sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Brincadeiras com o Olavo

     O professor Olavo de Carvalho erra ao dizer que diploma acadêmico não tem importância. Na sociedade atual tem importância sim. Entendo que ele privilegia o autodidatismo, que ele privilegia o conhecimento e critica quem tem diploma e não tem conhecimento; este é falha grave de quem se enfiou nos estudos acadêmicos.
     Mas é possível ter os dois! Talvez ele concordará comigo nessa exclamação e, tomado por um êxtase de humildade, aprenderá uma coisa nova. O modo como ele expõe o conhecimento em detrimento de um certificado e/ou diploma acadêmico leva os jovens a terem nenhum dos dois. Ser um autodidata implica rigorosa disciplina, coisa que os jovens brasileiros não têm. Se o povo brasileiro é o povo mais burro e violento do mundo - como ele mesmo afirma -, como um indivíduo pertencente a esse tipo de povo terá disciplina para aprender sozinho? Isso é coisa que me escapa.
     Que o ensino brasileiro é muito ruim todos nós concordamos, porém, como disse o professor Enéas Carneiro: “Prefiro a escola do que a não-escola”. Entendo que o professor Olavo está numa batalha justa contra a ignorância brasileira, ignorância esta aliada fortemente a uma baixa autoestima. O brasileiro possui baixa autoestima e ego exacerbado, aquela desemboca neste e, por conseguinte, na ignorância. Paradoxos da vida.
     Os Brasileiros, contudo, apesar de terem reações que vão do desdém soberano à paixão facciosa, somos um povo único, diferente dos outros povos, nem melhor nem pior, apenas diferente. Nós possuímos um predicado singular que deve ser entendido para compreensão do modo de vida que torna os Brasileiros diferentes dos nossos semelhantes. Na verdade, todos os aspectos de vida tipicamente Brasileira derivam deste fato único e central: — O povo Brasileiro é o filho rebelde de Deus.
     Mas é rebelde no sentido de querer sempre melhorar sua relação com Ele e, como todo o mundo sabe, o filho rebelde é sempre bem quisto - e é sempre o escolhido para as missões mais difíceis.
     A abordagem psicológica empregada pelo professor Olavo em afetar profundamente o ego e o âmago dos brasileiros no sentido de causar um choque para que a pessoa comece a pensar que chegou no “fundo do poço” da burrice e, a partir daí tem somente que subir, é meio estranha. Como essas pessoas começarão a subir se não tem conhecimento para tal? Se sequer sabem qual o caminho da saída do poço? E se as pessoas começarem a cavar mais fundo ainda se enterrando num lamaçal de ignorância?
     O objetivo desta técnica é destruir as "vacas sagradas" (objetivo este alcançado com algum êxito), porém, o próprio Olavo está se tornando uma "vaca sagrada" da direita. Mas considero que, quando se destrói alguma coisa, neste caso em específico, é preciso colocar outra coisa em seu lugar. E o que o professor Olavo está colocando no lugar são os clássicos resgatando a literatura e tentando reverter o processo da ignorância. Reverter, aqui, no seu sentido original (retornar à condição inicial) e não no sentido de retrocesso. E isto faz do professor Olavo um educador progressista, pois a palavra progresso tem o sentido de “movimento para a frente”. Ironias da vida.
     Outra coisa: se as universidades brasileiras produzem em série não sei quantos “analfabetos funcionais” por ano e devemos nos manter longe delas, então a definição de “ocupação de espaços” foi para as cucuias. Eu não vislumbro como alguém pode ocupar um espaço em um lugar onde esse alguém será transformado em um “analfabeto funcional”. É meio contraditório isso. É como falar para alguém: “Se tu entrar para a universidade tu ficará burro, mas tu deve entrar para ocupar espaço”. Esta será tua função: fazer número, ocupar espaço. Além disso, pergunto: se um diploma não vale nada - é somente papel - entrar na universidade para quê? Para ter papel? Respondo: quando alguém quer papel, seja ele higiênico ou não, comprará num estabelecimento comercial para este fim.
     Espero que o professor Olavo tenha algum plano paralelo ao plano de formar uma intelectualidade brasileira séria e competente, pois senão criará uma elite iluminada; mais uma além das tantas e tantas que se arvoraram “salvadores dos oprimidos” na história da humanidade. Por outro lado, pelo menos ele está fazendo alguma coisa além de somente criticar quem faz alguma coisa. Uma no cravo, outra na ferradura (é assim que se ferra um cavalo e, porque não dizer, um asno).
     O básico de toda intelectualidade, penso eu, é simplesmente a honestidade de caráter e a coerência, aquelas mesmas que Jesus Cristo deixou para todos nós. É a força moral contra qual nenhum mal pode. Sei que é difícil adquirir. No entanto, essas coisas adquirem-se na prática diária, nas chamadas coisas simples, corriqueiras, nos detalhes, mas que na verdade não são simples nem corriqueiras e nem são detalhes. São importantes. Muito importantes. São essas coisas que fazem a vida de cada um.
     “Por conseguinte, as ações são chamadas justas e temperantes quando são tais como as que praticaria o homem justo ou temperante; mas não é temperante o homem que as pratica, e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e temperantes. É acertado, pois, dizer que pela prática de atos justos se gera o homem justo, e pela prática de atos temperantes, o homem temperante; sem essa prática, ninguém teria sequer a possibilidade de tornar-se bom” - Aristóteles, Ética a Nicômaco. E, da prática, não estou falando da práxis, como falam alguns que distorceram os ensinamentos de Aristóteles, tão bem conhecido do professor Olavo de Carvalho. Eu como o professor Olavo, acredito que a esmagadora maioria das filosofias modernas são perniciosas e vou mais além, algumas provieram de distorções feitas de Aristóteles, tal é a sua influência.
