domingo, 23 de maio de 2021

Os Princípios da Lógica Formal

   Hoje verei os três princípios básicos da Lógica Formal e/ou da Filosofia e, para tanto, partirei das definições e conceitos de Mário Ferreira dos Santos no tratado Lógica e Dialética. Antes, porém, posso começar dizendo que Princípio, para o nosso entendimento (meu e do leitor), é aquilo que está no início, antes não precisa ter nada, nem mesmo uma explicação em palavras e é auto-evidente. Para melhor esclarecimento uso essa redundância: verdades auto-evidentes. É redundância porque toda verdade é auto-evidente.

   Princípio, também é a causa primeira, a raiz, porém, “causa primeira” aqui não se refere especificamente à Lei da Causalidade. Uso “causa primeira” como o que serve de base a alguma coisa. São os significados e vários sentidos dos signos, no caso, das palavras.

   Então, Princípio, para o nosso entendimento aqui, é o que está no início e antes não precisa ter nem mesmo uma explicação em palavras; pode ter uma explicação em palavras, mas não é necessário. Logo darei exemplos e referentes, mas primeiro veremos (eu e o leitor), os Princípios.

“Há, na Filosofia, uma disciplina, ciência do "ser enquanto ser", que é a Ontologia. Nesse sentido tradicional, a Ontologia é a ciência que trata do ser enquanto ser, ou seja, do ser que constitui tudo quanto existe, do ser que determina todos os seres. Há outras maneiras de concebê-las que não convém, por ora, tratar. Nessa disciplina, estudam-se os "princípios ontológicos", que valem para todos os objetos, aos quais todos os outros se submetem e, portanto, também os lógicos. São eles os seguintes:

1) Todo objeto é idêntico a si mesmo — Esta é a enunciação do chamado princípio ontológico de identidade.

Este princípio fundamental da Ontologia clássica o é também para a Lógica Formal. Por ora, cabe-nos apenas apresentá-lo como um verdadeiro fundamento axiomático da Ontologia e também, consequentemente, da Lógica Formal. Assim, pode ser enunciado exemplificativamente: este livro é este livro; esta mesa é esta mesa.

Para a Ontologia tradicional e para a Lógica Formal, este livro, formalmente, só pode ser ele mesmo; é idêntico a si mesmo. Deste princípio fundamental decorrem outras consequências, que são dadas, em geral, como princípios ontológicos e, portanto, também lógicos:

2) Nenhum objeto pode ser ao mesmo tempo ele e não ele.

Princípio ontológico de não-contradição. Enuncia-se dizendo que A não pode ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto Não-A.

3) Todo objeto tem que ser A ou não A.

Isto é: Este objeto é livro ou não é livro.

Princípio ontológico de terceiro excluído, pois exclui um intermediário entre ser e não-ser.”

 

      Os Princípios da Lógica Formal (e/ou da Filosofia) são uma das poucas coisas as quais não há mais dúvidas em torno disso. Autores muito mais sabidos do que nós há milênios tentaram derrubar os Princípios e não conseguiram. O que temos de fazer é aceitar, pois, de certa forma, os Princípios fazem parte do raciocínio humano. Poderia dizer que eles são o raciocínio humano, porém, estaria sendo ilógico, estaria incorrendo na quebra desses mesmos Princípios.

   Então temos três Princípios básicos: Identidade, Não Contradição e Terceiro Excluído. Estes princípios ontológicos tornam-se, na Lógica, Princípios Lógicos. Veremos agora a auto-evidência dos Princípios. Exemplo: Este lápis é este lápis. Isto é auto-evidente, poderia dizer que é auto-evidente em si, mas, de novo, é redundância. O lápis, ou qualquer outra coisa física, corpórea, ele é o que ele é, esta é a identidade dele. Caso eu perguntar: Por que um lápis é um lápis?

   É uma pergunta que não tem resposta. Ele é o que ele é. Simples assim, é auto-evidente. O leitor pode discorrer sobre o processo de fabricação do lápis, o processo de nominação do lápis, etc, mas não estará respondendo porque ele é o que ele é.

   No caso do princípio da Não Contradição: "Nenhum objeto pode ser ao mesmo tempo ele e não ele", temos que o não ele é tudo o que não é ele. Eu sou o não ele do lápis, o céu é o não ele do lápis, o lápis é o não ele de outro lápis, uma árvore é o não ele do lápis, o lápis é o não ele da árvore e assim por diante.

   Em relação às coisas incorpóreas, não físicas, como, por exemplo, Liberdade, os Princípios valem da mesma maneira. Por que a Liberdade é o que ela é? Liberdade não é Esperança, não é Igualdade, não é o Lápis, não é o Céu, etc. Não pode ser o que ela não é (Princípio da Não Contradição). Portanto, a partir daí um intermediário entre ser e não-ser está excluído (Princípio do Terceiro Excluído), uma terceira opção está excluída automaticamente. O não-ele é tudo o que não é ele, óbvio. O não ele do Lápis sou eu, é você leitor, é o livro, é o céu, etc.

   Aqui abro um parêntese. Com relação à coisa; do dicionário: “tudo o que existe ou possa existir, de natureza corpórea ou incorpórea.” Num sentido filosófico coisa é tudo o que há e tudo o que existe. Tudo o que existe são os objetos corpóreos, objetos físicos. Tudo o que engloba objetos corpóreos e incorpóreos. Exemplo: Lápis há e existe. Lápis existe fisicamente e há enquanto conceito e enquanto significado em palavras. Liberdade somente há enquanto conceito e enquanto significado em palavras, pois não existe nenhum objeto físico com esse nome Liberdade. Não temos como saber o tamanho da Liberdade (altura, largura e profundidade), qual a cor dela, qual a forma física dela, etc.

   Então temos coisas corpóreas e coisas incorpóreas e cada qual com o seu nome; os nomes das coisas. Simples assim. Partamos dessa base.

   Ainda dentro do parêntese; temos signo, significado (e vários sentidos) e referente. Lápis é um signo e tem um significado em palavras (e esta palavra adota vários sentidos dentro de uma frase) e tem um referente (referente este que pode mudar de acordo com o sentido da palavra numa frase). Liberdade é um signo e tem um significado em palavras e tem um referente. Assim o é com todas as coisas e todas as coisas tem um nome.

