sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A Importância da Linguagem


        Nós, seres humanos, nos comunicamos, basicamente, através da palavra, falada e escrita. Nos comunicamos também, óbvio, através de mímica, gestos, filmes, músicas, obras de arte, etc. Mas, na esmagadora maioria do tempo, nos comunicamos majoritariamente pela palavra, falada ou escrita. Você fala e escreve, você lê e escuta.

     Isto, por si, já deveria ser suficiente para todos entenderem a importância da linguagem e tudo o que ela representa e simboliza.

     Mas labutarei nas artes da Linguagem. Começo fazendo uma distinção - para o nosso entendimento (meu e do leitor) - entre Língua e Linguagem. Língua é a Língua Portuguesa, a Língua Inglesa, a Língua Alemã, etc, dialetos, idiomas, enfim. A Linguagem engloba a língua posto que na palavra falada temos a entonação de voz, expressão corporal, etc, que compõem a linguagem. Na palavra escrita temos o estilo literário, a narrativa, a gramática, etc. Aqui, faz-se necessário um exemplo; se eu falo para alguém (palavra falada): - Você é inteligente; e torço o canto da boca, emprego uma certa entonação de voz caracterizando ironia, o interlocutor irá perceber. Se eu escrever essa mesma frase em um papel: Você é inteligente (ponto final), e der para alguém ler, por essa frase escrita, comparativamente com a mesma frase falada, o leitor não conseguirá captar se estou sendo irônico ou se estou dizendo que ele é realmente inteligente.

     Então vemos, de início, uma diferença entre a palavra falada e a palavra escrita, o que é óbvio. Na frase escrita far-se-ia necessário colocar uma pontuação específica ou escrever mais alguma coisa para denotar ironia. Não me aprofundarei em literatura, estética literária, pois este não é, no momento, o intuito. Contudo, podemos, de imediato, perceber uma diferença básica entre a palavra falada e a palavra escrita.

     Trago aqui um pequeno trecho de Rui Barbosa (nunca sei se Rui é Rui ou se é Ruy; a Fundação Casa de Rui Barbosa recomenda que a onomástica siga a ortografia vigente da língua portuguesa, coisa que, em parte, eu discordo) tirado da “Réplica”, “Obras Completas de Rui Barbosa”:

“Unicamente a inconveniência da ambiguidade em certas circunstâncias possível. No idioma pátrio, porém, o adjetivo vital só se aplica a objetos, idéias e fatos. A pessoas não se aplica. Ao indivíduo talhado para viver muito chamaríamos vivedoiro. Vital não lhe poderíamos chamar. Seria um latinismo inconciliável com o nosso senso vernáculo”.

     Desse trecho acima posso tirar algumas considerações. A mudança da linguagem ao longo do tempo é uma delas. Acredito que essa mudança da linguagem deva ser uma coisa natural, mas planejada. Planejada no sentido do planejamento e da mudança propriamente dita serem feitos depois, e não antes. Explico: reformas ortográficas devem ser feitas sem que se mude o senso vernáculo, o básico deve ser conservado e, além disso, há de se ter parcimônia em reformas ortográficas de uma língua. Dito de outra forma: não se deve mudar toda hora a linguagem. E por “toda hora” entenda-se décadas, até mesmo um século. Gírias, por exemplo, não devem ser incorporadas no vernáculo, pois gírias são modismos, passam com o tempo. É necessário ter uma estrutura básica do vernáculo e esta não pode ser alterada constantemente. Causa confusão mental na sociedade, emburrecimento.

     Quando Aristóteles, no Organon, começa seu tratado Categorias ou Das Categorias, ele começa discorrendo sobre os nomes das coisas. Posso considerar como “nome de uma coisa” tanto no seu sentido gramatical quanto ao que a coisa é. Uma árvore é uma árvore. O nome árvore refere-se, ao mesmo tempo, tanto ao sentido gramatical quanto ao que esse nome representa, simboliza, o que a coisa é. Atrelado ao nome árvore está seu significado, uma palavra significada em outras palavras. Árvore: é uma coisa (ou objeto, no caso, objeto de estudo) com tronco, galhos, folhas, raiz, etc. Ou no significado básico do dicionário: vegetal lenhoso de porte muito variável, que apresenta um caule principal ereto e indiviso, o tronco, e que emite ramificações a uma altura tb. variável, sempre distantes do solo, e formadoras da copa. Uma árvore é uma árvore tanto aqui quanto lá no Japão, na Mongólia, etc, muda a língua.

     Aristóteles nos falou de homônimos, sinônimos e parônimos, mas com o tempo a coisa foi se desdobrando. Hoje temos antônimos, verbos, substantivos, preposições, conjunções, etc, que são todos, nesse sentido, nomes de coisas. Exemplo, a palavra de é o nome da preposição "de" e assim por diante. 