     As virtudes são disposições de caráter e, para tê-lo, basta praticar diariamente as virtudes. Sei que alguns não têm essa disposição para praticar as virtudes; isso é o que distingue o justo do injusto. E como encontrar a disposição para praticar o bom caráter? Penso que se levarmos em conta que todo ser humano age, basicamente, por interesse próprio, seja qual for esse interesse (mas não no sentido distorcido de Saul Alinsky), para provocar a disposição de praticar as virtudes que levarão ao bom caráter deve-se dar o exemplo de que é possível e que vale a pena ser honesto e ter bom caráter. Será que eu mesmo estou fazendo isso? E o que vale a pena?
     A vida eterna vale a pena. O brasileiro pensa somente em termos financeiros: o que dá dinheiro vale a pena, o que não dá dinheiro não vale. E o conhecimento se enquadra, para o brasileiro, nas coisas que não dão dinheiro, por isso, não vale a pena. Mas a médio e longo prazo, dentro de uma vida, ter conhecimento dá dinheiro.
     O imediatismo do brasileiro é assombroso. Expressões do tipo: - “Estudar dois ou mais anos para ter conhecimento de algum assunto... bah! Aí você me mata”. Este tipo de expressão exemplifica o imediatismo do brasileiro. Outra: - “Desta vida não se leva nada”. Como se não levássemos o conhecimento adquirido ao longo de uma vida. Essas duas parecem expressões contraditórias, mas não são. Ambas refletem o imediatismo e o interesse exclusivamente financeiro. Este pensamento dualista do brasileiro: “ai, tá doendo” ou “ai, tá gostoso”, leva a uma confusão mental imensa que faz o brasileiro ser massa de manobra.
     Sobre a vida eterna: sei que é uma questão de fé. Mas parafraseando Paulo Freire que parafraseou Miguel de Unamuno y Jugo e não sei se este parafraseou de mais alguém causando uma sucessão de “parafraseamentos”: “Estou na minha fé”!
     Em Aristóteles encontramos em praticamente toda a sua obra expressões como: “por outro lado”, “de outro modo”, “além disso”, “no mais”, “por vezes”, “algumas vezes”, “no entanto”, além de outras no mesmo sentido, que denotam que Aristóteles analisava as questões por todos os lados que lhe fossem possíveis, mas sem fugir do cerne da questão. Uma expressão em especial aparece constantemente em todo o Organon: é a expressão “por exemplo”, ou seja, Aristóteles usa exemplos para ilustrar uma explicação anterior. Outra expressão bastante utilizada é “com efeito”, que significa que alguma coisa é consequência de outra. Ele está dizendo: aquilo que eu disse anteriormente resulta naquilo que vou dizer agora, ou seja, isso é assim porque aquilo outro é daquela maneira, então, a conclusão mais acertada é esta. Esse é o raciocínio lógico.
     A poética leva à moderação, a retórica leva ao equilíbrio, a dialética leva ao discernimento e a analítica (lógica) leva à razão. É vida em forma de poesia. É Aristóteles em nova perspectiva.
     Analisar os problemas por todos os lados arranca fora de uma pessoa o pensamento dualista e ela começa a perceber que não existem somente duas opções, e que, além do interesse próprio, existem os interesses dos outros cidadãos, pois somos um animal político e somos um animal político porque vivemos na pólis, vivemos em sociedade, nos relacionamos com outras pessoas. E que, na maioria dos casos, é perfeitamente possível encontrar uma solução para um problema, solução na qual todos saiam ganhando. E não estou falando de questões complexas, estou falando da vida diária. Por exemplo, candidatar-se a uma eleição ou fazer parte de um “partido político” não é ser um animal político. O mais importante requisito (um deles) para ser um político é entender como funciona a sociedade na qual você vive, como funciona seu país, seu estado, sua cidade, seu bairro, sua casa (sua vida) e, junto com isso, todas as suas implicações. Sem esse entendimento o homem é somente um animal (animal no sentido atual: “animal de tetas”; não no sentido original de anima: “sopro de vida, “alma”).
     Seguindo com o exemplo; uma questão diária em época de eleições: em quem votar? Sendo um animal político (tendo o entendimento das coisas acima) saber-se-á em quem votar. Mas, para ter esse entendimento precisa-se analisar as coisas por vários lados, usar a razão, usar a poesia e não se guiar somente pela emoção, pois esta faz parte do processo, mas não deve ser o determinante, porque, se for, leva a um retrocesso. Por que o porquê de existir um por quê? Porque não sei. São tantos porquês na vida que nunca sabemos qual é o certo.
     Meu pai dizia: “O brasileiro sofre de preguiça mental”. E para usar a razão não se pode ter preguiça mental, não se pode ter aversão ao conhecimento. E, para terminar, eu como o professor Olavo - novamente -, (não sou muito bom com o uso de vírgulas e, talvez, até com o uso da gramática), acredito que o brasileiro de um modo general tem aversão ao conhecimento e, por conseguinte, educação falha, e essa aversão é a causa de praticamente todos os males do brasileiro. É uma “doença” da alma. E, a alma é, por assim dizer, o princípio dos animais. Os brasileiros estão “doentes” no seu princípio... não todos, mas a maioria. E a “cura” para essa “doença” o Doutor Olavo tem a receita: estudar.
     Uma receita simples, velha e desgastada pelo tempo (assim como ele), mas eternamente eficaz (idem, mas não tão idem) e parece que naquela falha de ajuntar causa e consequência os filhos rebeldes ainda não enxergaram essa verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário