domingo, 16 de dezembro de 2018

Análise do livro Aristóteles em Nova Perspectiva - Parte 1

Textículo Introdutório
Ou Prolegômenos

Não pretendo aqui refutar ou elogiar a obra da presente análise (o livro Aristóteles em Nova Perspectiva - Introdução à Teoria dos Quatro Discursos de Olavo de Carvalho), pois refutar ou elogiar pressupõe que se dê algum valor à obra e, como ainda não a estudei, não tenho essa pretensão.
Seguindo esse raciocínio coloco aqui o método que aplicarei: primeiro lerei o livro todo de uma vez, “de cabo a rabo”, sem me preocupar em estudá-lo. Segundo: partirei para o estudo, relendo-o e, daí sim, entrando no estudo propriamente dito, comparando-o com outras obras, fazendo anotações, tirando conclusões, procurando compreendê-lo seguindo, principalmente, o próprio conceito de “compreensão” sugerido pelo autor nas primeiras páginas do livro, cujas linhas me saltaram aos olhos.
Porém, isso não implica que entrarei nos termos que o autor propõe. Não posso cometer os erros filosófico e psicológico de analisar um livro nos termos que um autor propõe (mas os levarei em conta, é óbvio), senão entrarei em uma investigação que cairá num “jogo de cartas marcadas” que acarretará na delimitação do assunto a ser estudado, delimitação esta, dada pelo próprio autor, o que não é o caso, pois, acredito eu, não se trata de obra de ficção posto que filosofia se traduz, também, como a busca pelo bem e pela verdade e, num conceito mais específico semanticamente: a busca pela verdade com base na realidade, sem falseamentos.
Reitero, minha intenção não é refutá-lo ou elogiá-lo, mas somente entendê-lo e, se possível, agregar conhecimento.
À primeira leitura o autor nos oferece um conceito de “compreensão” (páginas 21 e 22), que aqui transcrevo: “No entanto, ela é a chave mesma dessa compreensão, se por compreensão se entende o ato de captar a unidade do pensamento de um homem desde suas próprias intenções e valores, em vez de julgá-lo de fora; ato que implica respeitar cuidadosamente o inexpresso e o subentendido, em vez de sufocá-lo na idolatria do “texto” coisificado, túmulo do pensamento. ”
Num primeiro momento pensei que, quando o autor fala em “respeitar cuidadosamente o inexpresso e o subentendido”, teria que “adivinhar”, ler nas entrelinhas, imaginar fertilmente alguma coisa que o autor não disse no texto coisificado, como se eu fosse um adolescente subginasiano tentando compreender, por exemplo, a Retórica sem ter lido os Tópicos, semelhante ao que o próprio Aristóteles assinalou na Metafísica:
As tentativas de alguns [pensadores] que se pronunciam
acerca da verdade e do modo como a devemos reconhecer
são realizadas na completa ignorância dos [meus]
Analíticos; ora todas estas matérias só devem ser abordadas
por quem tenha um conhecimento prévio [desses textos],
e não por quem busca a verdade sem ter sequer ouvido
falar deles.”
Partindo do pensamento de adivinhação eu pararia logo a leitura naquele conceito de “compreensão” e cairia na armadilha do desconstrucionismo.
Vejo claramente que o autor, com aquele conceito de “compreensão”, refere-se, por evidente, à obra de Aristóteles e não ao seu próprio livro; refere-se à “compreensão” como um processo de conhecimento (a escalada cognitiva), onde, para compreender alguma coisa deve-se, obrigatoriamente, compreender o(s) princípio(s) dessa alguma coisa para depois compreendê-la na sua totalidade (das partes para o todo), ou, pelo menos, através desse processo de conhecimento chegar mais perto da verdade. “Compreensão” esta, creio eu, no sentido do silogismo aristotélico: “um argumento em que, dadas certas proposições, algo distinto delas resulta necessariamente, pela simples presença das proposições aduzidas” (Tópicos, pág. 10).
Dirimida esta dúvida, sigo a leitura sem estudo, apesar de já ter feito um estudo prévio dessas primeiras linhas, delineando assim, o método desta análise.

Após terminada a leitura inicial sem estudo, minha primeira impressão (que pode ser interpretada como uma análise epistemológica leiga, não somente pela leitura do livro em questão, mas, também, pela execução de vários dos vídeos do autor no Youtube) é a de que o autor tem o raciocínio aristotélico - tanto básico quanto em suas quatro variedades - completamente arraigado no seu eu, tornou-se parte dele... como não poderia ser diferente dado o seu conhecimento sobre o assunto. Até fiquei um pouco inibido em continuar esta análise, mas venho com a minha fé, companheira fiel, e venho - com o conhecimento que tenho, que, em comparação com o autor, é menor - levar a cabo este empreendimento na intenção de chegar ao mais puro aprendizado e, entre concordâncias e discordâncias, chegaremos a uma conclusão, seja ela certa, provável, verossímil ou possível.

