sábado, 11 de julho de 2020

O Método Aristotélico


     Antes de falar sobre o método Aristotélico gostaria de esclarecer um ponto que tenho visto por aí. Alguns falam em “Lógica Aristotélica”, porém, tal expressão não é apropriada. Aristóteles falava da Analítica. Para citar somente Pinharanda Gomes, o substantivo Lógica está ausente no Organon. “O substantivo lógica é forma tardia, mais devida ao eclectismo alexandrino e romano do que ao magistério liceal.” Então, é mais apropriado falar em Analítica Aristotélica.
     Para entender melhor, posso dizer que fazemos um raciocínio analítico (um processo de análise) para chegarmos a uma conclusão e esta conclusão pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou tendo) lógica, podemos encerrar a análise ou nos aprofundarmos no tema. Em não sendo (e/ou não tendo) lógica a conclusão, devemos continuar a análise. Vemos que, além de cronologicamente na história, a lógica surge naturalmente depois da analítica posto que é impossível de se chegar a uma lógica sem antes ter feito uma análise.
     Estou falando do raciocínio do ser humano, é um processo de análise. Aristóteles conseguiu, com excelente propriedade, reproduzir no papel como funciona o raciocínio do ser humano (atrevo-me a dizer que Aristóteles conseguiu reproduzir no papel como funciona o raciocínio natural do ser humano).
     Faço uma distinção: pensamento e raciocínio. Para nosso entendimento (meu e do leitor), pensamento é o ato ou o efeito de pensar. Raciocínio é a organização dos pensamentos, a concatenação dos pensamentos (um pensamento após o outro, cada um relacionado logicamente ao anterior). E por que essa distinção é importante? É importante porque todos nascemos sabendo pensar e devemos aprender a raciocinar no decorrer da vida, senão nossos pensamentos se tornarão confusos, não teremos um raciocínio analítico e não entenderemos várias coisas na vida. Nossa mentalidade será confusa, vamos por assim dizer.
     Que fique bem claro, o raciocínio analítico não é uma fórmula mágica que se aprende para ficar inteligente, mas é um processo que, se praticado, com o tempo passa a fazer parte da mentalidade da pessoa.
     O método Aristotélico não está explícito na obra de Aristóteles, mas, de certa forma, está bem claro. Vou tomar por base algumas expressões correntes e constantes em Aristóteles. Expressões como “por exemplo”, “por outro lado” e “com efeito”. Não são as únicas, mas são as mais constantes, principalmente no Organon.
     Aristóteles sempre começa discorrendo sobre um tema e após algumas ou várias linhas utiliza-se de exemplos para clarificar o que disse anteriormente e os exemplos sempre tem uma forte relação com o dito anteriormente. E isso é óbvio, pois se o exemplo serve para clarificar alguma coisa, não poderá o exemplo ser mal formulado senão dará efeito contrário, confundirá o dito anterior. E Aristóteles, após o exemplo dado, segue discorrendo sobre o tema analisando a coisa por vários lados (por outro lado) até, geralmente, concluir ou seguir no processo. Após a expressão “com efeito” segue-se uma conclusão e esta pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou tendo) lógica pode encerrar o raciocínio ou seguir se aprofundando sobre o tema. Em não sendo (e/ou não tendo) lógica prossegue o raciocínio analítico repetindo o processo. Mas não é um processo sem fim. Ao alcançar aquilo que hoje conhecemos como “lógica” (popularmente: faz sentido) dá-se por satisfeito o processo analítico e encerra-se ele; ou continua-se por um questão de aprofundamento na análise.
     Vejam que o Organon é o instrumento que se usa para filosofar. E para filosofar utiliza-se também o raciocínio analítico. Raciocínio analítico é o processo de análise das coisas.
     Não é à toa que Aristóteles começa o primeiro tratado do Organon (Categorias ou Das Categorias) falando dos nomes das coisas - apesar de que há discussões se as Categorias é o primeiro tratado, porém, não sendo o primeiro, é o segundo, o que, para minha presente análise, dá no mesmo. Os nomes das coisas são importantes. Na maioria das vezes os nomes das coisas são convencionados, são convenções feitas pelo ser humano, bem como a língua o é. É pelos nomes (signos) que o ser humano se comunica através da linguagem falada e da linguagem escrita. Posso fazer aqui um paralelo com linguística: signo, significado e referente. O nome é um signo que tem um significado e um referente. Um signo pode ser também uma letra, um símbolo, etc. Não me deterei nessa parte, pois já discorri em outro escrito.
       Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica utiliza-se da analítica Aristotélica, a própria organização da Suma é um processo de análise em si.
     Raciocinamos na maior parte do tempo utilizando palavras (nesse sentido, nomes), grosso modo, pensamos utilizando palavras, o que é óbvio. Óbvio também é que pensamos utilizando imagens, figuras mentais, etc. Contudo, na maior parte do tempo pensamos e raciocinamos através de palavras (nomes). Por exemplo, um verbo podemos considerar como um nome. O verbo “considerar” é um nome (uma palavra) que tem um significado. Lápis é um nome (uma palavra) que tem um significado. O referente do verbo “considerar” encontramos no contexto da frase. O referente de “lápis” é o objeto físico lápis.
     Analisando-se os, aproximadamente, 600 mil verbetes da Língua Portuguesa veremos que são, em sua esmagadora maioria, conceitos subjetivos. Entenda-se aqui por “conceito subjetivo” coisas que não existem fisicamente. Por exemplo, a palavra “considerar” não existe fisicamente, mas depreendemos seu referente no contexto do enunciado, da frase, da oração, etc. A palavra “lápis” existe fisicamente, existe seu referente físico por si. Bem como temos “liberdade”, “esperança”, “acabar”, “categoria”, “entender”, “trabalho”, etc, são conceitos subjetivos. “Lápis”, “pedra”, “mesa”, “árvore”, etc, são conceitos objetivos. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, o sujeito extrai as informações do objeto físico (eu olho para um lápis e vejo seu tamanho, sua cor, etc). Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito; tem muito do sujeito, da pessoa que está analisando a coisa (não podemos saber o tamanho da Liberdade, sua cor, etc). Não me aprofundarei aqui nesses dois conceitos, pois já fiz isso em outro escrito.
     Voltando ao método Aristotélico, posso relacionar esses dois conceitos com os “nomes” (homônimos, sinônimos e parônimos) no tratado Categorias. Atualmente, isso se desdobrou gramaticalmente em outras classificações: verbos, substantivos, etc. Porém, por uma questão de raciocínio básico podemos partir desses dois pressupostos ao discorrermos e/ou analisarmos um assunto: tal palavra (signo) é um conceito objetivo ou é um conceito subjetivo?
     Não que precisemos fazer isso para todas as palavras (signos) do enunciado, mas para as palavras mais importantes do enunciado é interessante darmos uma atenção especial nesse sentido. Por exemplo, na primeira frase: “Não que precisemos fazer isso para todas as palavras (signos) do enunciado,” temos somente palavras que, isoladamente, são conceitos subjetivos, mas entendemos o referente analisando-se o conjunto. Vejam: não existe um objeto físico chamado "não", não existe um objeto físico chamado "que", não existe um objeto físico chamado "precisemos" e assim por diante.
     No enunciado: Você tem um lápis aí? Temos a palavra (signo, nome) “lápis” que é um conceito objetivo. O referente é qualquer lápis, ou seja, o lápis que o interlocutor tiver.
     Lembrando que, para o nosso estudo, coisa é tudo que há (corpóreo ou incorpóreo) tanto fisicamente quanto em pensamento; objeto é aquilo que se está estudando; sujeito é aquele que estuda o objeto. Uma coisa pode ser um objeto material ou imaterial estudado pelo sujeito.
     Coisa é tudo o que há e tudo o que existe. Tudo o que existe, para o nosso estudo, para a nossa organização de pensamento, refere-se especificamente às coisas físicas, existentes fisicamente no mundo. Porém, uma coisa que existe fisicamente também há. Então, tudo o que há e existe no mundo são coisas, mas são coisas enquanto objeto de estudo.
     “Nos sentidos, uma vaca é uma vaca. No pensamento, o conceito de vaca não é vaca nenhuma, é só um esquema mental. Mas, na imaginação, uma vaca é uma vaca ou muitas vacas, a gosto do freguês, e é também uma vaca que é todas ao mesmo tempo; e é nesta maluquice que se fundamenta a conexão entre pensamento lógico e realidade vivida” (Olavo de Carvalho, Aristóteles em Nova Perspectiva, página 50).
     Funciona mais ou menos assim: quando eu falo a palavra “vaca”, na cabeça de uns isso representará uma vaca em específico (uma vaca que, um belo dia, deu-me um coice), na cabeça de outros representará todas as vacas do mundo e na cabeça de aqueloutros representará vaca nenhuma (somente um conceito abstrato: uma vaca, e daí?).
     Lembrando Aristóteles: “Podemos combinar ou não combinar entre si as palavras, expressões ou frases” (Pinharanda Gomes, Organon, Categorias, página 44). A palavra “vaca” dita isoladamente produz o que foi dito acima. A mesma palavra dita numa frase terá um referente de acordo com o contexto. Vejamos o seguinte diálogo:
     - Vi uma vaca ontem!
     - Qual vaca?
     - Uma vaca no pasto.
     E podemos seguir o diálogo, mas acredito que já deu para entender.
     Ao discorrermos sobre um assunto ou tema utilizando o método Aristotélico podemos identificar os conceitos objetivos e subjetivos para elaborarmos os exemplos que clarificarão o dito anterior. Utilizar exemplos é opcional, mas as vezes se faz necessário e desde que o exemplo tenha forte relação com o dito anterior. Depois seguimos discorrendo analisando a coisa, assunto ou tema por todos os possíveis lados até chegarmos numa conclusão e esta pode ser (ou ter) lógica ou não e, dependendo do caso, seguimos na análise ou nos damos por satisfeitos. Por exemplo, dou-me por satisfeito neste texto. No leitor poderá surgir alguma dúvida, mas pelo contexto o leitor se vira sozinho. Analise qual palavra é um conceito objetivo e qual palavra é um conceito subjetivo. Parta daí, o resto vem por si, como a urina.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Pensamento Marxista


     A obra de Marx é uma coisa, o pensamento dele é outra coisa. Através da sua obra podemos captar seu pensamento. Isso, obviamente, acontece com todo e qualquer autor que já não se encontra mais entre nós fisicamente.
     Estabeleço aqui uma diferença: o pensamento marxista difere do pensamento de Marx. Pensamento marxista, para o devido fim deste texto, é o pensamento de outros que decorre ao ler e estudar a obra de Marx. Talvez, ao analisar o pensamento marxista - e as obras de Marx -, chegue-se ao pensamento de Marx, mas não é o objetivo deste texto.
     Ao ler O Capital de Marx podemos perceber claramente que ele não trabalha com definições, mas trabalha com “determinações”. Porém, ao mesmo tempo, em Marx não existe determinismo de espécie alguma, mas “há determinações históricas”.
     Determinação: acréscimo de características ou especificidades que limitam a extensão de um significado, de um conceito, inicialmente amplo e impreciso (Houaiss). Então vemos que “determinações” diferem de “determinismo”.
     Abro um parêntese aqui: coloquei uma definição (significado) de “determinação” para entendimento do texto. Fosse eu desdobrar o objeto “determinação” em determinações usando o pensamento marxista, o leitor não saberia do quê estou falando. Fecha parêntese.
     "Objeto" aqui é toda e qualquer coisa que se está analisando. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc.
     “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” (Florestan Fernandes citado por José Paulo Netto).
     Irei trabalhar a partir de tudo isso acima, basicamente.
     Ao ler O Capital (e outras obras de Marx) percebe-se claramente que Marx não trabalha com definições, mas com determinações. Você não encontrará definição de espécie alguma. Por exemplo, em O Capital você não encontra uma definição de capital (ou de qualquer outra coisa). Marx fala por primeiro que o capital é uma relação social, não é uma coisa, depois desdobra o capital em “determinações” e no decorrer diz que o capital pode ser moeda também (o capital nasce da moeda e depois a moeda se transforma em capital), e moeda sabemos que é uma coisa, não uma relação social; e assim Marx vai “desdobrando” infinitamente o objeto em “determinações”, vai mudando o eixo.
     Aí vemos uma das “determinações” de Marx. Ora, repito, moeda é uma coisa e anteriormente ele diz que capital é uma relação social, não é coisa. Aparentemente, Marx está dizendo o oposto, mas dentro do pensamento marxista isso parece fazer algum sentido, mas não faz.
     O enunciado “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” nos traz alguns problemas. Eu posso saturar a reprodução do objeto de determinações, mas somente quando o objeto permite isso e jamais ao infinito. Se o objeto é um objeto físico, um objeto do mundo real, chega um momento que as informações que eu extraio do objeto esgotam-se. Por exemplo, o lápis que tenho aqui. É um lápis, mas analisando-se as categorias deste lápis (extraindo essas informações dele) posso definir que é um lápis com uns 20 cm de comprimento, da cor verde, tem um bastão de grafite envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no papel. Posso continuar analisando outras categorias do lápis, mas num dado momento as informações esgotam-se. Não posso inventar ou relativizar (encontrar relações remotas ou inventar relações) para continuar desdobrando o objeto lápis, posto que o lápis é um conceito objetivo. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, objeto físico existente no mundo físico. Não irei aqui entrar em definições acerca de “conceito”, “descrição”, “definição”, etc, pois já fiz em outro texto.
     Vamos tomar outro exemplo: liberdade. É um objeto que não é físico, não é material. É um conceito subjetivo. Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito. Ao definir ou encontrar as “determinações” do objeto, tem muito do sujeito que analisa o objeto. Não existe um objeto físico chamado “liberdade” (não sabemos o tamanho, a cor, as categorias físicas), mas sabemos que existe uma coisa chamada liberdade porque podemos perceber seus efeitos e suas consequências na realidade física.
     No caso de “liberdade”, por ser um conceito subjetivo, é intrínseco que isso permite que possamos desdobrá-la em “determinações” mais do que podemos desdobrar o lápis. Mas, mesmo assim, chegará um momento no qual as tais “determinações” do conceito “liberdade” se esgotarão. Caso continuarmos desdobrando “liberdade” (ou capital) em “determinações” até o infinito, chegará um momento em que não será mais possível sabermos o que é essa tal liberdade, pois o objeto estará infinitamente saturado de “determinações”. “Infinitamente saturado” é uma expressão paradoxal. Ainda que eu não faça esse processo infinitamente, que eu desdobre o objeto até saturá-lo, um dia o objeto ficará saturado; e ficará saturado porque as informações (ou categorias, nesse sentido), esgotaram-se. Mas o problema é: como saberei o limite? E isso é mais problemático quando o objeto é um conceito subjetivo.
     Lembrando que “categorias” para Marx é uma coisa e para Aristóteles é outra e para outro autor, é outra. Apesar de serem coisas diferentes para este ou aquele autor, a definição de “categoria” carrega algumas semelhanças básicas nesses diversos autores. Lembro aqui de signo, significado e referente. Uma coisa tem um nome (nesse sentido, signo) e tem seu significado (nesse sentido, definição) e tem seu referente (nesse sentido, à que se refere). Porém, se Marx não trabalha com definições, como posso saber o que é categoria para Marx? Como posso saber à que Marx se refere quando fala de “categorias”?
     Talvez as tais determinações de Marx sejam os vários sentidos que o significado de um signo pode ter, porém, ainda assim, os sentidos de um significado de um signo são limitados.
     Aí já podemos ver outro problema nesse pensamento de não trabalhar com definições, mas somente com determinações. Nesse pensamento de desdobrar o objeto em inúmeras determinações sem ter um limite, pode-se entrar em uma confusão mental, emburrecimento.
     Mercadoria, mais-valia, etc, desafio o leitor a encontrar uma única definição de qualquer conceito básico em toda a obra marxista. Não encontrará, mas está lançado o desafio.
     Esse, vamos por assim dizer, pensamento de Marx, estendeu-se a todos os outros autores posteriores a ele (pensamento marxista). Basta perceber que o universo semântico das várias obras comunistas posteriores a Marx, são semelhantes. As expressões utilizadas são bastantes parecidas, o estilo de escrita é semelhante, ressalvadas, claro, diferenças no estilo pessoal da escrita. Mas, no geral, são semelhantes.
     Um aluno que lê e estuda Marx (ou outro autor comunista posterior a Marx) por um, dois ou mais anos, penetra nesse universo semântico e absorve o pensamento marxista por osmose. Passa a repetir as mesmas expressões e passa a desdobrar as coisas em infinitas “determinações” que, aparentemente, tem uma relação com o objeto, mas esta relação logo perde-se em uma relativização maluca porque o objeto é desdobrado natural e infinitamente e não se chega a conclusão nenhuma.
Sabemos que existem coisas na vida que tem definições e outras coisas que não tem definições. Daí precisamos saber de quais definições estamos falando. Definição gramatical ou definição do quê o objeto realmente é? Não vou entrar nesta análise agora, ficará para outro texto. Mas posso adiantar que tendo consciência de que existe essa diferenciação, é um grande passo.
     Penso eu que este método de não se trabalhar com definição nenhuma leva à loucura e ao emburrecimento maligno, por motivos óbvios. É o desdobramento infinito do pensamento: uma coisa leva a outra, que leva a outra... e assim sucessivamente num ciclo sem fim. Não foi à toa que Marx propôs a tal “Lutas de Classes”, lutas no plural, pois a luta não é somente entre as classes, mas acontece entre os indivíduos de uma mesma classe também. É a luta sem fim, ninguém mais se entende, pois vão se desdobrando os fatos e as argumentações onde ninguém chega a conclusão nenhuma. Mas têm-se as discussões infinitas onde vai se mudando de eixo na discussão e cada um pensa que tem razão, porém, não tem razão, tem “determinações”.
     E chega-se num ponto em que um dos lados DETERMINA (concentra o poder). E isto segue-se num ciclo sem fim de lutas, brigas de egos, discussões intermináveis em torno de nada, etc. Basta ver algum debate até entre marxistas sérios para perceber que não se chega a conclusão nenhuma. Cada um tem a sua própria “determinação” a respeito da obra de Marx. Acredito que é por isso que a obra comunista no mundo é incomensurável. Cada autor, após um tempo de estudo, julga-se automaticamente apto a escrever sua própria obra encontrando novas “determinações”.
     Este pensamento é perigoso, pois leva à mentira, à enganação. Chega um momento em que não se encontra mais uma “determinação” no objeto (as informações do objeto se esgotam) e passa-se a relativizar inventando determinações achando que essas determinações têm alguma relação com o objeto, mas não tem, pois foram tantos desdobramentos feitos no objeto que o sujeito (a pessoa que está analisando o objeto) já se perdeu numa confusão mental.
     Para terminar, lembro que uma “determinação” pode ser somente uma “determinação” gramatical, ou seja, após saturar o objeto não encontro mais as suas categorias reais porque suas categorias reais esgotaram-se e, automaticamente, passo a desdobrar, inventar novas “determinações” num ciclo sem fim que leva ao emburrecimento e pode levar à insanidade.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Mensagem


