uma mercadoria e, por isso mesmo, tem valor.
   Acredito estar plenamente justificado que, para Marx, o lúmpen-proletariado tem sua força de trabalho e pode ser uma mercadoria - ainda que ele desprezasse o lúmpen-proletariado como classe. Adiante veremos, no item 8, que o próprio Haddad, inadvertidamente, contradiz-se e confirma essa justificativa.
   5 - Depois, na página 23, Haddad discorre sobre a emergência de uma nova classe social: a classe dos cientistas. Porém, não consegue definir - segundo seus próprios limites inferior e superior de acordo com o critério materialista -, a quem esta classe pertence, ao capital ou ao trabalhador.
Sem dúvida, o resultado da atividade de pesquisa e desenvolvimento se incorpora às mercadorias. Mas ela não é uma atividade produtiva, no sentido exato da palavra. Ela não produz mercadorias, embora funcione como promotora do aperfeiçoamento do processo de produção de mercadorias (pp. 24-25).

   Como vimos na compreensão de mercadoria de Marx, Haddad está equivocado de novo. A atividade de pesquisa e desenvolvimento é uma atividade produtiva e produz mercadorias, pois, para Marx, a mercadoria é, basicamente, uma coisa que satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza. E a atividade de pesquisa e desenvolvimento se enquadra na compreensão de Marx, pois há força e tempo de trabalho envolvidos no processo. Não sei qual tradição Marxista Haddad está seguindo.
   6 - Ainda na página 25, Haddad ressalta: A rigor, o tipo ideal de agente inovador é o pós-graduado que se submeteu a uma orientação pessoal de alguém que detém uma parcela de conhecimento não totalmente socializado (saber de fronteira), seja por conta do nível de profundidade, seja por conta do grau de especialização.
   Se não me engano, Haddad terminou seu Doutorado em 1996, sendo, portanto, pós-graduado quando escreveu o livro Em Defesa do Socialismo. Será ele o tipo ideal de agente inovador?
   7 - Na página 28 encontramos: Ao esquema de Marx, que descreve as etapas de desenvolvimento da indústria capitalista, deve-se, portanto, acrescentar um estágio adicional. Estaria Haddad deturpando Marx novamente ou somente acrescentando um estágio adicional? Não vou deter-me nessa parte para não tornar meu texto muito extenso, basta ler o livro de Haddad.
  8 - Na página 31, Haddad discorre sobre a emergência, em nível mundial, de um lúmpen-proletariado de tipo novo, camada que não é mais ‘o produto passivo da putrefação das camadas mais baixas da velha sociedade’, como Marx definiu, mas o resultado direto da nova forma de organização capitalista que devem ser encarados como uma verdadeira classe social porque o seu rendimento extraeconômico oriundo da criminalidade, da mendicância, da pequena extorsão, da chantagem familiar, de favores do Estado, etc, é também uma consequência imediata das relações de produção. O que confirma, de novo, agora nas palavras do próprio Haddad, o que eu disse anteriormente sobre o lúmpen-proletariado e seu valor.
   Ainda que, Haddad, na página 20, ao discorrer sobre o desempregado tornar-se uma mercadoria sem valor estivesse se referindo à época de Marx, ainda assim, como vimos, Haddad conceituou o pobre diabo como uma mercadoria sem valor (coisa que, para Marx, é impossível uma mercadoria sem valor).
   E Haddad mesmo classifica o lúmpen como classe, obviamente, segundo seu próprio conceito de classe da página 19. O lúmpen, agora como classe verdadeira, faz parte das relações de produção, portanto, é uma mercadoria. Agora, se o ser humano é uma mercadoria ou não, basta ler a compreensão de Marx.
   9 - Na página 34:
Não obstante, o resultado prático-moral da ‘liberdade’ de que goza o lúmpen e da liberdade de que goza o burguês é o mesmo: um descompromisso, tanto quanto possível, com as regras jurídicas e morais que garantem a coesão social, particularmente as regras democráticas (p. 34).

   Haddad equipara o lúmpen ao burguês dizendo que os dois tem um descompromisso com as regras jurídicas e morais que garantem a coesão social. As regras jurídicas são as mesmas para as duas classes (ou deveriam ser), mas o lúmpen tem um certo tipo de regra moral e o burguês tem outro, são classes diferentes, segundo a teoria de classes proposta por Haddad.
   10 - Na página 35, Haddad diz que arte e técnica não se confundem. Ora, toda arte pressupõe uma técnica. Pintar um quadro requer técnica, mesmo que seja um quadro daquilo que chamam de arte contemporânea conceitual. Até para colocar um monte de fezes no canto de uma sala e chamar isso de arte, requer uma certa técnica na hora de dispor o monte. Para colocar um mictório masculino de ponta-cabeça e chamar de arte, também requer técnica. Um grupo de pessoas correndo em círculos, uma com o dedo enfiado no ânus da outra, também requer uma certa técnica. Aliás, técnica é o substantivo feminino de técnico, que vem do Grego tekhnikós, que é relativo à arte, à ciência ou ao saber, ao conhecimento ou à prática de uma profissão. Portanto, arte e técnica confundem-se já na sua essência, porém, o  ser humano as separa e convenciona suas definições para melhor entendimento. Entendimento este, impossível para certas pessoas.
   11 - Na página 36, final deste capítulo, chama a atenção o seguinte: Caso contrário, nunca será possível isolar a classe dominante num pólo e as demais classes no outro, condição necessária da superação da ordem capitalista (o grifo é meu). Ele está falando da teoria de classes proposta, da divisão em forças produtivas, forças destrutivas e forças criativas.
   Ora, isolando a classe dominante num polo e as demais em outro polo somente irá fortalecer a classe dominante, pois esta possui os meios de ação, os meios de produção... praticamente todos os meios possíveis em relação às demais classes. E isso era assim em 1998 e está pior agora em 2019. Além disso, isolamento, nesse sentido de classes, não combina muito bem com igualdade.
   Esse isolamento, se conseguido, irá provocar um massacre físico entre as classes, ainda mais considerando agora o lúmpen-proletariado como classe verdadeira. Quando, e se, a tão esperada revolução acontecer será pior do que a revolução Francesa; cabeças, braços e pernas irão se despedaçar e rolar.
   12 - Na página 40:
Uma melhor distribuição [de riquezas], resultante da luta entre classes, orienta a produção no sentido de uma maior satisfação das necessidades. Mas isso não resolve o problema de que, sob o capitalismo, dada a gestão privada do processo de inovação tecnológica, a correspondência entre a percepção e a possível fruição não acontece, e a própria luta de classes é alimentada pelo desejo insatisfeito de todos (p. 40).

   Resumindo: enquanto não separar em dois polos (classe dominante e demais classes) a luta de classes continuará, porém, separando em dois polos, a luta de classes também continuará. O socialismo brigando com o capitalismo, pelo que se entende, é um processo infinito que, possivelmente, terminará em carnificina ou na escravização coletiva de fato.
   13 - Na página 41, Haddad discorre sobre a opinião de Marx em relação à organização e distribuição de todo aparato produtivo pelos produtores imediatos organizados em comunas hierarquizadas em forma de pirâmide.
   Ora, hierarquizar em forma de pirâmide é estabelecer classes dominantes em cima de classes dominadas - e quem ficará no topo da pirâmide?
   Não vejo no que o socialismo de Haddad muda em relação ao capitalismo que ele tanto combate. Talvez o que mudará serão as pessoas da classe dominante, mas o sistema, assim proposto, continuará exatamente o mesmo.
   Espero que Haddad, quando chegar a ser classe dominante, por uma questão de coerência, continue propondo o isolamento das duas classes em lados opostos.
   14 - Nas páginas 42 e 43 Haddad fala da lógica do capital e corrobora o que eu disse acima. Ele diz que é necessário sair da lógica do capital, mas sem abrir mão da funcionalidade do aparato político e econômico e da liberdade formal dos indivíduos. Aparato político e econômico é o sistema. Ele não quer abrir mão do sistema, mas o que vem a ser essa liberdade formal é um mistério esotérico.
   E ele continua:
A subversão da lógica do capital passa pelo mercado assim como a subversão da lógica da democracia burguesa passa pela representação política, numa articulação que não simplesmente faz de um o limite do outro por meio de contrapesos e compensações, mas numa articulação por meio da qual eles se interpenetram, subvertendo-se (p.43).

   Pelo que se entende, o socialismo subverte o capitalismo e vice-versa, numa relação de amor, ódio, sexo, drogas e rock and roll, onde o capitalismo entra com amor e rock e o socialismo entra com o resto. Meio complicado isso.
   E depois ele elenca as tarefas: no plano econômico, trata-se de reorientar a produção e a distribuição da renda [redistribuição de riquezas] no âmbito do mercado; no plano político, trata-se de democratizar a definição da pauta política e a informação a ela pertinente no âmbito da representação [democracia representativa] (p. 43).
   Depois Haddad fala que, ao invés de tomar o mercado como um provedor de sinais que indica ao capitalista o que os indivíduos desejam, deve-se colocar no lugar representantes através dos quais os cidadãos devem encontrar uma forma de sinalizar os bens que desejam. De novo, quer trocar umas pessoas da classe dominante por outras, mas a classe dominante continua lá.
   Para tanto, Haddad propõe uma transição do atual capitalismo de sociedade (em 1998) por ações para uma espécie de capitalismo cooperativo que envolve estímulo à cooperativação dos não-proprietários, democratização dos fundos de pensão, públicos ou não, imposto progressivo sobre a propriedade e centralização progressiva nas mãos do Estado democrático do processo de intermediação financeira por meio do controle de crédito.
   O crédito se mostra um mecanismo eficiente de socialização sem que seja necessário expropriar quem quer que seja. Talvez venha daí o fato de a economia do Brasil ser uma economia de crédito concentrada nas mãos dos grandes bancos. Começo a entender o “socialismo” proposto.
   Depois ele fala que, revolucionariamente, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) quer crédito, apoio técnico e autonomia para organizar suas cooperativas.
   15 - Na página 52, Haddad fala da socialização dos meios de comunicação a partir da criação de cooperativas de jornalistas e artistas e fala da reformulação do ensino básico e da universalização do ensino superior dizendo que essas duas medidas elevariam o patamar cultural da sociedade brasileira. Agora, em 2019, ainda estamos esperando essa elevação sublime.
   16 - Na página 53: Uma reviravolta política exigiria, portanto, uma forma de discurso que deslocasse os sujeitos de suas posições habituais mesmo que no interior de um universo linguístico mais estreito, permitindo-lhes trazer à consciência esses seus impulsos.
   Ele está falando da redução do vocabulário como forma de discurso. Haddad queria elevar o patamar cultural reduzindo o vocabulário. Não vejo como isso é possível.
   17 - Nas páginas 54 e 55, Haddad começa a falar da psicanálise, que a recepção da psicanálise pelos socialistas foi bastante conturbada. Mas que a psicanálise viria a suprir, no seio do marxismo, o degrau faltante entre base econômica e superestrutura ideológica. E que procurou-se extrair da psicanálise sua força crítico-utópica enfatizando-se aqueles elementos que efetivamente projetavam-se para lá do sistema presente, na direção de uma civilização erótica (sem incesto). Que na segunda geração dessa tradição (marxista), a psicanálise é entendida “idealisticamente” como mero reaprendizado gramatical. E que não teria sido explorado suficientemente o potencial emancipador da forma discursiva da psicanálise em política como contraponto do marketing.
   18 - Na página 56, Haddad discorre como o Partido dos Trabalhadores (PT), nos anos 80, conseguiu, em parte, a proeza acima.
Ninguém sabe ao certo como teria sido um governo nacional petista em caso de vitória eleitoral, mas o PT, mais pela forma do que pelo conteúdo do seu discurso, obteve apoio crescente no seio das três classes não-proprietárias que iam, através dele, encontrando compatibilidades de perspectivas (p. 56).

   Agora, em 2019, sabemos como seria e como foi um governo nacional petista.
   E Haddad, termina este capítulo da seguinte maneira: Nesse caso, no lugar dos atuais Estados nacionais concorrentes, ter-se-ia, finalmente, o advento de uma verdadeira comunidade internacional. E esse advento dar-se-ia com a redução do Estado a um mero ofertante de bens públicos, materiais e culturais, desprovido de todo conteúdo político, caso em que não seria mais um corpo destacado que paira sobre a sociedade, mas como algo que se confundiria com ela. E, provavelmente, o partido acima do Estado e da sociedade, segundo o esquema da pirâmide.
   19 - Nas últimas sete páginas de seu livro, Haddad fala do Welfare State nacional e mundial, do socialdemocrata que é um sujeito de boa alma, do neonazismo e do fascismo.

Conclusão
   O livro é escrito em linguagem ambígua: um discurso exotérico que abarca um discurso esotérico. No meu modo de pensar, o livro cumpriu seu papel, pois várias coisas descritas nele foram implementadas no Brasil pelo PT.
   Procurei trazer, no meu texto, alguns pontos que pudessem ser contrapostos de maneira objetiva.
   O que Haddad tentou trazer de novo, em 1998, foi uma teoria de classes dividindo em duas grandes classes: proprietários (burgueses?) e não-proprietários (proletários?). Os proprietários dividem-se em: proprietários e funcionários do capital; e entre os não-proprietários Haddad acrescenta o lúmpen-proletariado formando três classes não-proprietárias.
   Mas como o próprio Haddad disse acertadamente: o capitalismo é um sistema adaptável. E eu acrescento: o tal do socialismo se adapta ao tal do capitalismo e vice-versa numa simbiose promíscua sem fim. Irão os dois se fundir ou se destruir?
   Mas enfim, tudo não passa de uma briga entre pessoas por dinheiro e poder.
   De qualquer maneira, ninguém tem como saber o que virá depois.

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