   Antes de fechar o parêntese posso afirmar que, nesse sentido, temos conceitos objetivos e conceitos subjetivos. Conceito objetivo vem do objeto corpóreo, físico, o objeto físico se auto define, você extrai as informações do objeto físico através dos seus órgãos sensoriais, através do seus cinco sentidos básicos. Conceito subjetivo, neste sentido, vem de “sujeito”, tem muito do sujeito ao significar e/ou definir o objeto incorpóreo, não físico, pois não temos como extrair fisicamente as informações de um objeto incorpóreo.

   Linguisticamente falando, a esmagadora maioria dos signos, palavras, verbetes, etc, da Língua Portuguesa - e eu acredito que de qualquer língua - são, neste sentido, conceitos subjetivos. Por exemplo, verbos. Um verbo representa uma ação. O verbo correr é um signo. Significado: movimentar-se com velocidade. Referente: você está correndo na rua; e você sabe que não existe um objeto físico com esse nome correr. Fecha parêntese.

   Darei um exemplo simples, ingênuo até, da auto-evidência dos Princípios. Imaginemos o “seu João”. O seu João tem 50 anos de idade, viveu e vive na colônia, na roça, seu João não tem estudo, não sabe ler nem escrever, não sabe sequer assinar o próprio nome, é o que se chama de analfabeto completo. Vou até o lugar onde seu João vive e digo: “Seu João, vim aqui lhe explicar os Princípios da Lógica Formal.” Talvez neste momento seu João não entenderá do que estou falando, mas daí pego uma pedrinha do chão, levanto-a na mão e digo: “Esta pedra é esta pedra, este é o Princípio de Identidade”. Provavelmente seu João, após alguns segundos pensando confundido pela obviedade da afirmação, responderá: “Mas isso é claro, essa pedra vai ser o quê... uma árvore?”

   Com esta simples resposta “seu João” elucidou os três Princípios. Ele disse que a pedra é o que ela é, ele disse que a pedra não pode ser o que ela não é, e disse que um intermediário está excluído, a pedra não pode ser a árvore. Até uma criança sabe disso. Aliás, o enunciado em si é óbvio. “Esta pedra é esta pedra”. Confunde-se pela simplicidade. Aí está a auto-evidência dos Princípios. Não precisamos nem explicar. Até uma criança percebe isso.

   Talvez o leitor esteja pensando agora: “Mas o autor está explicando a auto-evidência dos Princípios, então precisa explicar.” Porém, não estou explicando, somente estou lembrando ao leitor, pois todos nascemos sabendo disso. Vem da observação da realidade. E a frase "antes não precisa ter nem mesmo uma explicação em palavras" não significa que não possa ter uma explicação em palavras, aliás, tanto pode como tem, mas não se faz necessária... ou não deveria ser necessário explicar.

   Estes três Princípios Básicos devem ser levados em conta sempre em conjunto, pois um decorre do outro. Estes três Princípios são umas das poucas coisas em Filosofia, vamos por assim dizer, que não há mais discussões em torno disso. O leitor pode fazer de seu objetivo de vida destruir esses Princípios. Seja feliz, mas não conseguirá. Caras muito mais sabidos do que nós, há séculos, já tentaram destruí-los e não conseguiram; pelo contrário, somente confirmaram a auto-evidência. A auto-evidência pode ser também, neste sentido, o tal do a priori do ilógico Kant: "o tempo, o espaço e a causalidade residem a priori em nossa consciência e podem ser encontrados e conhecidos partindo-se do sujeito, sem o conhecimento do objeto". Antes do sujeito Kant, a priori do objeto Kant não existia nada (nem consciência) e a posteriori do objeto Kant o verbo se fez burrice.

   Mas vamos a exemplos, referentes. Aliás, estabeleço aqui uma diferença simples entre “exemplo” e “referente”. Exemplo: “tudo que pode ou deve ser imitado; modelo”. Referente, neste sentido: “relativo a, que diz respeito a”. Não confunda aqui com “referente, o que a coisa é” de signo, significado e referente. São apenas sentidos diferentes do signo “referente”. Sempre lembrando que a Linguagem não é somente palavras.

   No sentido que estou falando, todo referente é um exemplo, mas nem todo exemplo é um referente. Eu posso usar um referente, alguma coisa que aconteceu ou está acontecendo, como exemplo; ou posso formular um exemplo saído da minha cabeça.

   O problema do exemplo é esse: quando o exemplo é mal formulado ele confundirá em relação ao que se disse anteriormente, ao que se está tentando explicar. Usando um referente, uma coisa, ação, palavras que alguém disse, um fato que aconteceu na realidade, etc, evita-se um pouco que o exemplo confunda.

   Mas vamos a um referente. Autores que escrevem: “Educação é um ato político”. Percebe-se claramente que tal autor está ferindo os Princípios da Lógica Formal. Ele está dizendo que Educação é o não-ele, ato político. Caso tal autor escrevesse: “Educação engloba a política ou os atos políticos”, aí teria mais clareza e não estaria ferindo os Princípios, não estaria sendo ilógico.

   E certos autores ainda usam o imperativo categórico de Kant no seu estilo de escrita: "Não é demais repetir aqui essa afirmação, ainda recusada por muita gente, apesar de sua obviedade, a educação é um ato político".

   Este é o imperativo categórico de Kant: eu afirmo uma coisa completamente ilógica e não preciso dar explicações, não preciso justificar; simplesmente digo "é isso". Porém, tem coisas na vida que não são auto-evidentes, precisamos explicar, provar e não simplesmente dizer que é óbvio porque é óbvio. A auto-evidência de certas coisas está nestas coisas mesmas e na percepção de cada ser humano ao observar. O ser humano nasce dotado de senso das proporções ou, grosso modo, discernimento, e quando se destrói esse senso das proporções no raciocínio, as pessoas perdem a Razão.

   Quando se usa a forma “é” (indicativo do presente do verbo ser) geralmente o que vem depois considera-se um significado e/ou uma definição. Caso eu escrever: Lápis é Liberdade; estou dizendo que o ele é o não-ele, estou sendo ilógico, estou confundindo a mente dos leitores. Lembrando que os Princípios servem tanto para coisas corpóreas como para coisas incorpóreas. Escrever que "educação é um ato político" é a mesma coisa que escrever "céu é uma poça d'água".