     Nestes tempos difíceis espero trazer uma mensagem de fé e esperança. Há tempo para tudo nesta vida e o ser humano não conhece seu tempo determinado, mas conhece o caminho dos justos.
     São numerosos os que se levantam contra nós, mas não temos medo de milhares, pois nosso exército não tem medo. Fomos forjados em aço e temos o brilho do diamante. Há tempo de guerra e tempo de paz, estamos em tempos de guerra, pois assim nos foi dito. Se um cair, outro levanta em seu lugar.
     Apliquemos o coração em todas as nossas ações, pois é do coração que vem as boas obras e não podemos mudar essas boas obras. Quem está no caminho errado ao caminho certo voltará, pois assim está determinado.
     Deus há de trazer juízo a todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.
     Estamos na presença de irmãos.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Mandado de Segurança 37.097 Alexandre de Moraes

     Trata-se de Mandado de Segurança coletivo, com pedido de liminar, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), no qual se aponta como autoridade coatora o Presidente da República, o qual, segundo se afirma, teria incorrido em ilegalidade ao editar, em 27/4/2020, o Decreto de nomeação de Alexandre Ramagem Rodrigues para exercer o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apresenta, nesta peça pregada, as alegações que fundamentam o deferimento da liminar para suspender a eficácia do Decreto de 27/4/2020 (DOU de 28/4/2020, Seção 2, p. 1) no que se refere à nomeação e posse de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro, de início, apresenta o relatório do Mandado de Segurança impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no qual requer a concessão de medida liminar para suspender a eficácia da nomeação do senhor Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal. Neste relatório o Ministro destaca expressões coloquiais do Presidente da República, mensagens divulgadas por programa televisivo, assevera que a probabilidade de que a supervisão da direção da Polícia Federal diretamente pelo Presidente da República – que, como explicado, é um desvio de finalidade por excelência –, mediante ‘relatórios de inteligência’, transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão e, Destaca, ainda, por fim, que “do ponto de vista do pressuposto subjetivo da impetração, o direito líquido e certo que reclama proteção jurisdicional consiste na moralidade administrativa em sentido estrito (CF, art. 5º, LXXIII e 37, caput), que é interesse juridicamente tutelado, mas de caráter transindividual, difuso entre os titulares de direitos políticos (cidadania)” e requer a liminar.
     Depois, na parte inicial da decisão, o Ministro, nas páginas 3, 4 e 5 decide que o partido requerente, portanto, possui plena legitimidade ativa para a propositura do presente mandado de segurança coletivo e passa à análise da medida liminar pleiteada.
     Ainda na página 5, o Ministro trata do Presidencialismo e da separação dos Poderes a fim de manterem-se a independência e a harmonia dos Poderes da República e nomeia vários autores, dentre os quais destaco MIRKINE GUETZÉVITCH, pois este o Ministro trouxe uma citação à qual transcrevo abaixo:

“o executivo forte, o executivo criador, o executivo poderoso é a necessidade técnica da democracia”, porém “o exercício irresponsável, o executivo pessoal, é a ditadura” (As novas tendências do direito constitucional. São Paulo: Nacional, 1933. p. 312).

     Neste momento posso perguntar: por que exatamente esta citação - e não outra -, o Ministro pregou na sua peça?
     Lembremos que, no relatório, um dos destaques foi “desvio de finalidade por excelência... transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão”.
     Depois o Ministro segue discorrendo sobre a “Constituição equilibrada” e, após, fala da escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, “o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito” (L’Etat de droit. Paris: Montchrestien, 1992. p. 12).
     Depois ele fala que “A Constituição da República de 1988, ao constitucionalizar os princípios e os preceitos básicos da Administração Pública, permitiu um alargamento da função jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários, consagrando a possibilidade de revisão judicial.” Aqui o Ministro dá uma no prego e, logo após, dá outra na ferradura:
     “Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.”
     E segue nessa toada, dando uma no prego e outra na ferradura, como veremos.
     Depois o Ministro fala dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade e nomeia outros autores, mas traz a citação da seguinte autora, à qual transcrevo abaixo com o parágrafo do Ministro:
     “O Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringirá ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, devendo entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, em fiel observância ao “senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das Instituições”, como ensinado por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

“não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir (...) ; (se) o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade” (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111).”

     Guardemos esta citação, pois a utilizaremos mais adiante.
     Depois o Ministro Alexandre, cita o Ministro Marco Aurélio ao lembrar que:

O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César” (RE 160.381/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 12/8/1994).

