quinta-feira, 30 de abril de 2020

Mandado de Segurança 37.097 Alexandre de Moraes

     Trata-se de Mandado de Segurança coletivo, com pedido de liminar, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), no qual se aponta como autoridade coatora o Presidente da República, o qual, segundo se afirma, teria incorrido em ilegalidade ao editar, em 27/4/2020, o Decreto de nomeação de Alexandre Ramagem Rodrigues para exercer o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apresenta, nesta peça pregada, as alegações que fundamentam o deferimento da liminar para suspender a eficácia do Decreto de 27/4/2020 (DOU de 28/4/2020, Seção 2, p. 1) no que se refere à nomeação e posse de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro, de início, apresenta o relatório do Mandado de Segurança impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no qual requer a concessão de medida liminar para suspender a eficácia da nomeação do senhor Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal. Neste relatório o Ministro destaca expressões coloquiais do Presidente da República, mensagens divulgadas por programa televisivo, assevera que a probabilidade de que a supervisão da direção da Polícia Federal diretamente pelo Presidente da República – que, como explicado, é um desvio de finalidade por excelência –, mediante ‘relatórios de inteligência’, transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão e, Destaca, ainda, por fim, que “do ponto de vista do pressuposto subjetivo da impetração, o direito líquido e certo que reclama proteção jurisdicional consiste na moralidade administrativa em sentido estrito (CF, art. 5º, LXXIII e 37, caput), que é interesse juridicamente tutelado, mas de caráter transindividual, difuso entre os titulares de direitos políticos (cidadania)” e requer a liminar.
     Depois, na parte inicial da decisão, o Ministro, nas páginas 3, 4 e 5 decide que o partido requerente, portanto, possui plena legitimidade ativa para a propositura do presente mandado de segurança coletivo e passa à análise da medida liminar pleiteada.
     Ainda na página 5, o Ministro trata do Presidencialismo e da separação dos Poderes a fim de manterem-se a independência e a harmonia dos Poderes da República e nomeia vários autores, dentre os quais destaco MIRKINE GUETZÉVITCH, pois este o Ministro trouxe uma citação à qual transcrevo abaixo:

“o executivo forte, o executivo criador, o executivo poderoso é a necessidade técnica da democracia”, porém “o exercício irresponsável, o executivo pessoal, é a ditadura” (As novas tendências do direito constitucional. São Paulo: Nacional, 1933. p. 312).

     Neste momento posso perguntar: por que exatamente esta citação - e não outra -, o Ministro pregou na sua peça?
     Lembremos que, no relatório, um dos destaques foi “desvio de finalidade por excelência... transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão”.
     Depois o Ministro segue discorrendo sobre a “Constituição equilibrada” e, após, fala da escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, “o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito” (L’Etat de droit. Paris: Montchrestien, 1992. p. 12).
     Depois ele fala que “A Constituição da República de 1988, ao constitucionalizar os princípios e os preceitos básicos da Administração Pública, permitiu um alargamento da função jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários, consagrando a possibilidade de revisão judicial.” Aqui o Ministro dá uma no prego e, logo após, dá outra na ferradura:
     “Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.”
     E segue nessa toada, dando uma no prego e outra na ferradura, como veremos.
     Depois o Ministro fala dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade e nomeia outros autores, mas traz a citação da seguinte autora, à qual transcrevo abaixo com o parágrafo do Ministro:
     “O Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringirá ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, devendo entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, em fiel observância ao “senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das Instituições”, como ensinado por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

“não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir (...) ; (se) o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade” (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111).”

     Guardemos esta citação, pois a utilizaremos mais adiante.
     Depois o Ministro Alexandre, cita o Ministro Marco Aurélio ao lembrar que:

O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César” (RE 160.381/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 12/8/1994).

     É interessante esta citação. À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Ao agente público não basta ser honesto, deve parecer honesto.
     Ora, se o agente público é honesto, obviamente ele não precisa parecer honesto, pois ele não precisa demonstrar que possui tal qualidade: ele É honesto. Não vejo como alguém pode ter uma qualidade e não parecer ter esta qualidade. A não ser que estamos falando de vícios, defeitos. Aí sim, o agente público que não é honesto, obviamente fingirá que é honesto, mas no curso das coisas se perceberá sua desonestidade, pois ninguém consegue enganar a todos por muito tempo. Então, este provérbio da mulher de César vale somente para os desonestos, para os que fingem ter uma qualidade que não possuem.
     Depois o Sinistro Alexandre, com base no provérbio citado pelo Sinistro Marco Aurélio, diz que “O Poder Judiciário, portanto, deverá exercer o juízo de verificação de exatidão do exercício da discricionariedade administrativa perante os princípios da administração pública (CF, art. 37, caput), verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica do ato administrativo com os fatos.”
     Eu, particularmente, não vejo coerência lógica em colocar numa decisão de um Ministro do STF um provérbio que fala de desonestidade.
     Logo após, o Ministro coloca: “Se ausente a coerência, o ato administrativo estará viciado por infringência ao ordenamento jurídico...”
     Depois o Ministro salienta CANOTILHO e VITAL MOREIRA trazendo a Constituição da República Portuguesa:

“como toda a actividade pública, a Administração está subordinada à Constituição. O princípio da constitucionalidade da administração não é outra coisa senão a aplicação, no âmbito administrativo, do princípio geral da constitucionalidade dos actos do Estado: todos os poderes e órgãos do Estado (em sentido amplo) estão submetidos às normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição” (Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 922).