   Eu posso discorrer mais referentes desse naipe tirados de autores famosos, inúmeros, infindáveis até, mas não se faz necessário, somente cito: "lutas de classes", "desvelamento do ser" e por aí vai. Deixo ao leitor que, a partir de agora, pode se utilizar dos Princípios para interpretar textos de forma mais correta e, por que não, para ter um melhor entendimento da vida.

domingo, 16 de maio de 2021

Raciocínio Metonímico

   “Raciocínio Metonímico” é uma das expressões utilizadas pelo Filósofo e Escritor Olavo de Carvalho. Ele não inventou isso, mas observou na realidade tal fenômeno; característica de todo bom autor: observar a realidade e escrever sobre ela; e não o contrário: adivinhar coisas e escrever sobre elas desejando que a realidade se adapte à insanidade da sua cabeça.

   Começarei, como sempre, analisando primeiro a Linguagem (gramática, linguística, língua, palavra falada, palavra escrita, etc; todas as partes que compõe este todo, esta coisa chamada Linguagem).

   Raciocínio, no significado do dicionário: “fazer uso da razão para estabelecer relações entre (coisas e fatos), para entender, calcular, deduzir, julgar (algo); refletir”. Porém, raciocínio também é a concatenação lógica de pensamentos, um pensamento organizado logicamente após o outro. E a gente expressa nossos pensamentos e raciocínios através da palavra falada e da palavra escrita. Quantitativamente o ser humano se comunica bem mais através da palavra falada e da palavra escrita. O ser humano se comunica também por músicas, filmes, obras de arte, mímica, etc, mas comunica-se muito mais falando e escrevendo. A importância da Linguagem.

   Um exemplo. A frase: “Nunca ouvi falar, mas não tem cabimento”. Tanto faz na palavra falada ou na palavra escrita essa frase não tem raciocínio (concatenação de pensamentos). São somente dois pensamentos em forma de duas orações, a primeira "Nunca ouvi falar", a segunda, oração adversativa, "mas não tem cabimento, as duas juntas compõem a frase, mas a segunda oração (mas não tem cabimento) não “bate”, não “fecha” com a primeira (nunca ouvi falar). A pessoa está admitindo que nunca ouviu falar do assunto e, logo após, diz que não tem cabimento. Ora, você está admitindo que nunca ouviu falar, que não tem conhecimento do assunto, então como é possível chegar à conclusão de que não tem cabimento? É impossível!

   Mesmo que eu respondesse: “Nunca ouvi falar, mas tem cabimento” daria na mesma estupidez. Veja bem, eu mesmo estou admitindo que não tenho conhecimento do assunto, então é impossível eu chegar a qualquer conclusão que seja. Quem fala desta maneira é burro(a), não percebe que é burro(a) e se acha o gostosão (ou a gostosona). O correto seria responder: “Nunca ouvi falar, mas vou pesquisar, informar-me sobre o assunto”, aí temos um raciocínio (concatenação de pensamentos) e o expressamos de forma correta na linguagem. É a parte analítico-lógica que nos leva ao entendimento do que a coisa é (referente).

   Na parte gramatical; temos ortografia, sintaxe e semântica. Não me estenderei, mas seguindo no exemplo acima vemos que a frase "Nunca ouvi falar, mas não tem cabimento" tem ortografia correta, tem sintaxe correta, mas não tem semântica, entendimento. Semântica, neste sentido, confunde-se com o referente, com a parte analítico-lógica.

   Metonímia, no dicionário: “figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado”. Metonímia também é trocar uma ou mais palavras por outra(s) desde que entre essas palavras tenha uma relação de semelhança ao que a coisa é, ao referente. Signo, significado (e vários sentidos) e referente. Exemplo: “O cara lá está montado no ouro”. Você quis dizer que o cara lá é rico, tem dinheiro. Você trocou a palavra dinheiro pela palavra ouro, mas há uma relação de semelhança ao que a coisa é: ouro-dinheiro-riqueza. Outro exemplo: “Bebi uma garrafa de cachaça”. Você quis dizer que bebeu a cachaça da garrafa. Você não pegou o vasilhame de vidro ou plástico, moeu, misturou com o líquido e bebeu.

   Porém, até aí tudo bem, é entendível. São figuras de linguagem, mas por serem figuras de linguagem devem ser utilizadas com cuidado, com parcimônia, com economia. São recursos estilísticos da palavra falada e da palavra escrita. Caso você utilize muito figuras de linguagem na sua palavra falada ou escrita incorre-se no Raciocínio Metonímico. Você começa a trocar as palavras, troca o significado, troca o sentido e troca o conceito da coisa por palavras. Daí vem a confusão mental e você emburrece. Exemplo: trocar a palavra dinheiro pela palavra ouro; você repete muito isso e começa a pensar que ouro e dinheiro são a mesma coisa, mas na realidade você sabe que não são. Imaginem isso com várias palavras e expressões na mente de uma pessoa. É desta confusão mental que se fala.

   O problema de trocar conceitos por palavras é justamente este: confusão mental, emburrecimento. Arthur Schopenhauer em “Sobre a Quadrúplice Raiz do Princípio de Razão Suficiente” explicitou muito bem o problema de se trocar conceitos por palavras.

   Hugo Von Hofmannsthal, escritor austríaco, em seu livro Idéias Austríacas, Discursos e Ensaios, cunhou a frase: "Nada está na real política de uma nação que antes não esteja na literatura". Parafraseando Hugo Von Hofmannsthal: “Nada está na cultura de uma nação que antes não esteja na literatura”. Esta frase expressa, de certa maneira, o fenômeno do Raciocínio Metonímico. Contudo, ao chegar na linguagem da população os conceitos podem se perder em relação à linguagem do autor.

   Conceito é, grosso modo, aquela imagem mental abstrata que está na cabeça de quem está pensando, o ser humano. Ao externarmos um conceito em palavra falada ou escrita temos o significado em palavras, mas “por trás” sempre temos o conceito. Esvaziando-se a palavra de significado e de sentido, esvaziamos de conceito, trocamos conceitos por palavras. Pode acontecer de uma palavra virar um xingamento, mesmo não sendo. Todo escritor, com o tempo, passa a escrever de uma forma um pouco mais rebuscada, passa a utilizar palavras que não são coloquiais (as tais "palavras difíceis" que o Brasileiro gosta de repetir à boca cheia porque não sabe seu significado) e isso é natural, pois vai se ampliando o vocabulário e começa-se a utilizar as palavras certas nos lugares certos, porém, o(a) iletrada(o) quando as lê, interpreta de modo errado porque trocando as palavras ditas rebuscadas por palavras mais simples pode perder o entendimento, trocar o conceito. Aliás, "palavra difícil" não existe, o que existe são somente palavras cujo significado você não conhece porque é burro(a) e/ou soberba(o) demais para olhar num dicionário ou perguntar para alguém.