     É interessante esta citação. À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Ao agente público não basta ser honesto, deve parecer honesto.
     Ora, se o agente público é honesto, obviamente ele não precisa parecer honesto, pois ele não precisa demonstrar que possui tal qualidade: ele É honesto. Não vejo como alguém pode ter uma qualidade e não parecer ter esta qualidade. A não ser que estamos falando de vícios, defeitos. Aí sim, o agente público que não é honesto, obviamente fingirá que é honesto, mas no curso das coisas se perceberá sua desonestidade, pois ninguém consegue enganar a todos por muito tempo. Então, este provérbio da mulher de César vale somente para os desonestos, para os que fingem ter uma qualidade que não possuem.
     Depois o Sinistro Alexandre, com base no provérbio citado pelo Sinistro Marco Aurélio, diz que “O Poder Judiciário, portanto, deverá exercer o juízo de verificação de exatidão do exercício da discricionariedade administrativa perante os princípios da administração pública (CF, art. 37, caput), verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica do ato administrativo com os fatos.”
     Eu, particularmente, não vejo coerência lógica em colocar numa decisão de um Ministro do STF um provérbio que fala de desonestidade.
     Logo após, o Ministro coloca: “Se ausente a coerência, o ato administrativo estará viciado por infringência ao ordenamento jurídico...”
     Depois o Ministro salienta CANOTILHO e VITAL MOREIRA trazendo a Constituição da República Portuguesa:

“como toda a actividade pública, a Administração está subordinada à Constituição. O princípio da constitucionalidade da administração não é outra coisa senão a aplicação, no âmbito administrativo, do princípio geral da constitucionalidade dos actos do Estado: todos os poderes e órgãos do Estado (em sentido amplo) estão submetidos às normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição” (Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 922).

     E faz um elo com a Constituição Brasileira e fala do poder discricionário que o órgão administrativo se utiliza para atingir fim diverso daquele que a lei fixou.
     E daí o Ministro destaca CELSO BASTOS:

“Então, ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada” (Curso de direito administrativo. Saraiva, 1994. p. 338).

     A partir da citação acima o Ministro começa a mostrar o porquê de o Poder Judiciário, no caso em tela representado pelo Ministro, pode anular atos administrativos. E conclui:
     “O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional, pois a opção conveniente e oportuna para a edição do ato administrativo presidencial deve ser feita legal, moral e impessoalmente pelo Presidente da República, podendo sua constitucionalidade ser apreciada pelo Poder Judiciário, pois na sempre oportuna lembrança de ROSCOE POUND,

“a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto” (Liberdade e garantias constitucionais. Ibrasa: São Paulo, 1976, p. 83).”

     Ora, se a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto, então o Ministro Alexandre deveria primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas vamos adiante.
     Então o Ministro passa a analisar os fatos narrados onde, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Na análise dos fatos narrados o Ministro nos traz uma declaração da entrevista coletiva de Sérgio Fernando Moro e uma declaração do Presidente da República.
     Em virtude dessas declarações foi requerida a instauração de inquérito por parte do Procurador-Geral da República para averiguação dos fatos.
     Depois, o Ministro alega que em matéria do telejornal conhecido como “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi divulgada conversa entre o ex-Ministro Sérgio Moro e o Presidente da República, ocorrida no dia 23/4/2020, pelo aplicativo Whatsapp, que, em tese, indicaria a insatisfação presidencial com a existência de um inquérito no SUPREMO TRIBUINAL FEDERAL como uma das razões para a troca da direção da Polícia Federal.
     Igualmente, houve a divulgação de conversa ocorrida no mesmo dia e pelo mesmo aplicativo, em que a Deputada Federal Carla Zambelli pede que o ex-Ministro Sérgio Moro aceite a nomeação do Delegado Federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal.
     Depois o Ministro traz somente uma parte das conversas de Whatsapp entre Moro e a Deputada Federal Carla Zambelli, provavelmente na intenção de embasar melhor sua peça decisória:

“Por favor, ministro, aceite o Ramagem. E vá em setembro pro STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer JB prometer”.

     Com a seguinte resposta do ex-Ministro Sérgio Moro:

“Prezada, eu não estou a venda”

     Então o Ministro Alexandre destaca que o Ministro CELSO DE MELLO, após detalhada análise, entendeu plausíveis os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral da República e determinou a instauração do inquérito requerido anteriormente.
     E encerrou deferindo a liminar pleiteada.
     Vemos que o próprio Ministro complementou e embasou o pedido do PDT fornecendo razões legais para deferir a liminar. A Petição Inicial nº 25797/2020 do PDT, o tal Mandado de Segurança alega que: “Não obstante, há prova pré-constituída de que as verdadeiras intenções da Autoridade Coatora são diversas que a da respectiva regra de competência” (pg. 7). E depois elenca as tais provas pré-constituídas que são somente as declarações do Sérgio Moro e as declarações do Presidente, mais nada.
     Depois, a mesma petição, traz, à guisa de ilustração, uma conversa entre Joice Hasselman e Rui Falcão na CPMI das “fake News” que são somente isso: ilustração, fofocas.
     Bom, em sendo as “provas pré-constituídas” (e aceitas pelo Ministro Alexandre de Moares) somente as declarações e conversas de zap-zap, o Ministro Alexandre deveria, obrigatoriamente, primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas não, o Ministro utilizou-se do deferimento do inquérito como embasamento de sua decisão. Colocou a carroça na frente dos bois.
     E como as provas pré-constituídas da petição inicial são somente declarações de pessoas, por essas declarações não há como, sem uma investigação, saber da intenção de cada um.
     Recordo agora a citação de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade.”
     Aliás, na petição inicial do PDT, tal autora está citada também.
     Como as tais provas pré-constituídas são as conversas e declarações, vemos que, na decisão do Ministro Alexandre está a seguinte declaração do Presidente da República:

Sempre falei para ele: “Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”.

     Vemos claramente que o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal, ou seja, o Presidente estava seguindo a cadeia hierárquica normal e constituída. E como não é preciso penetrar na intenção do agente, está bem claro que o pedido dos relatórios foi feito ao então Ministro Moro, mas quem sofreu as consequências da lamentável e ilegal liminar concedida pelo Ministro Alexandre foi o Delegado Ramagem.
     O artigo 1º, caput,  da Lei 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança) diz que: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
     Direito líquido e certo de quem o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes estão protegendo?
     Do Delegado Alexandre Ramagem é que não é, pois ele saiu prejudicado.
     E o Art. 5º, caput e inciso I, da mesma Lei, diz: “Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I- de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;”
     As alegações de interferência política e ideológica feitas pelo PDT e corroboradas pelo Ministro Alexandre de Moraes não existem. Ao contrário, quem fez tais interferências foram o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes, pois como eles mesmos confirmam, a competência de nomear o Diretor-Geral da Polícia Federal é do Presidente da República e, repito, o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal.
     A petição inicial impetrada pelo PDT e a decisão do Ministro Alexandre de Moraes são meros panfletos políticos e ideológicos em todo o seu teor, não são peças jurídicas.


Referências
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/F1E71DD48D0301_MS-Inicial(1).pdf

http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442298

sábado, 18 de abril de 2020

Método Laubach ou Método Paulo Freire?

RESUMO
O presente artigo tem por escopo, entre outras coisas, analisar o conteúdo do artigo Método Paulo Freire ou Método Laubach?, do historiador David Gueiros Vieira, no qual o mesmo levanta a hipótese de que o educador Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira, teria plagiado seu método do professor norte-americano Frank Charles Laubach. Para tanto, iniciei comparando as informações contidas no artigo do historiador com as informações de duas biografias oficiais de Paulo Freire mostrando as discrepâncias entre as mesmas. Em seguida busquei na Hemeroteca Digital Brasileira (Biblioteca Nacional) notícias em periódicos da época entre 1940 e 1949 para comprovar ou discordar das informações do artigo. As buscas referem-se à época e ao tempo de permanência de Frank. C. Laubach em território brasileiro e à análise das informações contidas. O presente estudo concentrou-se no artigo que originou a alegação de plágio inculcando a ideia de que Paulo Freire teria feito uma cópia do método do professor Laubach, sendo este artigo utilizado como uma das referências no livro Desconstruindo Paulo Freire e no Projeto Escola sem Partido que tramita na Câmara Federal. Após a análise, concluí que não há provas do referido plágio como alegado no artigo.
Palavras-chave: Paulo Freire, Laubach, Método.


