quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Pensamento Marxista


     A obra de Marx é uma coisa, o pensamento dele é outra coisa. Através da sua obra podemos captar seu pensamento. Isso, obviamente, acontece com todo e qualquer autor que já não se encontra mais entre nós fisicamente.
     Estabeleço aqui uma diferença: o pensamento marxista difere do pensamento de Marx. Pensamento marxista, para o devido fim deste texto, é o pensamento de outros que decorre ao ler e estudar a obra de Marx. Talvez, ao analisar o pensamento marxista - e as obras de Marx -, chegue-se ao pensamento de Marx, mas não é o objetivo deste texto.
     Ao ler O Capital de Marx podemos perceber claramente que ele não trabalha com definições, mas trabalha com “determinações”. Porém, ao mesmo tempo, em Marx não existe determinismo de espécie alguma, mas “há determinações históricas”.
     Determinação: acréscimo de características ou especificidades que limitam a extensão de um significado, de um conceito, inicialmente amplo e impreciso (Houaiss). Então vemos que “determinações” diferem de “determinismo”.
     Abro um parêntese aqui: coloquei uma definição (significado) de “determinação” para entendimento do texto. Fosse eu desdobrar o objeto “determinação” em determinações usando o pensamento marxista, o leitor não saberia do quê estou falando. Fecha parêntese.
     "Objeto" aqui é toda e qualquer coisa que se está analisando. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc.
     “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” (Florestan Fernandes citado por José Paulo Netto).
     Irei trabalhar a partir de tudo isso acima, basicamente.
     Ao ler O Capital (e outras obras de Marx) percebe-se claramente que Marx não trabalha com definições, mas com determinações. Você não encontrará definição de espécie alguma. Por exemplo, em O Capital você não encontra uma definição de capital (ou de qualquer outra coisa). Marx fala por primeiro que o capital é uma relação social, não é uma coisa, depois desdobra o capital em “determinações” e no decorrer diz que o capital pode ser moeda também (o capital nasce da moeda e depois a moeda se transforma em capital), e moeda sabemos que é uma coisa, não uma relação social; e assim Marx vai “desdobrando” infinitamente o objeto em “determinações”, vai mudando o eixo.
     Aí vemos uma das “determinações” de Marx. Ora, repito, moeda é uma coisa e anteriormente ele diz que capital é uma relação social, não é coisa. Aparentemente, Marx está dizendo o oposto, mas dentro do pensamento marxista isso parece fazer algum sentido, mas não faz.
     O enunciado “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” nos traz alguns problemas. Eu posso saturar a reprodução do objeto de determinações, mas somente quando o objeto permite isso e jamais ao infinito. Se o objeto é um objeto físico, um objeto do mundo real, chega um momento que as informações que eu extraio do objeto esgotam-se. Por exemplo, o lápis que tenho aqui. É um lápis, mas analisando-se as categorias deste lápis (extraindo essas informações dele) posso definir que é um lápis com uns 20 cm de comprimento, da cor verde, tem um bastão de grafite envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no papel. Posso continuar analisando outras categorias do lápis, mas num dado momento as informações esgotam-se. Não posso inventar ou relativizar (encontrar relações remotas ou inventar relações) para continuar desdobrando o objeto lápis, posto que o lápis é um conceito objetivo. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, objeto físico existente no mundo físico. Não irei aqui entrar em definições acerca de “conceito”, “descrição”, “definição”, etc, pois já fiz em outro texto.
     Vamos tomar outro exemplo: liberdade. É um objeto que não é físico, não é material. É um conceito subjetivo. Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito. Ao definir ou encontrar as “determinações” do objeto, tem muito do sujeito que analisa o objeto. Não existe um objeto físico chamado “liberdade” (não sabemos o tamanho, a cor, as categorias físicas), mas sabemos que existe uma coisa chamada liberdade porque podemos perceber seus efeitos e suas consequências na realidade física.
     No caso de “liberdade”, por ser um conceito subjetivo, é intrínseco que isso permite que possamos desdobrá-la em “determinações” mais do que podemos desdobrar o lápis. Mas, mesmo assim, chegará um momento no qual as tais “determinações” do conceito “liberdade” se esgotarão. Caso continuarmos desdobrando “liberdade” (ou capital) em “determinações” até o infinito, chegará um momento em que não será mais possível sabermos o que é essa tal liberdade, pois o objeto estará infinitamente saturado de “determinações”. “Infinitamente saturado” é uma expressão paradoxal. Ainda que eu não faça esse processo infinitamente, que eu desdobre o objeto até saturá-lo, um dia o objeto ficará saturado; e ficará saturado porque as informações (ou categorias, nesse sentido), esgotaram-se. Mas o problema é: como saberei o limite? E isso é mais problemático quando o objeto é um conceito subjetivo.
