Debruçar-me-ei e labutarei sobre a Paralaxe Cognitiva. Este é um fenômeno estudado pelo Olavo de Carvalho. Ele define como “o deslocamento entre o eixo da experiência real do indivíduo e o eixo da construção teórica”.
Olavo nos explica que a Paralaxe Cognitiva não tem muito a
ver com hipocrisia ou a canalhice, mas pode levar à hipocrisia e à canalhice.
Paralaxe: “deslocamento aparente de um objeto quando se muda
o ponto de observação”.
Cognitivo: “relativo ao conhecimento, à cognição”.
Grosso modo, o “eixo da construção teórica” é o que a pessoa
tem na cabeça, os conceitos, as definições, os significados, os sentidos, os
referentes. É o que a pessoa entende a respeito das coisas do mundo. Na
paralaxe cognitiva esse entendimento está deslocado da realidade das coisas.
Tomarei como base também a frase do poeta austríaco Hugo von
Hofmannsthal: “‘Nada é real na vida política de uma nação, que não estivesse antes
presente em sua literatura”, sentença esta também citada pelo Olavo (Hugo von
Hofmannsthal and the Austrian idea: selected essas and adresses, página 159). Mas
vou parafraseá-la: “Nada está na cultura de uma nação, que não estivesse antes
presente em sua literatura”.
Porém, a minha abordagem será para investigar o que acontece
entre a literatura até chegar na cultura de uma nação, até se popularizar,
vamos dizer assim. E, como, de que maneira chega na população, o que acontece no
meio, pois os autores tem um estilo literário (uma forma de escrever) diferente
da maioria da população. E, como sabemos, apesar de que a forma da escrita e da
fala da língua formal seja diferente da língua coloquial, muitas vezes a língua
e a linguagem mudam, mas o conceito permanece.
Em outros escritos, com base em autores consagrados,
discorro sobre conceito, definição, signo, significado (com seus vários
sentidos) e referente, então não me deterei nesta parte. E, já vimos, também,
com Aristóteles e Arthur Schopenhauer, além de outros não menos importantes, o
problema de se trocar conceitos por palavras. E, já vimos, também, com Olavo de
Carvalho, de onde vem o “raciocínio por chavões” ou o “raciocínio metonímico”
que, de certa forma, decorre da troca de conceitos por palavras e, no meu modo
de raciocinar, resulta na Paralaxe Cognitiva.
Porém, a Paralaxe Cognitiva da qual o Olavo fala, está lá em
cima, ele aborda os autores conhecidos e/ou consagrados e a minha abordagem
procura trazer aqui embaixo para nós, a população. Como o Olavo ainda está
investigando o fenômeno da Paralaxe, também estou investigando, como não poderia
deixar de ser diferente.
Então, a minha abordagem é de baixo para cima e a do Olavo é
cima para baixo, vamos dizer assim. Talvez, em algum momento, nos encontremos
no meio do caminho.
Eu parto do signo, significado (vários sentidos) e
referente, eu parto da língua e da linguagem e, desta base, vou subindo. Porém,
tem vários conceitos que o próprio Olavo expressa de maneira simples, ou seja,
ele “pega” o conceito de outros autores e conceitos dele mesmo e traduz numa
linguagem simples que todo mundo entende sem distorcer o conceito. Isto é
muito importante, pois muitas vezes entendemos conceitualmente o que
determinado autor quis expressar, mas não conseguimos traduzir em palavras, e,
algumas vezes, conseguimos traduzir em palavras simples, mas distorcemos o
conceito original. Às vezes não distorcemos completamente, alguma coisa
permanece, mas no todo se perde boa parte do conceito original.
Por exemplo: quando estudamos os Princípios da Lógica Formal
(Identidade, Não Contradição e Terceiro Excluído) podemos entendê-los, mas na
hora de explicar nos perdemos em palavras; e em Mário Ferreira dos Santos, no
seu tratado Lógica e Dialética, encontramos tais conceitos explicados numa
linguagem simples e fácil de entender sem que o conceito se distorça.
Certos autores têm e/ou adquirem essa habilidade de “pegar” conceitos complicados e traduzi-los de uma forma fácil em uma linguagem simples e acessível sem distorcer o conceito. Óbvio é que hão certos conceitos que não são possíveis de explicar numa linguagem simples, como certos conceitos metafísicos. Aí entra o senso das proporções, o discernimento em saber quando é um e quando é outro, como já vimos também.