Introdução
O artigo do historiador David Gueiros Vieira Método Paulo Freire ou Método Laubach?, publicado em 09 de março de 2004, aborda a hipótese de que Paulo Freire teria elaborado uma artimanha que pegou e o método que hoje é conhecido como Método Paulo Freire foi apadrinhado por toda a esquerda, nacional e internacional, inclusive pela ONU e é nada mais do que uma cópia do Método Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente.
David Gueiros Vieira é PHD em História da América Latina, Mestre em história dos Estados Unidos da América, conferencista e um dos maiores especialistas brasileiros em História da Questão Religiosa do Brasil segundo o site do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC) da Coordenação Fortaleza (Fortaleza-CE), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e faleceu em 30 de novembro de 2017 aos 88 anos.
Seu artigo ganhou popularidade no Brasil, principalmente na internet, sendo usado atualmente como uma das referências no Livro Desconstruindo Paulo Freire (p. 115) e no Projeto Escola sem Partido que tramita na Câmara Federal.
O texto abaixo é apenas uma parte e foi publicado originalmente no site Mídia sem Máscara (www.midiasemascara.org/) que está fora do ar ou não existe mais.
O artigo completo pode ser encontrado na internet e no acervo do Instituto Paulo Freire no link:


Naquele ano, de 1943, o Sr. Paulo Freire já era diretor do Sesi, de Pernambuco — assim ele afirma em sua autobiografia — encarregado dos programas de educação daquela entidade. No entanto, nessa mesma autobiografia, ele jamais confessa ter tomado conhecimento da visita do educador Laubach a Pernambuco. Ora, ignorar tal visita seria uma impossibilidade, considerando-se o tratamento VIP que fora dado àquele educador norte-americano, pelas autoridades brasileiras, bem como pela imprensa e pelo rádio, não havendo ainda televisão. Concomitante e subitamente, começaram a aparecer em Pernambuco cartilhas semelhantes às de Laubach, porém com teor filosófico totalmente diferente. As de Laubach, de cunho cristão, davam ênfase à cidadania, à paz social, à ética pessoal, ao cristianismo e à existência de Deus. As novas cartilhas, utilizando idêntica metodologia, davam ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a conscientização das massas à sua “condição de oprimidas”. O autor dessas outras cartilhas era o genial Sr. Paulo Freire, diretor do Sesi, que emprestou seu nome à essa “nova metodologia” — da utilização de retratos e palavras na alfabetização de adultos — como se a mesma fosse da sua autoria. Tais cartilhas foram de imediato adotadas pelo movimento estudantil marxista, para a promulgação da revolução entre as massas analfabetas. A artimanha do Sr. Paulo Freire “pegou”, e esse método é hoje chamado Método Paulo Freire, tendo o mesmo sido apadrinhado por toda a esquerda, nacional e internacional, inclusive pela ONU (VIEIRA, 2004).

Biografias
Ao analisar o texto completo, principalmente no que concerne à biografia de Paulo Freire, pois segundo consta no artigo, o missionário Frank Charles Laubach (1884-1970) visitou o Brasil em 1943 e o autor cita que, segundo a autobiografia do próprio Paulo Freire, ele, neste ano, era diretor do SESI de Pernambuco:
 No entanto, nessa mesma autobiografia, ele jamais confessa ter tomado conhecimento da visita do educador Laubach a Pernambuco. Ora, ignorar tal visita seria uma impossibilidade, considerando-se o tratamento VIP que fora dado àquele educador norte-americano, pelas autoridades brasileiras, bem como pela imprensa e pelo rádio, não havendo ainda televisão.

Na bibliografia do artigo de Vieira não consta a citada autobiografia de Paulo Freire e também não consta o livro Paulo Freire, uma Biobibliografia (GADOTTI et al., 1996), publicado em 1996.
No livro Paulo Freire, uma Biobibliografia (GADOTTI et al., 1996) encontra-se que Paulo Freire nasceu em Recife, PE, em 19 de setembro de 1921 (p. 28), sendo que faleceu em 2 de maio de 1997. Paulo Freire em 1943 tinha, então, 22 anos de idade. Na mesma obra consta que Freire ingressou aos 22 anos de idade na secular Faculdade de Direito do Recife e casou-se, em 1944, antes de concluir seus estudos universitários, com a professora Elza Maria Costa Oliveira. Consta ainda que Freire ocupou o cargo de Diretor do setor de Educação e Cultura do SESI de 1947 a 1954 e foi Superintendente do mesmo de 1954 a 1957 (p. 33).
        No livro Paulo Freire, uma História de Vida (FREIRE, 2017), publicado originalmente em 2005 (um ano depois do artigo de Vieira), livro este que ganhou o 2º lugar do Prêmio Jabuti 2007 na categoria Biografia, de Ana Maria Araújo Freire, viúva de Paulo Freire, sua segunda esposa, consta que Freire ingressou como aluno no Colégio Oswaldo Cruz (COC) em Recife no ano de 1937 (p. 57) e de 1939 a 1941 atuou como auxiliar de disciplina e em 1941 foi promovido para professor de língua portuguesa tendo lecionado no COC até 1947 (p. 67). Então em 1943 Paulo Freire estava no COC, ano em que ingressou na Faculdade de Direito de Recife e ficou até 1947:
Paulo começou a trabalhar no SESI-PE em 01 de agosto de 1947 [tinha então 25 anos], como assistente da Divisão de Divulgação, Educação e Cultura, nomeado pela Portaria n. 20, de 17/7/1947, assinada por Cid Feijó Sampaio, diretor do Departamento Regional do SESI, de acordo com a Portaria n. 113 do então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Art. 22, alínea h, de 20/7/1946, devendo perceber um salário mensal de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros). Nesse mesmo ano, quando completou a graduação em bacharel em Direito, Paulo foi promovido a diretor da Divisão de Educação e Cultura, através da Portaria n. 43, de 19/11/1947, assinada pelo mesmo diretor do Departamento Regional do SESI, de acordo com o Regulamento do SESI, Art. 22, alínea h, aprovado pela Portaria do MTIC, n. 113, de 20/7/1946, com o salário mensal de Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros) (pp. 71-72).


        Lembrando que a visita do missionário Frank Charles Laubach ocorreu em 1943 e que o método Paulo Freire ficou conhecido em 1963 por ocasião das 40 horas de Angicos.
       Temos aí um hiato de 20 anos entre a visita de Frank C. Laubach e a implementação do Método Paulo Freire.


Periódicos
Para solucionar o problema de datas ocasionado pelo artigo do historiador David G. Vieira, recorri ao site da Biblioteca Nacional Digital do Brasil da Fundação Biblioteca Nacional, fundação pública vinculada ao Ministério da Cultura. A Biblioteca Nacional (BN) é o órgão responsável pela execução da política governamental de captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do Brasil, órgão este com mais de 200 anos de história, é a mais antiga instituição cultural brasileira. A BN se caracteriza como uma biblioteca nacional por:
•    ser beneficiária do instituto do Depósito Legal;
    elaborar e divulgar a bibliografia brasileira corrente, através dos Catálogos online;
   ser o centro nacional de permuta bibliográfica, com campo de ação internacional.
         Temos duas formas de acesso ao site da Biblioteca Nacional Digital:

 1 - http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

        Optei pelo link 1 por apresentar resultados mais completos.
Ao acessar o site da Hemeroteca Digital Brasileira efetuei a pesquisa na aba Período com os parâmetros Período: 1940-1949; Local: Todos; Periódicos: Todos; e Termo de pesquisa: Laubach; como podemos ver na figura abaixo:

Figura 1. Tela de Pesquisa 1

                                                                      Fonte: O Autor (2018).