     E faz um elo com a Constituição Brasileira e fala do poder discricionário que o órgão administrativo se utiliza para atingir fim diverso daquele que a lei fixou.
     E daí o Ministro destaca CELSO BASTOS:

“Então, ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada” (Curso de direito administrativo. Saraiva, 1994. p. 338).

     A partir da citação acima o Ministro começa a mostrar o porquê de o Poder Judiciário, no caso em tela representado pelo Ministro, pode anular atos administrativos. E conclui:
     “O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional, pois a opção conveniente e oportuna para a edição do ato administrativo presidencial deve ser feita legal, moral e impessoalmente pelo Presidente da República, podendo sua constitucionalidade ser apreciada pelo Poder Judiciário, pois na sempre oportuna lembrança de ROSCOE POUND,

“a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto” (Liberdade e garantias constitucionais. Ibrasa: São Paulo, 1976, p. 83).”

     Ora, se a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto, então o Ministro Alexandre deveria primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas vamos adiante.
     Então o Ministro passa a analisar os fatos narrados onde, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Na análise dos fatos narrados o Ministro nos traz uma declaração da entrevista coletiva de Sérgio Fernando Moro e uma declaração do Presidente da República.
     Em virtude dessas declarações foi requerida a instauração de inquérito por parte do Procurador-Geral da República para averiguação dos fatos.
     Depois, o Ministro alega que em matéria do telejornal conhecido como “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi divulgada conversa entre o ex-Ministro Sérgio Moro e o Presidente da República, ocorrida no dia 23/4/2020, pelo aplicativo Whatsapp, que, em tese, indicaria a insatisfação presidencial com a existência de um inquérito no SUPREMO TRIBUINAL FEDERAL como uma das razões para a troca da direção da Polícia Federal.
     Igualmente, houve a divulgação de conversa ocorrida no mesmo dia e pelo mesmo aplicativo, em que a Deputada Federal Carla Zambelli pede que o ex-Ministro Sérgio Moro aceite a nomeação do Delegado Federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal.
     Depois o Ministro traz somente uma parte das conversas de Whatsapp entre Moro e a Deputada Federal Carla Zambelli, provavelmente na intenção de embasar melhor sua peça decisória:

“Por favor, ministro, aceite o Ramagem. E vá em setembro pro STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer JB prometer”.

     Com a seguinte resposta do ex-Ministro Sérgio Moro:

“Prezada, eu não estou a venda”

     Então o Ministro Alexandre destaca que o Ministro CELSO DE MELLO, após detalhada análise, entendeu plausíveis os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral da República e determinou a instauração do inquérito requerido anteriormente.
     E encerrou deferindo a liminar pleiteada.
     Vemos que o próprio Ministro complementou e embasou o pedido do PDT fornecendo razões legais para deferir a liminar. A Petição Inicial nº 25797/2020 do PDT, o tal Mandado de Segurança alega que: “Não obstante, há prova pré-constituída de que as verdadeiras intenções da Autoridade Coatora são diversas que a da respectiva regra de competência” (pg. 7). E depois elenca as tais provas pré-constituídas que são somente as declarações do Sérgio Moro e as declarações do Presidente, mais nada.
     Depois, a mesma petição, traz, à guisa de ilustração, uma conversa entre Joice Hasselman e Rui Falcão na CPMI das “fake News” que são somente isso: ilustração, fofocas.
     Bom, em sendo as “provas pré-constituídas” (e aceitas pelo Ministro Alexandre de Moares) somente as declarações e conversas de zap-zap, o Ministro Alexandre deveria, obrigatoriamente, primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas não, o Ministro utilizou-se do deferimento do inquérito como embasamento de sua decisão. Colocou a carroça na frente dos bois.
     E como as provas pré-constituídas da petição inicial são somente declarações de pessoas, por essas declarações não há como, sem uma investigação, saber da intenção de cada um.
     Recordo agora a citação de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade.”
     Aliás, na petição inicial do PDT, tal autora está citada também.
     Como as tais provas pré-constituídas são as conversas e declarações, vemos que, na decisão do Ministro Alexandre está a seguinte declaração do Presidente da República:

Sempre falei para ele: “Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”.

     Vemos claramente que o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal, ou seja, o Presidente estava seguindo a cadeia hierárquica normal e constituída. E como não é preciso penetrar na intenção do agente, está bem claro que o pedido dos relatórios foi feito ao então Ministro Moro, mas quem sofreu as consequências da lamentável e ilegal liminar concedida pelo Ministro Alexandre foi o Delegado Ramagem.
     O artigo 1º, caput,  da Lei 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança) diz que: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
     Direito líquido e certo de quem o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes estão protegendo?
     Do Delegado Alexandre Ramagem é que não é, pois ele saiu prejudicado.
     E o Art. 5º, caput e inciso I, da mesma Lei, diz: “Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I- de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;”
     As alegações de interferência política e ideológica feitas pelo PDT e corroboradas pelo Ministro Alexandre de Moraes não existem. Ao contrário, quem fez tais interferências foram o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes, pois como eles mesmos confirmam, a competência de nomear o Diretor-Geral da Polícia Federal é do Presidente da República e, repito, o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal.
     A petição inicial impetrada pelo PDT e a decisão do Ministro Alexandre de Moraes são meros panfletos políticos e ideológicos em todo o seu teor, não são peças jurídicas.


Referências
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/F1E71DD48D0301_MS-Inicial(1).pdf

http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442298

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