   Vou agora analisar outra figura de linguagem muito utilizada, o Eufemismo. Eufemismo é “palavra, locução ou acepção mais agradável, de que se lança mão para suavizar ou minimizar o peso conotador de outra palavra, locução ou acepção menos agradável, mais grosseira ou mesmo tabuística”. Exemplo: “O cara lá está faltando com a verdade”. Eu minimizei a gravidade da mentira contada pelo cara lá. E troquei as palavras "estar mentindo" por "estar faltando com a verdade". Vemos que o eufemismo, nesse sentido, está dentro da metonímia, é uma espécie da metonímia. Eu troquei as palavras “estar mentindo” por “estar faltando com a verdade”. Metonímia e eufemismo, enquanto figuras de linguagem, diferem em relação ao objetivo de cada uma.

   Temos também a Sinonímia: “qualidade das palavras sinônimas; relação de sentido entre dois vocábulos que têm significação muito próxima”. A sinonímia, ainda que não seja propriamente uma figura de linguagem, é também uma espécie da metonímia. Eu troco um sinônimo pelo outro. E pode acontecer que, pela semelhança das palavras ou pela semelhança do que a coisa é eu posso atribuir falsamente uma relação de sinonímia entre duas palavras que não são sinônimos: dinheiro por ouro. E mesmo duas palavras sendo sinônimas, ainda assim, cada uma delas carrega em si seu próprio significado e, a partir daí, o sentido de cada uma delas é diferente. O significado sempre é genérico e cada signo tem seu significado em palavras e, ao mesmo tempo, tem vários sentidos os quais podemos empregar cada palavra. Em qualquer dicionário vemos isso claramente.

   A base do Raciocínio Metonímico é a falta de conhecimento da linguagem e da língua e também é a repetição constante de tais palavras e/ou expressões.

   Grosso modo, Raciocínio Metonímico é essa trocança de palavras e expressões onde perde-se e/ou bagunça-se o referente. Não se sabe do que se está falando, distancia-se da realidade, o raciocínio fica subjetivo ao extremo. E, como se sabe, a Linguagem é subjetiva em si. Não tem como eliminar por completo a subjetividade da linguagem, mas por isso mesmo é preciso falar e escrever com clareza para diminuir ao máximo essa subjetividade.

   De acordo com Aristóteles e outros autores, temos os “nomes das coisas”. Isto veio da observação da realidade: todas as coisas têm um nome. E atrelado ao nome da coisa está o significado em palavras, seus sentidos e seu conceito. Exemplo simples: “Você tem um lápis aí?” De qual lápis estou falando? Ao mesmo tempo de nenhum lápis em específico e ao mesmo tempo do lápis que meu interlocutor tiver. Esta é a subjetividade da linguagem.

   Seguindo no mesmo exemplo, mas analisando por outro lado. Caso eu pegar um lápis na mão e perguntar: “O que é isto?” Provavelmente vocês responderão: “É um lápis”. Porém, eu não perguntei o nome desta coisa, perguntei o que é isto, o que é esta coisa chamada lápis? Para responder, vocês, provavelmente, terão que descrever e/ou definir esta coisa chamada lápis: um objeto físico com um bastão de grafite envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no papel. Aí está o significado genérico de lápis. Todos os lápis com grafite e madeira são assim. No meio disso você sabe que existem outros vários tipos de lápis. Caso eu falar de um lápis em específico aí estarei dando a definição dele com seu respectivo tamanho, sua respectiva cor, etc. As categorias com seus acidentes, predicados, atributos. Parte-se desta base. E base, neste sentido, significa que não é tudo, tem mais coisas em cima, mas é o início do raciocínio.

   Existem palavras (signos) que não tem um referente físico, são as coisas incorpóreas. Exemplos: liberdade, igualdade, fraternidade, etc. A esmagadora maioria das palavras (verbetes, signos) da Língua Portuguesa - e eu acredito que na maioria das línguas é assim - são, neste sentido, conceitos subjetivos. Subjetivo, neste caso, vem de “sujeito”, há muito do sujeito ao significar e/ou definir o conceito em palavras, o objeto é incorpóreo. Conceito objetivo, neste sentido, vem de objeto físico, corpóreo. O objeto físico se auto define, você extrai as informações físicas do objeto físico, o que é óbvio. Verbos, por exemplo, correr; "correr" é o signo cujo significado é "movimentar-se com velocidade" e seu referente é o que a coisa é na realidade: você vê alguém correndo na rua ou você mesmo está correndo. Toda palavra é um signo, mas nem todo signo é uma palavra. Um signo pode ser um gosto, um cheiro, uma cor, uma imagem, etc.

   Signo é uma coisa que simboliza outra coisa ou várias outras coisas, pois um mesmo signo pode ter um ou vários simbolismos associados a ele.

   Significado é significar um signo através de outros signos. No caso da Linguagem, significado é dizer o que é uma palavra através de outras palavras. O significado nem sempre reflete com exatidão o referente, pois todo significado é genérico. E dentro do significado temos os vários sentidos nos quais uma palavra pode ser empregada.

   Referente é o que a coisa é na realidade. Para sabermos o referente de um signo devemos raciocinar com os particulares e o geral (as partes que compõem o todo, as variáveis e constantes, etc).

   A língua é uma convenção e mesmo nos conceitos subjetivos expressados em palavras temos que evitar aumentar esta subjetividade senão cairemos no Raciocínio Metonímico. E pode acontecer que nos distanciaremos até da realidade física.

   Mentalmente, como esquema mental, temos pensamento, raciocínio, linguagem e comportamento. Mudando qualquer uma dessas coisas, muda-se automaticamente as outras. A mais fácil de mudar é a Linguagem. Numa sociedade leva-se tempo para mudar a Linguagem, mas mudando-a, muda-se as outras coisas.