     Aqui, vou propor um exercício: imaginem dez pessoas em linha, uma ao lado da outra, olhando para uma mesma árvore (qualquer árvore) sob o mesmo ponto de vista. Cada pessoa terá na sua cabeça uma imagem mental abstrata da árvore, nesse sentido, um conceito. Se eu der dez folhas de papel e dez lápis (ou caneta) para cada uma das pessoas e pedir para definir em palavras o objeto que estão vendo, as dez definições não serão exatamente iguais e nem totalmente diferentes. Basicamente, essas semelhanças e diferenças virão do conhecimento gramatical de cada uma das pessoas. Uma, definirá a árvore como tendo folhas verdes, por exemplo, outra poderá definir a árvore como tendo folhas verdes escuras (ou folhas verdes claras, dependendo da árvore que estão vendo). Óbvio que, também, nesse processo, tem diferenças de conhecimento; de raciocínio (modo de pensar); modo de articular, organizar, concatenar os pensamentos (raciocínio); fazendo uso da razão para estabelecer relações entre coisas e fatos (raciocínio).

     E aqui já faço uma distinção entre pensamento e raciocínio. Pensar, todo mundo nasce sabendo pensar. É preciso aprender a raciocinar, organizar e concatenar os pensamentos, estabelecer relações lógicas entre coisas e coisas, entre fatos e fatos e entre coisas e fatos e vice-versa. Raciocínio é os pensamentos organizados logicamente um após o outro e você expressa seus pensamentos e raciocínios através da linguagem, basicamente, falada e escrita. Tudo o que você fala e escreve são seus pensamentos e raciocínios materializados, você e está mostrando para as outras pessoas como é a sua cabeça em questão de raciocínio, caso você tenha ou não.

     E quando falamos ou escrevemos, geralmente descrevemos um fato (uma coisa que aconteceu ou que está acontecendo na realidade), falamos ou escrevemos sobre um fato; ou inventamos alguma coisa sobre o fato (mentimos). Um fato é, basicamente, uma verdade. É o que aconteceu ou está acontecendo.  Por exemplo, eu estou aqui escrevendo, é um fato, é uma verdade. Mesmo que depois eu apague este texto, isso não irá mudar o fato que aconteceu. Escrevi. Mesmo que alguém depois me indagar sobre este texto e eu responder que não sei de nada, nunca escrevi tal texto, não irá mudar o fato de que escrevi. Simplesmente estarei mentindo a respeito de um fato, de uma verdade. Mesmo que você não tenha como provar, ainda assim, dentro de você, intrinsecamente você saberá que é verdade.

     Então vemos (eu e o leitor) que a frase: “Não existem verdades absolutas” é um absurdo, até um absurdo filosófico. Uma verdade é baseada num fato e não se pode mudar o que já aconteceu, mas pode se mentir acerca. É simples de entender. Quando eu proponho: “Não existem verdades absolutas”, obviamente quero que esta frase seja uma verdade absoluta, mas ao mesmo tempo estou dizendo que não existem verdades absolutas. É um absurdo. É contraditório em si. Absurdo, no sentido gramatical (dicionário) significa algo destituído de sentido. Absoluto (no sentido gramatical) significa algo que se apresenta como acabado, pleno. No sentido filosófico, absurdo é algo destituído de sentido, mas vai além, é algo destituído de sentido em si. Absoluto, no sentido filosófico é algo acabado, pleno, completo em si. Então, em qualquer sentido que for, a frase acima é uma bobagem, até porque existem verdades absolutas. Você, leitor, o simples fato de terminar de ler este texto faz uma verdade absoluta.

     O ser humano se comunica, basicamente, utilizando a palavra falada e a palavra escrita, como já foi dito. Mas como o conhecimento se espalha em uma sociedade?

     O conhecimento se espalha em bancos escolares, no ensino fundamental, no ensino médio, nas universidades, nos bancos acadêmicos, em cursos, palestras, etc. Mas muito mais o conhecimento se espalha no dia a dia, na palavra falada no dia a dia, na solidão confortável da leitura, nas diversas situações corriqueiras, nas circunstâncias: “Nós somos nós e nossas circunstâncias”. Então posso dizer com certeza que quanto melhor a linguagem de um povo mais inteligente será esse povo. E quanto antes um povo entender a importância da linguagem, melhor será.
   Porém, caso ainda não viu a importância, não realizou a importância da Linguagem, lembre que de vários autores que já morreram há 100, 200, 800, 2000, 3000 anos, temos somente as obras escritas deles uma obra é feita de livros e livros são palavras. Tem obras que continuam causando estrago na humanidade e outras continuam trazendo bem para a humanidade, mas de qualquer maneira temos somente as palavras de umas e de outras.
   Caso ainda não se convenceu da importância da Linguagem peço que forme uma frase com palavras que você nunca escutou ou leu na vida. Palavras que existem com signo, significado (e vários sentidos) e referente, mas você não sabe que existem. Você verá que é impossível. Aprendemos, basicamente, através da palavra falada e da palavra escrita. O aprendizado acontece quando temos o signo, o significado (e vários sentidos) e o referente. Isto vai compondo nossos pensamentos e raciocínios, vai formando nosso pensamento, imaginação e raciocínio, a nossa inteligência.

