Textículo
Introdutório
Ou
Prolegômenos
Não
pretendo aqui refutar ou elogiar a obra da presente análise (o livro
Aristóteles em Nova Perspectiva - Introdução à Teoria dos Quatro Discursos de
Olavo de Carvalho), pois refutar ou elogiar pressupõe que se dê algum valor à
obra e, como ainda não a estudei, não tenho essa pretensão.
Seguindo
esse raciocínio coloco aqui o método que aplicarei: primeiro lerei o livro todo
de uma vez, “de cabo a rabo”, sem me preocupar em estudá-lo. Segundo: partirei
para o estudo, relendo-o e, daí sim, entrando no estudo propriamente dito,
comparando-o com outras obras, fazendo anotações, tirando conclusões,
procurando compreendê-lo seguindo, principalmente, o próprio conceito de
“compreensão” sugerido pelo autor nas primeiras páginas do livro, cujas linhas
me saltaram aos olhos.
Porém,
isso não implica que entrarei nos termos que o autor propõe. Não posso cometer
os erros filosófico e psicológico de analisar um livro nos termos que um autor propõe
(mas os levarei em conta, é óbvio), senão entrarei em uma investigação que
cairá num “jogo de cartas marcadas” que acarretará na delimitação do assunto a
ser estudado, delimitação esta, dada pelo próprio autor, o que não é o caso,
pois, acredito eu, não se trata de obra de ficção posto que filosofia se traduz,
também, como a busca pelo bem e pela verdade e, num conceito mais específico
semanticamente: a busca pela verdade com base na realidade, sem falseamentos.
Reitero,
minha intenção não é refutá-lo ou elogiá-lo, mas somente entendê-lo e, se
possível, agregar conhecimento.
À
primeira leitura o autor nos oferece um conceito de “compreensão” (páginas 21 e
22), que aqui transcrevo: “No entanto, ela é a chave mesma dessa compreensão,
se por compreensão se entende o ato de captar a unidade do pensamento de um
homem desde suas próprias intenções e valores, em vez de julgá-lo de fora; ato
que implica respeitar cuidadosamente o inexpresso e o subentendido, em vez de
sufocá-lo na idolatria do “texto” coisificado, túmulo do pensamento. ”
Num
primeiro momento pensei que, quando o autor fala em “respeitar cuidadosamente o
inexpresso e o subentendido”, teria que “adivinhar”, ler nas entrelinhas,
imaginar fertilmente alguma coisa que o autor não disse no texto coisificado,
como se eu fosse um adolescente subginasiano tentando compreender, por exemplo,
a Retórica sem ter lido os Tópicos, semelhante ao que o próprio Aristóteles
assinalou na Metafísica:
“As
tentativas de alguns [pensadores] que se pronunciam
acerca
da verdade e do modo como a devemos reconhecer
são
realizadas na completa ignorância dos [meus]
Analíticos;
ora todas estas matérias só devem ser abordadas
por
quem tenha um conhecimento prévio [desses textos],
e
não por quem busca a verdade sem ter sequer ouvido
falar
deles.”
Partindo
do pensamento de adivinhação eu pararia logo a leitura naquele conceito de
“compreensão” e cairia na armadilha do desconstrucionismo.
Vejo
claramente que o autor, com aquele conceito de “compreensão”, refere-se, por
evidente, à obra de Aristóteles e não ao seu próprio livro; refere-se à
“compreensão” como um processo de conhecimento (a escalada cognitiva), onde,
para compreender alguma coisa deve-se, obrigatoriamente, compreender o(s)
princípio(s) dessa alguma coisa para depois compreendê-la na sua totalidade
(das partes para o todo), ou, pelo menos, através desse processo de conhecimento
chegar mais perto da verdade. “Compreensão” esta, creio eu, no sentido do silogismo
aristotélico: “um argumento em que, dadas certas proposições, algo distinto
delas resulta necessariamente, pela simples presença das proposições aduzidas”
(Tópicos, pág. 10).