Introdução ao estudo do livro Aristóteles em Nova Perspectiva

A base do livro, a Teoria dos Quatro Discursos, como o próprio autor diz: “Pode ser resumida em uma frase: o discurso humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras diversas: a poética, a retórica, a dialética e a analítica (lógica) ” (p. 22).
A idéia da Teoria dos Quatro Discursos foi baseada na percepção de dois outros autores, citados no próprio livro: Avicena e Santo Tomás de Aquino, cuja nota 2 reproduzo abaixo:

2 Esses dois foram Avicena e Sto. Tomás de Aquino. Avicena (Abu ‘Ali el-Hussein ibn Abdallah ibn Sina, 375-428 H. / 985-1036 d.C.) afirma taxativamente, na sua obra Nadjat (“A Salvação”), a unidade das quatro ciências, sob o conceito geral de “lógica”. Segundo o Barão Carra de Vaux, isto “mostra quanto era vasta a idéia que ele fazia desta arte”, em cujo objeto fizera entrar “o estudo de todos os diversos graus de persuasão, desde a demonstração rigorosa até a sugestão poética” (cf. Baron Carra de Vaux, Avicenne, Paris, Alcan, 1900, pp. 160-161). Sto. Tomás de Aquino menciona também, nos Comentários às Segundas Analíticas, I, I.I, nº 1-6, os quatro graus da lógica, dos quais, provavelmente tomou conhecimento através de Avicena, mas atribuindo-lhe o sentido unilateral de uma hierarquia descendente que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poético) e dando a entender que, da Tópica “para baixo”, estamos lidando apenas com progressivas formas do erro ou pelo menos do conhecimento deficiente. Isto não coincide exatamente com a concepção de Avicena nem com aquela que apresento neste livro, e que me parece ser a do próprio Aristóteles, segundo a qual não há propriamente uma hierarquia de valor entre os quatro argumentos, mas sim uma diferença de funções articuladas entre si e todas igualmente necessárias à perfeição do conhecimento. De outro lado, é certo que Sto. Tomás, como todo Ocidente Medieval, não teve acesso ao texto da Poética. Se tivesse, seria quase impossível que visse na obra poética apenas a representação de algo “como agradável ou repugnante” (loc. cit., nº 6), sem meditar mais profundamente sobre o que diz Aristóteles quanto ao valor filosófico da poesia (Poética, 1451 a.). De qualquer modo, é um feito admirável do Aquinatense o haver percebido a unidade das quatro ciências lógicas, raciocinando como o fez, desde fontes de segunda mão.

Então se faz necessário analisar os textos citados acima, sendo que os analisarei na próxima parte do estudo.
Mas, de imediato, fazendo uma análise do próprio texto do autor, posso depreender (não compreender), mas posso depreender friamente do texto coisificado da nota 2 que Avicena afirma taxativamente, na sua obra Nadjat (“A Salvação”), a unidade das quatro ciências, sob o conceito geral de “lógica”. À primeira vista posso entender que, para Avicena, a unidade das quatro ciências está na lógica e não na poética. Mas para dirimir esta dúvida se faz necessário ler o texto de Avicena, o que farei na segunda parte.
Depois o autor cita o Barão Carra de Vaux cuja obra não se encontra nas “Leituras Sugeridas”, porém, isto não desabona o livro, pois refere-se à forma e não ao conteúdo.
Sobre Sto. Tomás de Aquino o autor cita que “provavelmente tomou conhecimento através de Avicena, mas atribuindo-lhe o sentido unilateral de uma hierarquia descendente que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poético) e dando a entender que, da Tópica “para baixo”, estamos lidando apenas com progressivas formas do erro ou pelo menos do conhecimento deficiente”.
Posso depreender que a hierarquia descendente que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poética) significa isso mesmo: o mais certo é a analítica e o mais incerto é a poética. E depois o autor diz que “Isto não coincide exatamente com a concepção de Avicena nem com aquela que apresento neste livro, e que me parece ser a do próprio Aristóteles, segundo a qual não há propriamente uma hierarquia de valor entre os quatro argumentos, mas sim uma diferença de funções articuladas entre si e todas igualmente necessárias à perfeição do conhecimento”.
Ora, se a concepção de Avicena não coincide com a de Sto. Tomás de Aquino e nem com a do autor, aparentemente não estão falando da mesma coisa ou estão falando da mesma coisa, mas sob óticas diferentes. Este é um dos pontos a serem analisados profundamente. Do que cada um está falando?
Porém, como o próprio texto informa “De outro lado, é certo que Sto. Tomás, como todo Ocidente Medieval, não teve acesso ao texto da Poética. Se tivesse, seria quase impossível que visse na obra poética apenas a representação de algo “como agradável ou repugnante” (loc. cit., nº 6), sem meditar mais profundamente sobre o que diz Aristóteles quanto ao valor filosófico da poesia (Poética, 1451 a.)”.
Então vejo que, segundo o próprio autor Olavo de Carvalho, Sto. Tomás de Aquino não tinha dados e informações suficientes para atribuir uma hierarquia descendente que vai do mais certo (analítico) ao mais incerto (poética). Contudo, isto não desabona em qualquer coisa que seja. O texto é bastante claro: Sto. Tomás de Aquino não tinha conhecimento da Poética, porém, o autor colocou a Poética como último grau da hierarquia descendente baseando-se nas indagações de Sto. Tomás.
Mas posso ver na página 22 do livro: “A questão biparte-se numa investigação histórico-filológica. Não poderei, nas dimensões da presente comunicação, realizar a contento nem uma, nem a outra. Em compensação, posso indagar as razões da estranheza”.
O autor Olavo de Carvalho deixa claro que seu livro é uma comunicação feita de indagações que não são históricas, nem filológicas. Entretanto, até o momento não posso dizer que isso o qualifica positivamente ou o qualifica negativamente. Estas expressões, qualificar positivamente ou negativamente, uso-as somente como forma gramatical, pois qualificar sugere julgamento que implica em estudo e conhecimento daquilo que se está julgando, implica em umas pessoas julgando outras pessoas, mas quem estará com a razão e com a emoção, posto que a razão serve para controlar a emoção, mas uma não vive sem a outra, são indissociáveis, inseparáveis, bem como as letras e as ciências, pois o conhecimento começa com a intuição e confirma-se com as experiências.
Nas próximas partes entrarei no estudo propriamente dito.

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