        A pesquisa retornou 61 ocorrências com o termo Laubach na consulta em 275 acervos e 4.278.858 páginas:

Figura 2. Tela de Resultados 1

Fonte: O Autor (2018).


Figura 3. Tela de Resultados 2
Fonte: O Autor (2018).


As 61 ocorrências, como podemos ver na parte de cima da figura 2 ao lado do botão Pesquisar em azul, estão distribuídas em 20 jornais (figuras 2 e 3): 12 do Rio de Janeiro, 1 de Pernambuco, 2 do Maranhão, 1 do Rio Grande do Sul, 1 da França, 1 de São Paulo, 1 do Rio Grande do Norte e 1 de Minas Gerais. Dessas 61 ocorrências, 58 tratam do professor Fank Charles Laubach e as outras 3 são casos de homônimos não tendo relação com o presente estudo.

Em análise prévia das 58 ocorrências, selecionei aquelas que tem relação direta com presente estudo.
        Pesquisando nos resultados retornados encontrei a mesma notícia em 3 jornais: A MANHÃ (RJ), JORNAL DO BRASIL (RJ) e GAZETA DE NOTÍCIAS (RJ), neste último, edição 00055(1), datada de 6 de março de 1943, ocorrência 2, página 2, a notícia abaixo:

                                                                          Figura 4. Notícia 1


Fonte: Gazeta de Notícias (RJ), Hemeroteca Digital Brasileira (2018).


O Brasil poderá abrigar 900 milhões de habitantes
Novo método de alfabetização - Seu emprego em grande escala no nosso país
O Dr. Frank C. Laubach, representante do “Comitê para a Alfabetização do Mundo”, de Nova York, que acaba de regressar ao seu país, depois de uma permanência de mais de dois meses no Brasil (o grifo é meu), visitou também a Colômbia, o Equador, o Peru e a Bolívia, procurando introduzir o seu “Método Chave” destinado à alfabetização de adultos onde obteve os melhores resultados”.

Então vemos que Laubach permaneceu de dois a três meses no Brasil em 1943.
Depois a notícia segue trazendo informações sobre seu método e sua aplicação no Brasil, entre outras coisas:

“Esse método é tão fácil que qualquer pessoa pode ensinar a outra sem ter necessidade de um treinamento especial. Em português, esse método consta de 12 lições, cada uma das quais exige de 20 a 30 minutos de estudo. Dessa forma o professor precisa apenas dedicar umas 6 horas de ensino real a seus alunos, pois o estudante poderá completar o resto por si mesmo. Os professores voluntários deverão ensinar apenas a um aluno de cada vez.
O governo brasileiro - declarou o dr. Laubach - experimentará esse novo método até obter resultados práticos de suas possibilidades de êxito, empreendendo então uma campanha em grande escala para sua divulgação. Todas as pessoas alfabetizadas terão exortadas a cumprir o dever patriótico de “dedicar 6 horas ao Brasil”. Se esse apelo for correspondido na amplitude que é de esperar, dentro de 2 anos não haverá mais analfabetos no Brasil. [...]
O tempo de aprendizagem depende em grande parte do número de letras de cada alfabeto. No caso de idiomas em que o alfabeto tem poucas letras como acontece na Malásia e no Havaii, a aprendizagem pode ser feita num único dia. Na Espanha e em Portugal, um aluno inteligente pode aprender a ler todas as letras de seu vocabulário comum em apenas uma semana ou 10 dias. Os adultos conhecem em média 5.000 palavras, enquanto as crianças conhecem apenas umas 600 ou 700.
Eis a razão pela qual os adultos podem aprender mais rapidamente. [...]
        Não posso deixar de consignar também minha profunda admiração pela maneira como o Brasil conseguiu resolver o seu problema racial. As raças aqui se misturam sem nenhum preconceito, como nunca vi em parte nenhuma do mundo. Domina aqui também um espírito de bondade e caridade que excede o de qualquer outro país. Se há no mundo um país que se pode considerar um verdadeiro paraíso - esse país é o Brasil. Exceto para os analfabetos, mas acredito que esse problema fundamental estará dentro em breve resolvido”.

A notícia acima, aparentemente, não tem o nome do autor. Procurei o expediente nos jornais para averiguar se encontrava o nome dos autores das notícias, mas não logrei êxito em encontrar o expediente. Como o nome do autor da notícia não se faz tão necessário para o presente estudo, não me aprofundei nesta busca, pois o que interessa é o tempo de permanência de Laubach no Brasil.
Conforme apurei - e tais dados podem ser facilmente verificados por outros pesquisadores - o Dr. Laubach esteve no brasil em 1943 permanecendo aqui por mais de dois meses, de março até maio, aproximadamente, sendo que nesta época Paulo Freire tinha 22 anos de idade, trabalhava como professor de língua portuguesa no Colégio Oswaldo Cruz (COC) em Recife e ingressava na Faculdade de Direito de Recife onde ficou até 1947.
Não encontrei a autobiografia de Paulo Freire citada pelo historiador David G. Vieira onde ele afirma que Freire declarou que em 1943 já era diretor do SESI de Pernambuco. Contudo, mesmo que Freire tivesse afirmado isso, os documentos aqui citados não comprovam o fato, pois Freire ocupou o cargo de Diretor do setor de Educação e Cultura do SESI de 1947 a 1954 e foi Superintendente do mesmo de 1954 a 1957.
Lembrando que Paulo Freire ganhou notoriedade com seu método em janeiro do ano de 1963 no fato conhecido como As 40 horas de Angicos, porém, em 1960 Freire já realizava trabalhos com educação fazendo parte do Movimento de Cultura Popular (MCP) como um de seus líderes mais atuantes dirigindo a Divisão de Pesquisas. O método utilizado pelo MCP era diferente do Método que viria a ser conhecido como Método Paulo Freire, pois aquele utilizava-se bastante de cartilhas e este, como se sabe, não enfatizava o uso de cartilhas, além do que, o método do MCP era estruturalmente diferente do Método Paulo Freire.
No tocante à questão do plágio sugerido pelo historiador David G. Vieira posso adiantar que esta é uma questão difícil de aventar, pois, como veremos abaixo, na época foi levantada a hipótese de o próprio Frank Laubach ter plagiado seu método do professor brasileiro Ribeiro Campos.
        Na edição de 26 de fevereiro de 1947, edição 00046(1), página 6, ocorrência 4, do JORNAL DO BRASIL (RJ), assinada pela mesma inicial F., na coluna Educação e ensino com o título Um ensina ao outro, no trecho que interessa ao presente estudo vemos o seguinte:
“Há no método de Laubach dois pontos essenciais: o didático, que combina estampas e palavras para inocular a faculdade de ler nos mais rudes analfabetos e o propriamente pedagógico, que confere a qualquer indivíduo, apenas alfabetizado, o encargo de inculcar aos outros o segredo de sua libertação. Este último, confessa Laubach a um repórter de Seleções, não foi invenção sua, mas lhe foi sugerido por um cacique alfabetizado das Filipinas, que, contaminado pelo missionário, lhe oferecera esta receita infalível: “Todo aquele que já está alfabetizado terá que ensinar a outro que não o esteja. E quem não fizer isto, mando matar”. O nome deste truculento alfabetizador não ficou perpetuado na história, mas o seu método, logo endossado por Laubach, ficou conhecido pelo dístico: “Um ensina ao outro” e diz o repórter “que desde então se espalhou pelo mundo”.
A educação deste evangelizador atingiu o próprio coração do Mahatma Gandhi. “Eu não considero o analfabetismo o problema magno da Índia; o problema econômico é o mais premente”, dissera-lhe, em um ... [palavra ilegível] de bom senso, esse profeta singular. Mas floreteando com astúcia, seu interlocutor objetivou-lhe que, se ele Gandhi fosse analfabeto, milhões de criaturas que o admiram jamais teriam ouvido falar dele. “Eu me vi atrapalhado por um momento, confessa o Dr. Laubach, mas subitamente uma resposta perfeita me pareceu vir do céu. O Sr. tem razão, Sr. Gandhi, disse-lhe eu, mas se, porventura o Sr. fosse analfabeto e não tivesse escrito livros tão valiosos e também nós não os soubessemos ler, milhões de criaturas que o admiram jamais teriam ouvido falar do senhor”. Colocado em face da possibilidade dessa catástrofe, Gandhi capitulou e, em breve, entrou no combate ao analfabetismo, dizendo: “Se cada um que aprender tomar a seu cargo ensinar a um ignorante, em pouco tempo poderemos alfabetizar toda a Índia”. E assim, sob os auspícios dessa figura tão mundialmente famosa, adquiriu novo prestígio o processo do cacique filipino de ‘Um ensina ao outro’”.