Um bom exemplo – e até corriqueiro – é quando
as pessoas dizem com relação ao Olavo: “Esse cara consegue dizer exatamente o
que eu penso”. Isto significa que o Olavo, pelo seu conhecimento e estudo, adquiriu essa habilidade (e/ou uma boa parte dessa habilidade nasceu com ele),
e ele tem essa facilidade de traduzir conceitos complicados para uma linguagem
simples sem distorcer o conceito.
Insisto neste ponto “traduzir conceitos complicados para uma
linguagem simples sem distorcer o conceito” porque não é coisa fácil: requer
estudo, raciocínio, “queimar a mufa”, aprimorar os neurônios e suas sinapses, etc.
Vamos tomar como exemplo o seguinte texto de Kant:
“Há
por fim um imperativo que, sem se basear como condição em qualquer outra
intenção a atingir por um certo comportamento, ordena imediatamente este
comportamento. Este imperativo é categórico. Não se relaciona com a matéria da acção e com o que dela
deve resultar, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva; e o essencialmente bom na acção reside na disposição (Gesinnung)
(*), seja qual for o resultado. Este imperativo pode-se chamar o
imperativo da moralidade.
(*)
A palavra prudência é tomada em sentido duplo: ou pode designar a prudência nas
relações com o mundo, ou a prudência privada. A primeira é a destreza de uma
pessoa no exercício de influência sobre outras para as utilizar para as suas
intenções. A segunda é a sagacidade em reunir todas estas intenções para
alcançar uma vantagem pessoal durável. A última é propriamente aquela sobre que
reverte mesmo o valor da primeira, e quem é prudente no primeiro sentido mas
não no segundo, desse se poderá antes dizer: é esperto e manhoso, mas em suma é
imprudente. (Nota de Kant.)” Fundamentação da Metafísica dos Costumes, página 52,
tradução de Paulo Quintela.
Não me deterei aqui na tradução utilizada, apesar de que a
tradução de uma obra é coisa importantíssima, pois representa o entendimento final
da obra do autor para quem está lendo.
Kant nos escreve ao final: “Este imperativo
pode-se chamar o imperativo da moralidade”. Percebam que ele,
através das palavras, transforma o imperativo categórico em imperativo da
moralidade, mas nos diz que “pode-se chamar”, não nos afirma que o imperativo
categórico é o imperativo da moralidade. Fazendo isso ele distorce os dois
conceitos ao mesmo tempo. Caso ele tivesse escrito: “O imperativo categórico é
o imperativo da moralidade” o nosso entendimento seria diferente, mas, ainda
assim, ele teria distorcido os dois conceitos. Então, através das palavras
posso conduzir o leitor a uma conclusão falsa, o que é óbvio, pois as palavras
são importantes. Já vimos também a importância da linguagem com tudo o que
decorre dela.
Mas vamos a um exemplo mais simples: “Bebi
uma garrafa de cachaça”. Quando escrevo ou falo isso não estou dizendo que
peguei o vasilhame de vidro ou plástico, moí, misturei com o líquido e bebi. Estou
dizendo que bebi a cachaça que estava dentro da garrafa. O conceito da frase “Bebi
uma garrafa de cachaça” como um todo, de certo modo, permanece o mesmo, todo
mundo entenderá. A frase em questão é uma metonímia (figura de linguagem), cuja
explicação já vimos também.
Então, de certo modo, Paralaxe
Cognitiva na minha abordagem, tem muito a ver com signos, significados (e vários
sentidos) e o referente, conceitos estes que o Olavo também nos traz muito.
Estes conceitos, definições, significados, etc, referem-se, basicamente, à
linguística.
Para expressarmos um conceito,
expressamo-lo através da palavra falada e da palavra escrita. Língua é a Língua
Portuguesa, a Língua Inglesa, a Língua Francesa, etc. Linguagem engloba a
língua, todo signo tem um conceito, um significado, uma definição e, de acordo
com seu sentido, tem seu referente que forma a mentalidade de uma nação que
fala a mesma língua.
Percebam que, para o leitor entender do
quê estou falando, há certos conceitos, definições, significados, etc, que são
necessários para o entendimento deste texto.
Acredito eu que a Paralaxe Cognitiva
começa, basicamente, neste ponto: nos conceitos básicos e em saber expressá-los através da língua
e da linguagem. Isto nos remete à educação básica e ao ensino básico (lembrando que educação e
ensino são coisas diferentes). Já vimos também o que é coisa tanto no
seu significado básico do dicionário como no seu sentido filosófico.