   Nós, seres humanos, pensamos e/ou raciocinamos muito mais quantitativamente em palavras (signos). Pensamos e raciocinamos também por outras formas, conceitos, imagens, etc. Mas quantitativamente muito mais em palavras. E as palavras fazem parte da Linguagem. Exemplo: quando você está na aula com o professor ele está “dando aula”. Esse “dar aula” nada mais é do que ele estar falando, está introduzindo novos signos (palavras) na sua vida. Signo, significado (e vários sentidos) e referente.

   Então mudando-se a Linguagem, muda-se o pensamento e o raciocínio e, por conseguinte, muda-se o comportamento da sociedade. E podemos mudar tanto para melhor quanto para pior. Mudando a Linguagem para pior emburrece-se a sociedade como um todo. Terminamos falando a mesma Língua, mas não falamos a mesma Linguagem. Troca-se significados, sentidos e conceitos por palavras e a Linguagem não é somente palavras.

   Toda esta confusão na sociedade vem do Raciocínio Metonímico, esta trocança brutal e constante de significados, sentidos, conceitos que leva à perda do referente, leva à uma “fuga da realidade”. “Fuga da realidade”, neste sentido, é a confusão mental da qual mencionei antes. Essa falta de entendimento até nos diálogos mais simples da sociedade. Em diálogos um pouco mais complexos torna-se muito difícil ter um entendimento entre as pessoas, pois falam a mesma língua, mas não falam a mesma linguagem.

   E, como já foi dito, a Língua é uma convenção e você tem que aceitar isso. Não podemos ficar trocando os signos, os significados e os sentidos, isso leva à perda do referente, a um distanciamento da realidade.

   O nome deste objeto físico é lápis e você quer mudar isso por quê? Está convencionado que é lápis e tem um significado, vários sentidos e seu referente.

   Essa mudança constante e rápida da língua emburrece as pessoas na sociedade, muda o pensamento e o raciocínio e o comportamento. Nós nos comportamos, basicamente, de acordo com aquilo que pensamos e raciocinamos. Óbvio é que temos o comportamento em grupo e o comportamento individual, mas de qualquer maneira nos comportamos de acordo com nossos pensamentos e raciocínios, de acordo com aquilo que temos na cabeça.

   Essa trocança constante das palavras da linguagem causa emburrecimento, causa aversão ao conhecimento, causa perda do senso das proporções (falta de discernimento entre as coisas). Confunde-se Classificação com Relação com Comparação, etc, fica-se numa "pasta mental".

   Porém, vejam bem, "raciocínio metonímico" em si não é de todo errado, pois de uma maneira ou de outra sempre estamos sujeitos a trocar as palavras, muitas vezes até sem querer, por sinonímia. Outras vezes é necessário usar o raciocínio metonímico para explicar um conceito complicado com palavras simples, mas sem alterar o conceito e isso requer estudo e habilidade. O problema é quando vai se trocando as palavras sem saber o significado, os sentidos e o referente, o que a coisa é, a realidade.

   Para solucionar isso basta você ler, informar-se, comece por entender o significado e os sentidos dos signos (no caso, palavras). Sabendo o significado e os sentidos você estará apto a entender o referente.

   Exemplo; pessoas que falam: “Eu falo como eu quero”. Basta perguntar para essa pessoa: “Foi você quem inventou estas palavras: eu, falo, como, eu e quero?” Não foi, né? Caso você queira falar como você quer, então invente sua própria língua. Porém, a partir daí você não se entenderá com mais ninguém na sociedade.

   Pois é, imaginem cada indivíduo numa sociedade falando sua própria língua inventada por ele mesmo. E falar a mesma língua, mas não falar a mesma linguagem resulta quase no mesmo: confusão mental, Raciocínio Metonímico.

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terça-feira, 11 de maio de 2021

Sciênçia

   A ciência como a conhecemos hoje é um simulacro de religião na qual os cientistas são os profetas. É baseada única e exclusivamente na crença. Os cientistas e seus seguidores são os crentes fundamentalistas.

   Dou um exemplo real: as pessoas consomem remédios, vacinas, etc, da mesma maneira que consomem hóstias, sem saber o que tem dentro. E ainda comentam, até discutem dentro ou fora do templo chamado laboratório ou farmácia qual remédio é melhor, genérico ou de marca, qual laboratório é melhor e por aí vai. Porém, existe uma grande diferença entre comer uma hóstia e tomar uma vacina.

   Os "especialistas" e  "cientistas" tem alcance na grande propaganda (aquilo que chamam de grande mídia) e sua palavra vira dogma, transforma-se em doutrina na qual as pessoas acreditam bovinamente e quem não acredita é chamado de “fundamentalista” ou de herege... ops, é chamado de negacionista. Isso tem a ver pura e simplesmente com crença. A Sciênçia atualmente é uma seita, um culto.

   Vamos analisar crença, crença religiosa e ciência. São coisas distintas, diferentes entre si, mas estão interligadas.

   Crença: estado, processo mental ou atitude de quem acredita em pessoa ou coisa; é aquilo em que você acredita. Simples assim. Você acredita que este texto diante dos seus olhos existe, como de fato existe. Isto também é crença. Simples assim. Porém, você tem a comprovação dos seus sentidos, da sua percepção. Você não acredita que este texto existe simplesmente porque eu estou dizendo que ele existe. Este texto, após você o ler, fará um bem enorme para você... acreditou nisso simplesmente porque estou dizendo?

   Ou você, leitor, terminará o texto e somente depois julgará se lhe fez bem ou não?

   A ciência atualmente virou crença no sentido pejorativo. A mais baixa das crenças, nem crença religiosa é.

   Crença religiosa: refere-se aos dogmas e doutrinas de cada religião. Para você ter uma crença religiosa você deve obrigatoriamente conhecer os dogmas e doutrinas da sua religião para então acreditar neles, senão é uma crença pura e simples.

   E o que é Ciência?

   Vamos analisar. Começo no sentido do dicionário, qualquer dicionário: conhecimento atento e aprofundado de algo. No sentido etimológico: lat. scientìa,ae “conhecimento, saber, ciência, arte, habilidade”. Ciência também pode ser, basicamente, estar ciente das coisas, ter conhecimento e raciocínio. Ciência, em um outro sentido, é o entendimento do comportamento da realidade com tudo o que compõe a realidade: o mundo físico e a realidade das palavras.

   Exemplo de Ciência: a cozinha da sua casa é um laboratório científico. Quando você está cozinhando uma sopa, por exemplo, ou fazendo um bolo, você está praticando Ciência. Você está lidando com variáveis e constantes, está lidando com tecnologia, está fazendo experimentação, anotando dados, confrontando hipóteses, etc. Outro exemplo: fazer um churrasco com lenha é um tipo de tecnologia, churrasco com carvão é outra tecnologia, churrasco no fogão a gás ou forno elétrico já é uma tecnologia mais avançada em relação à lenha e ao carvão, mas a Ciência é a mesma: você está assando a carne através do calor. Não confunda Ciência com Tecnologia.

   O Grande Colisor de Hádrons (aquele laboratório em forma de túnel com 27 km de circunferência a 175 metros abaixo do nível do solo) é um laboratório científico tanto quanto a cozinha da sua casa. Óbvio que a tecnologia do GCH é “um pouquinho” mais avançada do que a sua cozinha, mas tanto em um como na outra pratica-se Ciência. Cada qual com a sua tecnologia. Da Ciência resultam novas tecnologias.

   Nunca estive fisicamente no GCH, mas acredito que ele exista, esta é uma crença minha. Já a cozinha aqui de casa, para eu, não é uma questão de crença.

   Não falarei aqui dos tais métodos científicos, pois existem inúmeros bem como existem inúmeros dogmas e doutrinas de cada religião.

   A Ciência foi contaminada pela falta de moral e transformou-se em sciênçia. E foi contaminada pela falta de moral porque separaram Ciência daquilo que chamam de Religião e daí criaram inúmeras religiões e depois vieram inúmeras ciências, mas o básico foi completamente perdido: cada indivíduo deve estar ciente das coisas e deve praticar Ciência e ter a sua Religião.

   Religião: crença na existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do ser humano e ao qual se deve respeito e obediência; sistema de doutrinas e dogmas segundo uma determinada concepção. Adoto aqui também “religião” no sentido de religar com Deus.

   Vemos que Ciência e Religião são inseparáveis na realidade, pois tanto uma quanto a outra dependem, na sua base, da crença.

   Você pode ser um cientista ateu, mas esta é a sua crença: você acredita que Deus não existe, é nisto que você acredita. A partir daí a ciência passa a ser sua “religião” à qual você não chama de religião, chama de sciênçia e, por conseguinte, começa a sair da realidade das palavras.

   Deus existe ou não?

   Não sei, mas pelo menos eu levo em consideração as duas hipóteses; e nós dois, eu e você, não temos condições, nem científicas, de provar se Deus existe ou não existe. Por levar em consideração as duas hipóteses tenho mais Ciência do que você. E não preciso provar que Deus existe ou não; somente preciso provar que eu acredito em Deus.

   É uma questão de fé. E fé engloba Crença, Crença Religiosa e Ciência.

domingo, 9 de maio de 2021

Retórica

 Perguntaram-me o que é retórica. Então vamos lá, investigar o que é esta coisa chamada retórica.

Vamos começar pelo significado de um dicionário: "a arte da eloquência, a arte de bem argumentar; arte da palavra". O significado te dá uma boa idéia sobre o que a coisa é, mas não é tudo. Todo significado é genérico.

Vamos puxar Aristóteles, por que não?

“A Retórica é outra face da dialética; pois ambas se ocupam de questões mais ou menos ligadas ao conhecimento comum e não correspondem a nenhuma ciência em particular”.

Considero que Retórica é muito mais aprazível com o que a Irmã Miriam Joseph escreveu no Trivium.

Apesar de que a Irmã Miriam se baseou em Aristóteles, hão algumas diferenças.

Coloco o que está no Trivium:

As artes da linguagem e a realidade

A três artes da linguagem podem ser definidas conforme se relacionam com a realidade e entre si. A metafísica ou ontologia, a ciência do ser, trata da realidade, da coisa tal como ela existe. A lógica, a gramática e a retórica têm as seguintes relações com a realidade.

A lógica trata da coisa tal como ela é conhecida.

A gramática trata da coisa tal como ela é simbolizada.

A retórica trata da coisa tal como ela é comunicada.

Exemplo: A descoberta do planeta plutão, em 1930, ilustra a relação entre a metafísica e as artes da linguagem. O planeta plutão já era uma entidade real, percorrendo a sua órbita em torno do sol havia muitos e muitos milênios, por nós desconhecido e, portanto, sem nome. A sua descoberta em 1930 não o criou; porém, ao ser descoberto, tornou-se uma entidade lógica. Quando lhe foi dado o nome Plutão, tornou-se uma entidade gramatical. Quando, por seu nome, o conhecimento dessa entidade foi comunicado a outros através da palavra falada e escrita, o planeta Plutão tornou-se então uma entidade retórica.

Vemos, então, que a retórica é fortemente ligada ao que a coisa é tal como ela é conhecida, ou seja, a retórica consiste em falar a verdade com boas palavras.

Há uma diferença entre retórica, oratória e eloquência.

Grosso modo, retórica é falar bem e com conteúdo, falar a verdade.

Oratória é falar bem, mas às vezes com conteúdo, às vezes não.

Eloquência é falar muito.

Eu posso ser retórico e eloquente, tanto como posso ser um bom orador e eloquente.

A retórica é fortemente ligada à verdade. Retórica é você falar a verdade com as palavras certas.

As pessoas confundem retórica com oratória. Um bom orador fala bem, mas nem sempre fala a verdade.

Eu posso falar durante seis horas sem ser retórico, tanto como posso falar durante seis horas sendo retórico falando a verdade. Em qualquer dos casos fui eloquente. E posso falar 10 minutos sendo retórico ou sendo orador.

A retórica é falar a realidade com boas palavras numa linguagem correta. É falar a verdade de modo claro.

Tem mais coisas além disso, mas de um modo simples, básico e claro, retórica é isso.

terça-feira, 4 de maio de 2021

A Educação da Inteligência

   Começo com o significado de Inteligência do dicionário: “faculdade de conhecer, compreender e aprender”. Lembrando que o significado de um signo é somente significar um signo através de outros signos, grosso modo, dizer o que uma palavra significa através de outras palavras. Até este momento estamos somente no campo das palavras, o significado nos dá uma boa idéia do que a coisa é, mas o significado não é tudo. Para entendermos o referente do nome da coisa Inteligência devemos pensar, imaginar e raciocinar. Posso agora falar sobre “as partes que compõem o todo” ou “os particulares e os gerais” que, apesar de não serem a mesma coisa, representam, neste momento, o mesmo entendimento.