        No total são sete escritos na coluna Educação e Ensino, assinadas pelo mesmo F. Não irei transcrevê-las todas, mas a transcrição do trecho abaixo da edição 00049(1), datada de 01 de março de 1947, ocorrência 5, página 10, do mesmo JORNAL DO BRASIL (RJ), com o título O Método Laubach, também é pertinente ao estudo:
“Confundir os propósitos dessa campanha com os objetivos confessados de Laubach, é estabelecer uma tremenda confusão, que perturbará toda gente. Laubach nada inventou, afinal. Seu sistema de combinar estampas e palavras para facilitar a aprendizagem da leitura é um dos mais antigos que se conhecem. E nossos livros didáticos infantis sempre o usaram. Sabe-se também que, para ensinar a ler rapidamente, sobretudo a indivíduos isolados, todo processo é bom, até mesmo o da soletração, que era usado geralmente no Brasil até o século passado. O que faz simpatizar com Laubach é o seu ardor missionário, que o leva a peregrinar pelo mundo, procurando tornar possível a criação simples e legível de alfabetos, em países em que não havia nenhuma noção de uma linguagem escrita. Fora daí, todo o seu esfôrço é perdido. Ao seu processo pode se equiparar o do Professor patrício Ribeiro de Campos, que adota os mesmos recursos para os mesmos objetivos. E tão semelhantes são os dois processos (e tão fúteis e pouco originais), que Laubach está sendo acusado, insistentemente, de haver plagiado o Professor Ribeiro, quando o mais provável é que nunca tenha ouvido falar dele, nem de sua pedagogia brachipedeutica”.

        Com relação ao trecho da coluna transcrito acima encontrei na edição 12484(1), ocorrência 3, página 2, do jornal A NOITE (RJ), datada de 05 de fevereiro de 1947:

Figura 5. Notícia 2
 


Fonte: A Noite (RJ), Hemeroteca Digital Brasileira (2018).

O AMERICANO TERIA PLAGIADO O MÉTODO PEDAGÓGICO DO PROFESSOR BRASILEIRO
Fala a A NOITE o Sr. Ribeiro de Campos, inventor do sistema Brachypedêutico - Como alfabetizar os adultos - Observações à margem da campanha promovida pelo Ministério da Educação
Às vésperas da execução do Plano de Educação para Adultos, falou a A NOITE o Sr. B. Ribeiro de Campos que foi diretor da extinta “Campanha Pró Alfabetização do Brasil”, cuja finalidade era criar escolas para adultos.
Imitação Servil
- É certo que seu método de ensino - o Brachypedêutico - está sendo plagiado por um missionário americano?
- De fato. No número de dezembro de 1944, as Seleções do Reader’s Digest trazem, como seu primeiro artigo, a entrevista com o missionário Dr. Fank C. Laubach, que faz uma cópia fiel de algumas lições do meu livro “Como aprender a Ler e a Escrever” que foi publicado em 1937. Até mesmo as recomendações que faço ao professor são copiadas quase com as mesmas palavras, alterada apenas a ordem.

- Que pretende?
- Pretendo dar à publicidade a 2ª edição da referida obra, revista e melhorada, certo de que irá desempenhar o papel que o jornalista americano Mc Evoy previu, referindo-se ao missionário Laubach”.


            Em 6 de fevereiro de 1945 (dois anos antes das duas notícias anteriores), na edição 07601(1), página 9, do jornal O JORNAL (RJ), a notícia “Alfabetização ao fim de dezesseis lições” já falava de plágio do método brasileiro do professor Ribeiro Campos (nas notícias o nome do professor está grafado de duas maneiras, Ribeiro Campos e Ribeiro de Campos):


PLÁGIO DE UM MÉTODO BRASILEIRO
            Mas é que entre nós já existe um método racional de alfabetização, cujo autor se sente plagiado pelo dr. Laubach no princípio fundamental de seu método, que é o da supressão da memória e a substituição desta pelo uso de um dos aspectos da imaginação. Nesta base científica o professor Ribeiro de Campos, doutor em filosofia e letras pela Faculdade de S. Bento (São Paulo), elaborou em 1928 um sistema de racionalização do ensino, ao qual ele chamou de “Pedagogia Brachypedêutica”, que quer dizer - ensino breve.

        Muitos alunos não apresentam os progressos que devem apresentar, mais por falta de preparação didática dos professores do que por sua incapacidade psicológica - diz-nos o autor do método nacional. Édison, o gênio das invenções, foi, quando criança, expulso da escola que frequentava porque, dizia o professor, era supinamente estúpido. Os motivos de fracasso (fora os casos de anomalia) são, portanto, de ordem patológica ou pedagógica. Partindo desse princípio, observado ao vivo em duas de suas sobrinhas aparentemente retardadas, aquele professor voltou-se para os estudos de psicologia e pedagogia infantis e conjugou mais intimamente os dois aspectos do ensino: o fator método e o fator psicológico. E, seu método, o ensino é ministrado pelo aspecto objetivo, que facilita a matéria dentro da própria matéria; pelo aspecto psicológico, que facilita a matéria em face do aluno e pelo sistema de imagens para substituir a memória, cujo emprego tanto se verifica nos métodos comuns, principalmente pelo estudo pessoal do aluno fora da classe.         Na orientação braquipedêutica, esse estudo é dispensado em virtude de um dos aspectos da imaginação que compreende as percepções auditivas, percepções visuais e modificações anátomo-fisiológicas do aparelho de fonação com as respectivas imagens.

Trata-se justamente do processo que o dr. Laubach adotou. O educador brasileiro, porém, está tranquilo. Acha que apenas 5% de seu sistema teria sido imitado e até se orgulha que com tão pouco o missionário americano, ou seu articulista, possam curar o mundo do analfabetismo assim tão rapidamente. Mas não lhe consta que exista em língua portuguesa, a não ser o livro de sua autoria publicado em 1935, outro trabalho ... [palavra ilegível] dentro do seu sistema. Por outro lado, estranha a velocidade do suposto método de Laubach, porque 16 lições não chegam a representar a mínima parte dos fonemas necessários à alfabetização em língua portuguesa ou em língua espanhola. E muito menos lições de cinco minutos. Duvida também o professor Ribeiro Campos daquela concepção de Gandhi, segundo a qual o líder político e intelectual da Índia relega a plano secundário o analfabetismo de seus concidadãos. Também lhe parece gratuita a afirmação de que a Índia tenha 225 línguas, quando nem o mundo inteiro atinja a esse número”.