A partir deste ponto podemos perceber
(eu e o leitor) que se faz necessário certos conceitos básicos para o
entendimento entre nós, seres humanos, senão terminaremos por falar a mesma
língua, mas não a mesma linguagem e não nos entenderemos.
O referente já vimos o que é,
mas vamos retornar, porém, antes se faz necessário explicar a forma do raciocínio, como o Olavo diz: “vamos num raciocínio em espiral, uma cadeia
de espirais, onde vamos avançando no raciocínio e muitas vezes voltamos a um
conceito básico para avançar no raciocínio, formando uma cadeia de espirais”. Ele
não diz exatamente com essas palavras, mas o entendimento é esse, dada ser uma
coisa simples de entender.
Então, o referente é o que a
coisa é na realidade. Já vimos tudo isso. E quando não conseguimos expressar o
conceito que temos na cabeça de acordo com a realidade na qual vivemos, quando
não conseguimos expressar o referente ou captar o referente, então temos Paralaxe
Cognitiva, ou seja, o que temos dentro da nossa cabeça não corresponde à experiência
real. E a base é signo, significado (vários sentidos) e o referente.
Um exemplo simples, corriqueiro até,
mas que aconteceu na realidade aqui no Brasil. Na CPI da Covid feita pelo
Senado Federal teve um senador que não sabia o significado do signo (palavra,
no caso) “compulsoriedade”. Na cabeça dele “compulsoriedade” significava “aleatoriedade”.
Ele estava falando da “vacinação compulsória”, porém, na cabeça dele essa expressão
significava “se vacina quem quiser”. O estrago causado por esse tipo de coisa é
imenso, pois este senador defenderá a compulsoriedade da vacina e aprovará o
projeto de lei acreditando no contrário: “se vacina quem quiser”. O referente
está deslocado do eixo da construção teórica dele, a realidade está deslocada
do eixo da construção teórica dele.
Teve outro senador que escreveu na rede
social Tweeter: “Não tenho substantivos para qualificar este governo”. Não tem
mesmo, pois um substantivo não qualifica nada, quem faz isso é o adjetivo. De
novo, a construção teórica dele está deslocada da experiência real porque ele não sabe o que é substantivo nem o que é adjetivo.
Imaginem isso com várias, inúmeras
palavras e expressões que as pessoas tem na cabeça e não sabem sequer o
significado. E se não sabem o significado como saberão identificar o referente?
Não saberão.
Claro que há mais coisas nessa
investigação. Alguém poderá pensar agora: “Ah, mas só porque ele não sabe o
significado de uma palavra (signo), não significa que tenha Paralaxe Cognitiva”.
Porém, não é disto que se trata, além disso, como já vimos, perceberam o
estrago causado por não saber o significado de uma simples palavra como “compulsório”?
E como eu já disse, imaginem isso com
vários signos (palavras, no caso), significados, sentidos, etc, que compõem a
mentalidade da pessoa.
Neste ponto, estamos tratando aqui da “aversão
ao conhecimento”, conceito bastante utilizado pelo Olavo. Acredito que a “aversão
ao conhecimento” do Brasileiro começa nos conceitos básicos, começa em sequer
querer saber o significado das palavras; e assim o Brasileiro vai compondo a
sua mentalidade tentando adivinhar o referente das coisas, distanciando-se da
realidade.
Já vimos e demonstramos também que a
língua em si é uma convenção, mas a linguagem não é estritamente uma convenção,
a linguagem tem nuances que vem, basicamente, dos sentidos de cada significado.
E de acordo com o sentido no qual empregamos uma palavra, o entendimento da
frase muda, o referente muda um pouco. Sentidos são significados um pouco mais
específicos. Todo significado é genérico.
Por exemplo: “Aquela pessoa tem
inteligência” e “Aquela pessoa trabalha em uma agência de inteligência”. O
signo é o mesmo: Inteligência, porém, este signo foi empregado em dois sentidos
diferentes. Pelo simples fato de eu dizer que “Aquela pessoa trabalha em uma
agência de inteligência” não significa propriamente que estou dizendo que
aquela pessoa é inteligente, enquanto que, na outra frase eu estou afirmando
que aquela pessoa é inteligente. Simples assim.
Para não me estender, pois este é
somente um prolegômeno, vou encerrando por aqui para não ficar muito extenso,
mas esta investigação continua.