   Analisando a coisa que leva este nome Inteligência podemos identificar algumas partes que a compõe: percepção, raciocínio, conhecimento, memória e mais algumas partes que dependem de uma análise mais profunda. No processo intelectivo, às vezes saímos do “todo” e vamos identificando as “partes”, às vezes vamos identificando as “partes” para chegar no “todo” e, no meio disso, identificamos entre as partes uma escala de prioridades, ou seja, uma parte é mais significativa do que outra. Porém, todas as partes são importantes, caso tirarmos uma delas o todo pode se desmontar. Claro que isto não é uma regra rígida, é somente um esquema mental, uma base para se iniciar o raciocínio de um pensamento um pouco mais complexo. Em pensamentos mais simples não se faz necessário todo esse esquema mental.

   Às vezes saímos do geral e vamos aos particulares, às vezes saímos de um particular para se chegar ao entendimento do geral e voltamos a outro particular e assim vamos indo até chegarmos a um entendimento mais próximo do geral (ou do todo, neste caso). É como um raciocínio em espiral - ou uma cadeia de espirais - onde partimos dos conceitos básicos e vamos avançando no raciocínio e voltamos a algum conceito básico e assim vamos indo até se chegar mais próximo do que a coisa é.

   No seu significado mais simples, a educação intelectual é o esclarecimento da faculdade de pensar. Essa faculdade é chamada de inteligência. Aqui faço um adendo: um bebê na barriga da mãe começa, geralmente, a ter ondas cerebrais a partir da 8ª semana de gravidez, então o bebê já está pensando. Como o bebê pensa, não se sabe, mas tendo ondas cerebrais então já está pensando. Já nascemos sabendo pensar. A frase: “precisamos aprender a pensar” não é correta. O correto é “precisamos aprender a raciocinar”, pois o raciocínio é a concatenação lógica de pensamentos, um pensamento organizado logicamente após o outro; e expressamos nossos pensamentos e raciocínios muito mais através da palavra falada e da palavra escrita do que de outros modos de expressão. A importância da linguagem.

   Essa faculdade chamada inteligência, geralmente, também é considerada como a potência espiritual e cognitiva da alma. Sendo espiritual, é intrinsecamente independente da matéria nas suas operações. Isso não é negar a sua independência extrínseca da matéria, como que uma condição para a inteligência fazer surgir o ato do conhecimento. Pela sua função cognitiva está implícita a operação mental pela qual se toma consciência dos objetos do pensamento, ou seja, a percepção. Pela operação dessa faculdade, adquire-se o saber, a verdade e a certeza.

   A palavra inteligência tem origem em dois termos latinos: “intus”, que significa dentro e “legere”, que significa ler. O termo refere-se à faculdade ou poder que o ser humano tem de penetrar o sentido íntimo das coisas. Coisa, significa tudo o que existe ou possa existir, de natureza corpórea ou incorpórea. Tudo no mundo, neste sentido, são coisas e tem um nome. Em um dos sentidos filosóficos, coisa é tudo aquilo que há ou existe. Tudo que existe refere-se às coisas corpóreas e tudo que há engloba coisas corpóreas e incorpóreas. Coisas corpóreas são as que existem fisicamente no mundo. Coisas incorpóreas são tudo que não existe fisicamente no mundo. Exemplo, um lápis existe fisicamente e há; liberdade não existe fisicamente, mas há. Lápis e liberdade são nomes de coisas. Um lápis - ou outro objeto físico - ele há e existe. Ele existe fisicamente e há enquanto conceito. Liberdade - ou outro objeto incorpóreo - não existe fisicamente, mas sabemos que existe essa tal liberdade na realidade. E para comunicarmos tudo isso nos expressamos em palavras. Tendo isso por base podemos perceber que a esmagadora maioria das palavras existentes em qualquer língua são, neste sentido, conceitos subjetivos, somente hão, mas não existem fisicamente como objeto físico. Aí está a subjetividade intrínseca da linguagem. Exatamente por isso precisamos falar e escrever de forma clara.

   Lembrando que “conceito objetivo”, para o nosso entendimento aqui, refere-se a objetos físicos, o objeto físico se auto-define, extraímos as informações dele. Objetivo vem de objeto físico. E “conceito subjetivo” vem de sujeito, tem muito do sujeito ao significar e/ou definir o objeto incorpóreo (não-físico). A palavra “objeto” não significa somente objeto físico, pode ser também “objeto de estudo”. Por exemplo: “Vamos estudar o que é esta coisa, o que é este objeto chamado Liberdade”. Óbvio é, também, que podemos dar em palavras uma definição objetiva de um conceito subjetivo, mas aí estamos falando de “definição em palavras” e não de conceito: imagem mental abstrata.

   A inteligência pode ser especificamente definida como a faculdade espiritual, de caráter supra-orgânico, pela qual as coisas são conhecidas e entendidas de maneira imaterial. Por “faculdade” entende-se o poder particular ou capacidade para a atividade. “Faculdade espiritual” implica que a inteligência não é uma faculdade do corpo (uma vez que não há um órgão corporal específico que seja o instrumento estrito de sua operação), porém uma faculdade ou poder da alma. Por isso a inteligência é uma “potencialidade” ou “capacidade” daquele princípio espiritual de vida, duradouro, substancial, indivisível, chamado a alma.

   O ato característico da inteligência é chamado intelecção. Intelecção significa as funções mentais de formar idéias, juízos e os processos de raciocínio. É de notar-se que, no juízo e raciocínio, a idéia ou o conceito é o elemento fundamental. Não entrarei aqui na “Essência do Fundamento” ou no “Princípio de Razão Suficiente”, pois tomaria muito tempo.

   O trecho a seguir, entre aspas triplas, foi tirado do livro “Filosofia da Educação” de John D. Redden e Francis A. Ryan, Editora agir, 2ª edição, 1961. Porém, boa parte deste texto veio dos conceitos apresentados no capítulo “A Educação da Inteligência” do mesmo livro.

   “’A intelecção abrange o conceber, o julgar, o raciocinar. O cérebro é considerado a sede dos sentidos externos e o órgão dos sentidos internos: memória, imaginação, sentido comum (central ou sintético) e instinto. Assim, pode-se dizer que a sensação se concentra no cérebro. A inteligência despoja a representação sensorial, geralmente chamada de aparência, dos seus característicos materiais e individualizadores, espiritualizando-a, abstraindo a essência e assim formando as idéias. Depois de a inteligência conseguir as percepções, os conceitos, as idéias, passa a realizar suas funções de juízo e raciocínio.

   A inteligência possui a capacidade de conhecer e compreender as entidades não materiais, tais como Deus, alma, virtude, beleza, valores, verdade, patriotismo. Pode também aprender as qualidades abstratas das entidades não materiais, de maneira não material, como, por exemplo: dureza, suavidade, tamanho, os atributos de bom ou mau dos objetos. A inteligência tem, pois, a capacidade de fazer abstrações; em outras palavras, de formar as idéias universais. Assim agindo, a inteligência não está intrinsecamente dependente de qualquer órgão corpóreo específico. Entretanto, como o ser humano não é apenas alma, nem apenas corpo, mas corpo e alma em união substancial, o ser humano está extrinsecamente dependente e o conhecimento do ser humano tem sua origem nos órgãos sensoriais. O velho ditado - Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu (Nada está na mente que antes não tenha passado pelos sentidos) exprime a origem sensorial do conhecimento e a dependência extrínseca da inteligência, em certo grau, do corpo para a origem das idéias ou “matéria-prima”. Tal dependência não é produzida pelo corpo nem dele é intrinsecamente dependente.

   O primeiro ato da inteligência é chamado simples percepção ou conhecer. Consiste na formação de conceitos ou idéias. Em outras palavras, a inteligência percebe a realidade e torna as idéias conforme a essa realidade. Já que a função da inteligência é atingir a verdade, o conhecimento, pode-se dizer que a inteligência admite essa realidade representativamente, de conformidade com sua função e sua natureza própria. Forma em si uma verdadeira representação ou semelhança da realidade que existe fora de si mesma. A observação da realidade.

   Antes de entrarem na inteligência as representações de um objeto material, a sua aparência ou a sua representação cognitiva deve ser modificada pela inteligência, pois esta é substância espiritual. Segue-se, pois, que a inteligência tem duplo poder: um ativo e outro passivo, chamados, respectivamente, a inteligência ativa ou intellectus agens e inteligência passiva. Essas expressões não implicam duas inteligências distintas, mas capacidades diferentes de uma mesma inteligência.

   1 - A inteligência ativa extrai da aparência a essência; em outras palavras, inicia o trabalho de tornar inteligíveis ou compreensíveis os objetos que os sentidos lhe apresentam na sua aparência.

   2 - A inteligência passiva apreende, possui, compreende, interpreta e modifica aquele conhecimento que a “inteligência ativa” apresenta. O termo “passiva” não implica que a inteligência seja em si mesma passiva e inerte. Ao contrário, o termo subentende uma resposta ativa por parte da inteligência àquilo que é chamado o “conhecimento supra-sensível” que lhe é apresentado. Em outras palavras, a inteligência ativa, agindo de acordo com sua natureza, extrai a essência do conhecimento (aparência, percepção, imagem), que lhe é apresentado, e a inteligência passiva forma um conceito ou idéia. É, pois, a inteligência passiva que formalmente compreende.

   Em resumo, pois, o termo “inteligência ativa” significa a capacidade da inteligência em abstrair a essência da aparência; o termo “inteligência passiva” significa que a inteligência é capaz de ser atendida.

   Quando se fala de inteligência ativa e de inteligência passiva, não se deve supor, ainda que momentaneamente, que seja necessário inferir uma distinção realmente entre as duas; ou que signifique que haja duas divisões ou partes da inteligência. Já que a inteligência é a potencialidade ou faculdade do princípio de vida no ser humano, estável, substancial, individual, isto é, a alma humana, não pode dividir-se, porque sua potencialidade deve ser da mesma natureza da própria alma, que é entidade espiritual e da qual a inteligência é uma manifestação. É de observar-se, pois, que a inteligência age como um todo completo ao formar idéias ou conceitos e que age de acordo com sua natureza e função particulares ao produzir esses conceitos.

   A formação da idéia é conhecida como a simples percepção. É uma operação primária e função da inteligência. A segunda operação da inteligência é o ato pelo qual a mente percebe a identidade ou diversidade dos objetos de duas simples percepções; isto é chamado o juízo, ou a formação de um juízo. A terceira e última operação é o raciocínio.

   A inteligência funciona, pois, de maneira tríplice: 1) na formação e apreensão do conceito; 2) na elaboração do juízo; 3) no processo de raciocínio’”.

   Exemplificando. Imaginemos dez pessoas em linha, uma ao lado da outra, olhando para uma mesma árvore sob o mesmo ponto de vista. O processo de formação e apreensão do conceito dessa árvore será o mesmo para essas dez pessoas, grosso modo, o conceito estará na mente de cada uma das dez pessoas. A elaboração do juízo desta árvore poderá ser um pouco diferente para cada uma dessas dez pessoas. O processo de raciocínio poderá ou não ser diferente em cada uma dessas dez pessoas.

   Caso der uma folha de papel e uma caneta para cada uma dessas dez pessoas e pedirmos para elas descreverem e definirem o objeto que estão vendo (a árvore), ou podemos pedir para elas expressarem verbalmente o que estão vendo, tanto faz; ao final do exercício teremos dez textos (escritos) ou discursos (falados) que não serão exatamente iguais e nem totalmente diferentes entre si. Uma pessoa poderá descrever a árvore, por exemplo, como tendo folhas verdes; outra poderá descrever como tendo folhas verdes escuras. Essas diferenças vêm, basicamente, do processo de raciocínio de cada uma, da percepção de cada uma, da linguagem de cada uma, etc.

   Acredito que através deste texto ficou um pouco mais claro como funciona a inteligência do ser humano e como ela pode ser educada. Claro que não tenho a pretensão de encerrar o assunto aqui, pois há mais coisas, esta é somente uma base.
   Aconselho a conhecer o De Anima, de Aristóteles e o Tratado sobre o Homem, de Santo Tomás de Aquino (Questão XCIII (93), artigos 1 a 9), onde o leitor terá uma boa base sobre o assunto.