Plágio
            O plágio trata-se de uma questão de ética e de uma questão jurídica. Segundo Galuppo, 2011:

Podemos definir o plágio como cópia dissimulada da forma de obra exteriorizada de terceiro com o intuito de passar-se por seu autor. Duas consequências decorrem dessa definição. Em primeiro lugar, o que a lei de direitos autorais protege é a forma da obra, e não a ideia nela contida (art. 8º, inciso I da lei 9.610/1998). Em segundo lugar, o que caracteriza o plágio não é a identidade objetiva entre os textos (que caracterizaria a apropriação de obra alheia), mas a simples intenção subjetiva de copiar. Sobre o primeiro aspecto, e no caso de textos científicos, a lei é clara, afirmando: “No domínio da ciência, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial” (§ 3º do art. 7º da lei 9.610/1998). Também estão excluídas da proteção jurídica “a citação (...) de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando se o nome do autor e origem das palavras (art. 46, III da lei 9.610/1998) e as “paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito” (art. 47 da mesma lei) (GALLUPO, 2008).


Como pudemos ver, o que a lei de direitos autorais protege é a forma da obra, e não a ideia nela contida. Mas não obstante as questões legais, até por causa da época em que, supostamente, ocorreu o plágio do método de Laubach, a questão principal é a questão ética.
Booth et al. Elencam alguns princípios éticos:
           Os pesquisadores éticos não roubam, plagiando ou reivindicando os resultados de outros.
           Não mentem, adulterando informações das fontes ou inventando resultados.
           Não destroem fontes nem dados, pensando nos que virão depois deles.
   Outros princípios da ética da pesquisa são menos óbvios, mas implícitos:
           Pesquisadores responsáveis não apresentam dados cuja exatidão têm motivos para questionar.
           Não encobrem objeções que não podem refutar.
           Não ridicularizam os pesquisadores que têm pontos de vista contrários aos seus, nem deliberadamente apresentam esses pontos de vista de um modo que aqueles pesquisadores rejeitariam.
           Não redigem seus relatórios de modo a dificultar propositalmente a compreensão dos leitores, nem simplificam demais o que é legitimamente complexo (BOOTH et al. 2008, p. 326).
Ainda conforme Booth et al.:
Mais desafiadoras, no entanto, são aquelas ocasiões em que os princípios éticos nos levam além de proibições e exigem que ajamos com espírito de colaboração. Muitos filósofos têm afirmado que o problema ético essencial não reside apenas em evitar a violação de obrigações em relação aos outros, mas, sim, em nos unirmos a eles com um projeto mútuo de desenvolver o que os gregos chamavam de ethos, ou caráter. Ao pensarmos nas escolhas éticas dessa maneira, como uma construção mútua do ethos, já não enfrentamos mais uma escolha simples entre nossos próprios interesses e os interesses dos outros, mas o desafio de encontrar um outro caminho que seja bom para ambos (BOOTH et al., 2008, pp. 326-327).


       E essa escolha ética vale tanto para quem comete plágio quanto para quem acusa. Acusar alguém de um crime tipificado em lei sem ter provas da sua acusação, antes da questão jurídica, tem a questão ética. Faz-se necessário colher as provas através de um trabalho de pesquisa para não ser injusto com quem se acusa.


Por exemplo, o dramaturgo inglês Willian Shakespeare foi acusado de ter plagiado Romeu e Julieta de outro autor. Na verdade, na época, haveria cinco versões diferentes do drama, com pequenas alterações e novos personagens, sendo uma prática comum na época, contou. Outro escritor clássico, o espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote de La Mancha, chegou a escrever ao rei da Espanha contra as cópias e versões que sua obra sofria (STJ, 2012).

E este é somente um exemplo. Poderia elencar outros, alguns mais atuais, mas não se faz necessário.

Conclusão
Como vimos, a questão de plágio nestes casos depende da prova na forma da lei, pois métodos de alfabetização, e de ensino em geral, trazem vários pontos em comum como utilização de figuras, aprendizagem por meio de sílabas, letras, fonemas, etc. Acusar alguém de plágio, nestes casos, como ocorreu com base no artigo do historiador, torna-se um problema embaraçoso quando não se tem provas definitivas.
Apegar-se somente na ideia que um determinado autor teve e tentar relacioná-la à ideia de outro autor não caracteriza de modo algum o plágio. Fosse assim, todos que tiveram ou tem a ideia de escrever um livro, um artigo, ou que inventaram um método, etc., incorreriam em plágio, além disso, teríamos que perscrutar qual foi o primeiro indivíduo que teve tal ideia (tarefa monumental, senão impossível) e todos seríamos plagiários desse indivíduo. Para caracterizar plágio, a prova deve ser evidente e estar embasada em fatos, documentos e provas testemunhais, todos somados, que comprovem o plágio. Pois, como vimos, a lei protege a forma da obra e não a ideia nela contida. Caso não fosse assim, teríamos sérios problemas jurídicos, pois as ideias fazem parte dos seres humanos e não há como saber quem teve qual ideia primeiro. Por isso a lei protege a forma da obra, e não a ideia nela contida.

        Fiz um comparativo, a ser publicado, entre o Método Laubach e o Método Paulo Freire no tocante à metodologia e à forma, e encontramos algumas semelhanças e algumas diferenças entre ambos, mas as semelhanças, podemos afirmar, não configuram plágio. Independentemente da publicação posterior do comparativo, este presente estudo traz em si mesmo um conjunto de evidências, que somadas, não deixam dúvidas que a alegação do historiador, no tocante ao plágio, e de seus sucessores que, porventura, utilizam seu artigo como base, não procede.

A escolha do título Método Laubach ou Método Paulo Freire? foi devida ao título do artigo Método Paulo Freire ou Método Laubach?.
A intenção do presente estudo não foi defender ou ofender alguém, mas somente elucidar a questão. Se o Método Paulo Freire contém doutrinação esquerdista ou teor filosófico marxista que dão ênfase à luta de classes, à propaganda da teoria marxista, ao ateísmo e a conscientização das massas à sua condição de oprimidas, essa é uma outra análise a ser feita.
Não abordei aqui o fato de os métodos em questão estarem ou não registrados na forma da lei por não se fazer necessário ao estudo.

        Espero ter mantido os princípios éticos por mim elencado no presente estudo e, repetindo, não intencionei ofender alguém, mas, como os mesmos princípios éticos citam pontos de vista contrários, desde que esses pontos de vista contrários não tendam a ridicularizar alguém, fiz este presente estudo com o objetivo de encontrar um outro caminho que seja bom para ambos e espero ter contribuído para o avanço da ciência.


Referências

BRASIL. Biblioteca Nacional Digital. Hemeroteca Digital Nacional. Disponível em <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>. Acesso em 20 set. 2018.
BOOTH, Wayne C., COLOMB, Gregory G., WILLIAMS, Joseph M. A Arte da Pesquisa. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Paulo Freire, uma história de vida. 2. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2017.
GADOTTI, Moacir et al. Paulo Freire, uma Biobiliografia. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire/UNESCO, 1996.
GALUPPO, Marcelo Campos. Plágio e acusação de plágio: aspectos jurídicos. In: ANAIS DA 63ª REUNIÃO ANUAL DA SBPC, Goiânia, GO, 2011. Disponível em <http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/resumos/PDFs/arq_1400_404.pdf>. Acesso em 10 out. 2018.
Instituto Paulo Freire. Disponível em <http://www.acervo.paulofreire.org>. Acesso em 07 out. 2018.
JUSBRASIL. Plágio: quando a cópia vira crime. Superior Tribunal de Justiça, 2012. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/3174944/plagio-quando-a-copia-vira-crime>. Acesso em 10 out. 2018.
Projeto Escola sem Partido. Disponível em <http://www.escolasempartido.org/artigos-top/178-metodo-paulo-freire-ou-metodo-laubach>. Acesso em 10 out. 2018.
McEVOY, J. P. Um ensina ao outro. Seleções do Reader's Digest. Tomo VI n° 35, dezembro de 1944.
SANTOS, Thomas Giulliano Ferreira dos et al. Desconstruindo Paulo Freire. Porto Alegre: História Expressa, 2017.
VIEIRA, David Gueiros. Método Paulo Freire, ou Método Laubach? Disponível em <http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/742/3/FPF_PTPF_01_0334.pdf> Acesso em 26 set. 2018.