A obra de Marx é uma coisa, o pensamento dele é outra coisa.
Através da sua obra podemos captar seu pensamento. Isso, obviamente, acontece
com todo e qualquer autor que já não se encontra mais entre nós fisicamente.
Estabeleço aqui uma diferença: o pensamento marxista difere
do pensamento de Marx. Pensamento marxista, para o devido fim deste texto, é o
pensamento de outros que decorre ao ler e estudar a obra de Marx. Talvez, ao
analisar o pensamento marxista - e as obras de Marx -, chegue-se ao pensamento
de Marx, mas não é o objetivo deste texto.
Ao ler O Capital de Marx podemos perceber claramente que ele
não trabalha com definições, mas trabalha com “determinações”. Porém, ao mesmo
tempo, em Marx não existe determinismo de espécie alguma, mas “há determinações
históricas”.
Determinação: acréscimo de características ou
especificidades que limitam a extensão de um significado, de um conceito,
inicialmente amplo e impreciso (Houaiss). Então vemos que “determinações”
diferem de “determinismo”.
Abro um parêntese aqui: coloquei uma definição
(significado) de “determinação” para entendimento do texto. Fosse eu desdobrar
o objeto “determinação” em determinações usando o pensamento marxista, o
leitor não saberia do quê estou falando. Fecha parêntese.
"Objeto" aqui é toda e qualquer coisa que se está analisando. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc.
"Objeto" aqui é toda e qualquer coisa que se está analisando. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc.
“Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações
mais você o concretiza” (Florestan Fernandes citado por José Paulo Netto).
Irei trabalhar a partir de tudo isso acima, basicamente.
Ao ler O Capital (e outras obras de Marx) percebe-se claramente
que Marx não trabalha com definições, mas com determinações. Você não encontrará
definição de espécie alguma. Por exemplo, em O Capital você não encontra uma
definição de capital (ou de qualquer outra coisa). Marx fala por primeiro que o
capital é uma relação social, não é uma coisa, depois desdobra o capital em
“determinações” e no decorrer diz que o capital pode ser moeda também (o
capital nasce da moeda e depois a moeda se transforma em capital), e moeda sabemos
que é uma coisa, não uma relação social; e assim Marx vai “desdobrando”
infinitamente o objeto em “determinações”, vai mudando o eixo.
Aí vemos uma das “determinações” de Marx. Ora, repito, moeda
é uma coisa e anteriormente ele diz que capital é uma relação social, não é
coisa. Aparentemente, Marx está dizendo o oposto, mas dentro do pensamento
marxista isso parece fazer algum sentido, mas não faz.
O enunciado “Quanto mais você satura a reprodução do objeto
de determinações mais você o concretiza” nos traz alguns problemas. Eu posso
saturar a reprodução do objeto de determinações, mas somente quando o objeto
permite isso e jamais ao infinito. Se o objeto é um objeto físico, um objeto do
mundo real, chega um momento que as informações que eu extraio do objeto
esgotam-se. Por exemplo, o lápis que tenho aqui. É um lápis, mas analisando-se
as categorias deste lápis (extraindo essas informações dele) posso definir que
é um lápis com uns 20 cm de comprimento, da cor verde, tem um bastão de grafite
envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no
papel. Posso continuar analisando outras categorias do lápis, mas num dado
momento as informações esgotam-se. Não posso inventar ou relativizar (encontrar
relações remotas ou inventar relações) para continuar desdobrando o objeto
lápis, posto que o lápis é um conceito objetivo. Objetivo, nesse sentido, vem
de objeto, objeto físico existente no mundo físico. Não irei aqui entrar em
definições acerca de “conceito”, “descrição”, “definição”, etc, pois já fiz em
outro texto.
Vamos tomar outro exemplo: liberdade. É um objeto que não é
físico, não é material. É um conceito subjetivo. Subjetivo, nesse sentido, vem
de sujeito. Ao definir ou encontrar as “determinações” do objeto, tem muito do
sujeito que analisa o objeto. Não existe um objeto físico chamado “liberdade”
(não sabemos o tamanho, a cor, as categorias físicas), mas sabemos que existe
uma coisa chamada liberdade porque podemos perceber seus efeitos e suas
consequências na realidade física.
No caso de “liberdade”, por ser um conceito subjetivo, é
intrínseco que isso permite que possamos desdobrá-la em “determinações” mais do
que podemos desdobrar o lápis. Mas, mesmo assim, chegará um momento no qual as
tais “determinações” do conceito “liberdade” se esgotarão. Caso continuarmos
desdobrando “liberdade” (ou capital) em “determinações” até o infinito, chegará
um momento em que não será mais possível sabermos o que é essa tal liberdade,
pois o objeto estará infinitamente saturado de “determinações”. “Infinitamente
saturado” é uma expressão paradoxal. Ainda que eu não faça esse processo
infinitamente, que eu desdobre o objeto até saturá-lo, um dia o objeto ficará
saturado; e ficará saturado porque as informações (ou categorias, nesse
sentido), esgotaram-se. Mas o problema é: como saberei o limite? E isso é mais
problemático quando o objeto é um conceito subjetivo.