     Lembrando que “categorias” para Marx é uma coisa e para Aristóteles é outra e para outro autor, é outra. Apesar de serem coisas diferentes para este ou aquele autor, a definição de “categoria” carrega algumas semelhanças básicas nesses diversos autores. Lembro aqui de signo, significado e referente. Uma coisa tem um nome (nesse sentido, signo) e tem seu significado (nesse sentido, definição) e tem seu referente (nesse sentido, à que se refere). Porém, se Marx não trabalha com definições, como posso saber o que é categoria para Marx? Como posso saber à que Marx se refere quando fala de “categorias”?
     Talvez as tais determinações de Marx sejam os vários sentidos que o significado de um signo pode ter, porém, ainda assim, os sentidos de um significado de um signo são limitados.
     Aí já podemos ver outro problema nesse pensamento de não trabalhar com definições, mas somente com determinações. Nesse pensamento de desdobrar o objeto em inúmeras determinações sem ter um limite, pode-se entrar em uma confusão mental, emburrecimento.
     Mercadoria, mais-valia, etc, desafio o leitor a encontrar uma única definição de qualquer conceito básico em toda a obra marxista. Não encontrará, mas está lançado o desafio.
     Esse, vamos por assim dizer, pensamento de Marx, estendeu-se a todos os outros autores posteriores a ele (pensamento marxista). Basta perceber que o universo semântico das várias obras comunistas posteriores a Marx, são semelhantes. As expressões utilizadas são bastantes parecidas, o estilo de escrita é semelhante, ressalvadas, claro, diferenças no estilo pessoal da escrita. Mas, no geral, são semelhantes.
     Um aluno que lê e estuda Marx (ou outro autor comunista posterior a Marx) por um, dois ou mais anos, penetra nesse universo semântico e absorve o pensamento marxista por osmose. Passa a repetir as mesmas expressões e passa a desdobrar as coisas em infinitas “determinações” que, aparentemente, tem uma relação com o objeto, mas esta relação logo perde-se em uma relativização maluca porque o objeto é desdobrado natural e infinitamente e não se chega a conclusão nenhuma.
Sabemos que existem coisas na vida que tem definições e outras coisas que não tem definições. Daí precisamos saber de quais definições estamos falando. Definição gramatical ou definição do quê o objeto realmente é? Não vou entrar nesta análise agora, ficará para outro texto. Mas posso adiantar que tendo consciência de que existe essa diferenciação, é um grande passo.
     Penso eu que este método de não se trabalhar com definição nenhuma leva à loucura e ao emburrecimento maligno, por motivos óbvios. É o desdobramento infinito do pensamento: uma coisa leva a outra, que leva a outra... e assim sucessivamente num ciclo sem fim. Não foi à toa que Marx propôs a tal “Lutas de Classes”, lutas no plural, pois a luta não é somente entre as classes, mas acontece entre os indivíduos de uma mesma classe também. É a luta sem fim, ninguém mais se entende, pois vão se desdobrando os fatos e as argumentações onde ninguém chega a conclusão nenhuma. Mas têm-se as discussões infinitas onde vai se mudando de eixo na discussão e cada um pensa que tem razão, porém, não tem razão, tem “determinações”.
     E chega-se num ponto em que um dos lados DETERMINA (concentra o poder). E isto segue-se num ciclo sem fim de lutas, brigas de egos, discussões intermináveis em torno de nada, etc. Basta ver algum debate até entre marxistas sérios para perceber que não se chega a conclusão nenhuma. Cada um tem a sua própria “determinação” a respeito da obra de Marx. Acredito que é por isso que a obra comunista no mundo é incomensurável. Cada autor, após um tempo de estudo, julga-se automaticamente apto a escrever sua própria obra encontrando novas “determinações”.
     Este pensamento é perigoso, pois leva à mentira, à enganação. Chega um momento em que não se encontra mais uma “determinação” no objeto (as informações do objeto se esgotam) e passa-se a relativizar inventando determinações achando que essas determinações têm alguma relação com o objeto, mas não tem, pois foram tantos desdobramentos feitos no objeto que o sujeito (a pessoa que está analisando o objeto) já se perdeu numa confusão mental.
     Para terminar, lembro que uma “determinação” pode ser somente uma “determinação” gramatical, ou seja, após saturar o objeto não encontro mais as suas categorias reais porque suas categorias reais esgotaram-se e, automaticamente, passo a desdobrar, inventar novas “determinações” num ciclo sem fim que leva ao emburrecimento e pode levar à insanidade.

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