Dirimida
esta dúvida, sigo a leitura sem estudo, apesar de já ter feito um estudo prévio
dessas primeiras linhas, delineando assim, o método desta análise.
Após
terminada a leitura inicial sem estudo, minha primeira impressão (que pode ser
interpretada como uma análise epistemológica leiga, não somente pela leitura do
livro em questão, mas, também, pela execução de vários dos vídeos do autor no Youtube)
é a de que o autor tem o raciocínio aristotélico - tanto básico quanto em suas
quatro variedades - completamente arraigado no seu eu, tornou-se parte dele...
como não poderia ser diferente dado o seu conhecimento sobre o assunto. Até
fiquei um pouco inibido em continuar esta análise, mas venho com a minha fé,
companheira fiel, e venho - com o conhecimento que tenho, que, em comparação
com o autor, é menor - levar a cabo este empreendimento na intenção de chegar
ao mais puro aprendizado e, entre concordâncias e discordâncias, chegaremos a uma
conclusão, seja ela certa, provável, verossímil ou possível.
Introdução
ao estudo do livro Aristóteles em Nova Perspectiva
A
base do livro, a Teoria dos Quatro Discursos, como o próprio autor diz: “Pode
ser resumida em uma frase: o discurso humano é uma potência única, que se
atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a
analítica (lógica) ” (p. 22).
A
idéia da Teoria dos Quatro Discursos
foi baseada na percepção de dois outros autores, citados no próprio livro:
Avicena e Santo Tomás de Aquino, cuja nota 2 reproduzo abaixo:
2 Esses dois foram Avicena
e Sto. Tomás de Aquino. Avicena (Abu ‘Ali el-Hussein ibn Abdallah ibn Sina,
375-428 H. / 985-1036 d.C.) afirma taxativamente, na sua obra Nadjat (“A Salvação”), a unidade das
quatro ciências, sob o conceito geral de “lógica”. Segundo o Barão Carra de
Vaux, isto “mostra quanto era vasta a idéia que ele fazia desta arte”, em cujo
objeto fizera entrar “o estudo de todos os diversos graus de persuasão, desde a
demonstração rigorosa até a sugestão poética” (cf. Baron Carra de Vaux, Avicenne, Paris, Alcan, 1900, pp.
160-161). Sto. Tomás de Aquino menciona também, nos Comentários às Segundas Analíticas, I, I.I, nº 1-6, os quatro graus
da lógica, dos quais, provavelmente tomou conhecimento através de Avicena, mas
atribuindo-lhe o sentido unilateral de uma hierarquia descendente que vai do
mais certo (analítico) ao mais incerto (poético) e dando a entender que, da
Tópica “para baixo”, estamos lidando apenas com progressivas formas do erro ou
pelo menos do conhecimento deficiente. Isto não coincide exatamente com a
concepção de Avicena nem com aquela que apresento neste livro, e que me parece
ser a do próprio Aristóteles, segundo a qual não há propriamente uma hierarquia
de valor entre os quatro argumentos, mas sim uma diferença de funções
articuladas entre si e todas igualmente necessárias à perfeição do
conhecimento. De outro lado, é certo que Sto. Tomás, como todo Ocidente
Medieval, não teve acesso ao texto da Poética.
Se tivesse, seria quase impossível que visse na obra poética apenas a
representação de algo “como agradável ou repugnante” (loc. cit., nº 6), sem meditar mais profundamente sobre o que diz
Aristóteles quanto ao valor filosófico da poesia (Poética, 1451 a.). De qualquer modo, é um feito admirável do
Aquinatense o haver percebido a unidade das quatro ciências lógicas,
raciocinando como o fez, desde fontes de segunda mão.
Então
se faz necessário analisar os textos citados acima, sendo que os analisarei na
próxima parte do estudo.
Mas,
de imediato, fazendo uma análise do próprio texto do autor, posso depreender (não
compreender), mas posso depreender friamente do texto coisificado da nota 2 que
Avicena afirma taxativamente, na sua obra Nadjat
(“A Salvação”), a unidade das quatro ciências, sob o conceito geral de
“lógica”. À primeira vista posso entender que, para Avicena, a unidade das
quatro ciências está na lógica e não na poética. Mas para dirimir esta dúvida
se faz necessário ler o texto de Avicena, o que farei na segunda parte.
Depois
o autor cita o Barão Carra de Vaux cuja obra não se encontra nas “Leituras
Sugeridas”, porém, isto não desabona o livro, pois refere-se à forma e não ao
conteúdo.
Sobre
Sto. Tomás de Aquino o autor cita que “provavelmente tomou conhecimento através
de Avicena, mas atribuindo-lhe o sentido unilateral de uma hierarquia
descendente que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poético) e dando
a entender que, da Tópica “para baixo”, estamos lidando apenas com progressivas
formas do erro ou pelo menos do conhecimento deficiente”.
Posso
depreender que a hierarquia descendente que vai do mais certo (analítico) ao
mais incerto (poética) significa isso mesmo: o mais certo é a analítica e o
mais incerto é a poética. E depois o autor diz que “Isto não coincide
exatamente com a concepção de Avicena nem com aquela que apresento neste livro,
e que me parece ser a do próprio Aristóteles, segundo a qual não há
propriamente uma hierarquia de valor entre os quatro argumentos, mas sim uma
diferença de funções articuladas entre si e todas igualmente necessárias à
perfeição do conhecimento”.
Ora,
se a concepção de Avicena não coincide com a de Sto. Tomás de Aquino e nem com
a do autor, aparentemente não estão falando da mesma coisa ou estão falando da
mesma coisa, mas sob óticas diferentes. Este é um dos pontos a serem analisados
profundamente. Do que cada um está falando?
Porém,
como o próprio texto informa “De outro lado, é certo que Sto. Tomás, como todo
Ocidente Medieval, não teve acesso ao texto da Poética. Se tivesse, seria quase impossível que visse na obra
poética apenas a representação de algo “como agradável ou repugnante” (loc. cit., nº 6), sem meditar mais
profundamente sobre o que diz Aristóteles quanto ao valor filosófico da poesia
(Poética, 1451 a.)”.
Então
vejo que, segundo o próprio autor Olavo de Carvalho, Sto. Tomás de Aquino não
tinha dados e informações suficientes para atribuir uma hierarquia descendente
que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poética). Contudo, isto não
desabona em qualquer coisa que seja. O texto é bastante claro: Sto. Tomás de
Aquino não tinha conhecimento da Poética, porém, o autor colocou a Poética como
último grau da hierarquia descendente baseando-se nas indagações de Sto. Tomás.
Mas
posso ver na página 22 do livro: “A questão biparte-se numa investigação
histórico-filológica. Não poderei, nas dimensões da presente comunicação,
realizar a contento nem uma, nem a outra. Em compensação, posso indagar as
razões da estranheza”.
O
autor Olavo de Carvalho deixa claro que seu livro é uma comunicação feita de
indagações que não são históricas, nem filológicas. Entretanto, até o momento
não posso dizer que isso o qualifica positivamente ou o qualifica
negativamente. Estas expressões, qualificar positivamente ou negativamente, uso-as
somente como forma gramatical, pois qualificar sugere julgamento que implica em
estudo e conhecimento daquilo que se está julgando, implica em umas pessoas
julgando outras pessoas, mas quem estará com a razão e com a emoção, posto que
a razão serve para controlar a emoção, mas uma não vive sem a outra, são
indissociáveis, inseparáveis, bem como as letras e as ciências, pois o conhecimento começa com a intuição e confirma-se com as experiências.
Nas próximas partes
entrarei no estudo propriamente dito.