Lembrando que “categorias” para Marx é uma coisa e para
Aristóteles é outra e para outro autor, é outra. Apesar de serem coisas
diferentes para este ou aquele autor, a definição de “categoria” carrega
algumas semelhanças básicas nesses diversos autores. Lembro aqui de signo, significado
e referente. Uma coisa tem um nome (nesse sentido, signo) e tem seu significado
(nesse sentido, definição) e tem seu referente (nesse sentido, à que se
refere). Porém, se Marx não trabalha com definições, como posso saber o que é
categoria para Marx? Como posso saber à que Marx se refere quando fala de “categorias”?
Talvez as tais determinações de Marx sejam os vários
sentidos que o significado de um signo pode ter, porém, ainda assim, os
sentidos de um significado de um signo são limitados.
Aí já podemos ver outro problema nesse pensamento de não
trabalhar com definições, mas somente com determinações. Nesse pensamento de
desdobrar o objeto em inúmeras determinações sem ter um limite, pode-se entrar
em uma confusão mental, emburrecimento.
Mercadoria, mais-valia, etc, desafio o leitor a encontrar uma
única definição de qualquer conceito básico em toda a obra marxista. Não
encontrará, mas está lançado o desafio.
Esse, vamos por assim dizer, pensamento de Marx, estendeu-se
a todos os outros autores posteriores a ele (pensamento marxista). Basta
perceber que o universo semântico das várias obras comunistas posteriores a
Marx, são semelhantes. As expressões utilizadas são bastantes parecidas, o
estilo de escrita é semelhante, ressalvadas, claro, diferenças no estilo
pessoal da escrita. Mas, no geral, são semelhantes.
Um aluno que lê e estuda Marx (ou outro autor comunista
posterior a Marx) por um, dois ou mais anos, penetra nesse universo semântico e
absorve o pensamento marxista por osmose. Passa a repetir as mesmas expressões
e passa a desdobrar as coisas em infinitas “determinações” que, aparentemente,
tem uma relação com o objeto, mas esta relação logo perde-se em uma
relativização maluca porque o objeto é desdobrado natural e infinitamente e não
se chega a conclusão nenhuma.
Sabemos que existem coisas na vida que tem definições e
outras coisas que não tem definições. Daí precisamos saber de quais definições
estamos falando. Definição gramatical ou definição do quê o objeto realmente é?
Não vou entrar nesta análise agora, ficará para outro texto. Mas posso adiantar
que tendo consciência de que existe essa diferenciação, é um grande passo.
Penso eu que este
método de não se trabalhar com definição nenhuma leva à loucura e ao
emburrecimento maligno, por motivos óbvios. É o desdobramento infinito do pensamento:
uma coisa leva a outra, que leva a outra... e assim sucessivamente num ciclo
sem fim. Não foi à toa que Marx propôs a tal “Lutas de Classes”, lutas no
plural, pois a luta não é somente entre as classes, mas acontece entre os indivíduos
de uma mesma classe também. É a luta sem fim, ninguém mais se entende, pois vão
se desdobrando os fatos e as argumentações onde ninguém chega a conclusão
nenhuma. Mas têm-se as discussões infinitas onde vai se mudando de eixo na
discussão e cada um pensa que tem razão, porém, não tem razão, tem
“determinações”.
E chega-se num
ponto em que um dos lados DETERMINA (concentra o poder). E isto segue-se num
ciclo sem fim de lutas, brigas de egos, discussões intermináveis em torno de
nada, etc. Basta ver algum debate até entre marxistas sérios para perceber que
não se chega a conclusão nenhuma. Cada um tem a sua própria “determinação” a
respeito da obra de Marx. Acredito que é por isso que a obra comunista no mundo
é incomensurável. Cada autor, após um tempo de estudo, julga-se automaticamente
apto a escrever sua própria obra encontrando novas “determinações”.
Este pensamento é perigoso, pois leva à
mentira, à enganação. Chega um momento em que não se encontra mais uma
“determinação” no objeto (as informações do objeto se esgotam) e passa-se a
relativizar inventando determinações achando que essas determinações têm alguma
relação com o objeto, mas não tem, pois foram tantos desdobramentos feitos no
objeto que o sujeito (a pessoa que está analisando o objeto) já se perdeu numa
confusão mental.
Para terminar, lembro que uma “determinação” pode ser
somente uma “determinação” gramatical, ou seja, após saturar o objeto não
encontro mais as suas categorias reais porque suas categorias reais
esgotaram-se e, automaticamente, passo a desdobrar, inventar novas “determinações”
num ciclo sem fim que leva ao emburrecimento e pode levar à insanidade.
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