sábado, 11 de julho de 2020

O Método Aristotélico


     Antes de falar sobre o método Aristotélico gostaria de esclarecer um ponto que tenho visto por aí. Alguns falam em “Lógica Aristotélica”, porém, tal expressão não é apropriada. Aristóteles falava da Analítica. Para citar somente Pinharanda Gomes, o substantivo Lógica está ausente no Organon. “O substantivo lógica é forma tardia, mais devida ao eclectismo alexandrino e romano do que ao magistério liceal.” Então, é mais apropriado falar em Analítica Aristotélica.
     Para entender melhor, posso dizer que fazemos um raciocínio analítico (um processo de análise) para chegarmos a uma conclusão e esta conclusão pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou tendo) lógica, podemos encerrar a análise ou nos aprofundarmos no tema. Em não sendo (e/ou não tendo) lógica a conclusão, devemos continuar a análise. Vemos que, além de cronologicamente na história, a lógica surge naturalmente depois da analítica posto que é impossível de se chegar a uma lógica sem antes ter feito uma análise.
     Estou falando do raciocínio do ser humano, é um processo de análise. Aristóteles conseguiu, com excelente propriedade, reproduzir no papel como funciona o raciocínio do ser humano (atrevo-me a dizer que Aristóteles conseguiu reproduzir no papel como funciona o raciocínio natural do ser humano).
     Faço uma distinção: pensamento e raciocínio. Para nosso entendimento (meu e do leitor), pensamento é o ato ou o efeito de pensar. Raciocínio é a organização dos pensamentos, a concatenação dos pensamentos (um pensamento após o outro, cada um relacionado logicamente ao anterior). E por que essa distinção é importante? É importante porque todos nascemos sabendo pensar e devemos aprender a raciocinar no decorrer da vida, senão nossos pensamentos se tornarão confusos, não teremos um raciocínio analítico e não entenderemos várias coisas na vida. Nossa mentalidade será confusa, vamos por assim dizer.
     Que fique bem claro, o raciocínio analítico não é uma fórmula mágica que se aprende para ficar inteligente, mas é um processo que, se praticado, com o tempo passa a fazer parte da mentalidade da pessoa.
     O método Aristotélico não está explícito na obra de Aristóteles, mas, de certa forma, está bem claro. Vou tomar por base algumas expressões correntes e constantes em Aristóteles. Expressões como “por exemplo”, “por outro lado” e “com efeito”. Não são as únicas, mas são as mais constantes, principalmente no Organon.
     Aristóteles sempre começa discorrendo sobre um tema e após algumas ou várias linhas utiliza-se de exemplos para clarificar o que disse anteriormente e os exemplos sempre tem uma forte relação com o dito anteriormente. E isso é óbvio, pois se o exemplo serve para clarificar alguma coisa, não poderá o exemplo ser mal formulado senão dará efeito contrário, confundirá o dito anterior. E Aristóteles, após o exemplo dado, segue discorrendo sobre o tema analisando a coisa por vários lados (por outro lado) até, geralmente, concluir ou seguir no processo. Após a expressão “com efeito” segue-se uma conclusão e esta pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou tendo) lógica pode encerrar o raciocínio ou seguir se aprofundando sobre o tema. Em não sendo (e/ou não tendo) lógica prossegue o raciocínio analítico repetindo o processo. Mas não é um processo sem fim. Ao alcançar aquilo que hoje conhecemos como “lógica” (popularmente: faz sentido) dá-se por satisfeito o processo analítico e encerra-se ele; ou continua-se por um questão de aprofundamento na análise.
     Vejam que o Organon é o instrumento que se usa para filosofar. E para filosofar utiliza-se também o raciocínio analítico. Raciocínio analítico é o processo de análise das coisas.
     Não é à toa que Aristóteles começa o primeiro tratado do Organon (Categorias ou Das Categorias) falando dos nomes das coisas - apesar de que há discussões se as Categorias é o primeiro tratado, porém, não sendo o primeiro, é o segundo, o que, para minha presente análise, dá no mesmo. Os nomes das coisas são importantes. Na maioria das vezes os nomes das coisas são convencionados, são convenções feitas pelo ser humano, bem como a língua o é. É pelos nomes (signos) que o ser humano se comunica através da linguagem falada e da linguagem escrita. Posso fazer aqui um paralelo com linguística: signo, significado e referente. O nome é um signo que tem um significado e um referente. Um signo pode ser também uma letra, um símbolo, etc. Não me deterei nessa parte, pois já discorri em outro escrito.
       Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica utiliza-se da analítica Aristotélica, a própria organização da Suma é um processo de análise em si.
     Raciocinamos na maior parte do tempo utilizando palavras (nesse sentido, nomes), grosso modo, pensamos utilizando palavras, o que é óbvio. Óbvio também é que pensamos utilizando imagens, figuras mentais, etc. Contudo, na maior parte do tempo pensamos e raciocinamos através de palavras (nomes). Por exemplo, um verbo podemos considerar como um nome. O verbo “considerar” é um nome (uma palavra) que tem um significado. Lápis é um nome (uma palavra) que tem um significado. O referente do verbo “considerar” encontramos no contexto da frase. O referente de “lápis” é o objeto físico lápis.
     Analisando-se os, aproximadamente, 600 mil verbetes da Língua Portuguesa veremos que são, em sua esmagadora maioria, conceitos subjetivos. Entenda-se aqui por “conceito subjetivo” coisas que não existem fisicamente. Por exemplo, a palavra “considerar” não existe fisicamente, mas depreendemos seu referente no contexto do enunciado, da frase, da oração, etc. A palavra “lápis” existe fisicamente, existe seu referente físico por si. Bem como temos “liberdade”, “esperança”, “acabar”, “categoria”, “entender”, “trabalho”, etc, são conceitos subjetivos. “Lápis”, “pedra”, “mesa”, “árvore”, etc, são conceitos objetivos. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, o sujeito extrai as informações do objeto físico (eu olho para um lápis e vejo seu tamanho, sua cor, etc). Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito; tem muito do sujeito, da pessoa que está analisando a coisa (não podemos saber o tamanho da Liberdade, sua cor, etc). Não me aprofundarei aqui nesses dois conceitos, pois já fiz isso em outro escrito.
     Voltando ao método Aristotélico, posso relacionar esses dois conceitos com os “nomes” (homônimos, sinônimos e parônimos) no tratado Categorias. Atualmente, isso se desdobrou gramaticalmente em outras classificações: verbos, substantivos, etc. Porém, por uma questão de raciocínio básico podemos partir desses dois pressupostos ao discorrermos e/ou analisarmos um assunto: tal palavra (signo) é um conceito objetivo ou é um conceito subjetivo?
     Não que precisemos fazer isso para todas as palavras (signos) do enunciado, mas para as palavras mais importantes do enunciado é interessante darmos uma atenção especial nesse sentido. Por exemplo, na primeira frase: “Não que precisemos fazer isso para todas as palavras (signos) do enunciado,” temos somente palavras que, isoladamente, são conceitos subjetivos, mas entendemos o referente analisando-se o conjunto. Vejam: não existe um objeto físico chamado "não", não existe um objeto físico chamado "que", não existe um objeto físico chamado "precisemos" e assim por diante.
     No enunciado: Você tem um lápis aí? Temos a palavra (signo, nome) “lápis” que é um conceito objetivo. O referente é qualquer lápis, ou seja, o lápis que o interlocutor tiver.
     Lembrando que, para o nosso estudo, coisa é tudo que há (corpóreo ou incorpóreo) tanto fisicamente quanto em pensamento; objeto é aquilo que se está estudando; sujeito é aquele que estuda o objeto. Uma coisa pode ser um objeto material ou imaterial estudado pelo sujeito.
     Coisa é tudo o que há e tudo o que existe. Tudo o que existe, para o nosso estudo, para a nossa organização de pensamento, refere-se especificamente às coisas físicas, existentes fisicamente no mundo. Porém, uma coisa que existe fisicamente também há. Então, tudo o que há e existe no mundo são coisas, mas são coisas enquanto objeto de estudo.
     “Nos sentidos, uma vaca é uma vaca. No pensamento, o conceito de vaca não é vaca nenhuma, é só um esquema mental. Mas, na imaginação, uma vaca é uma vaca ou muitas vacas, a gosto do freguês, e é também uma vaca que é todas ao mesmo tempo; e é nesta maluquice que se fundamenta a conexão entre pensamento lógico e realidade vivida” (Olavo de Carvalho, Aristóteles em Nova Perspectiva, página 50).
     Funciona mais ou menos assim: quando eu falo a palavra “vaca”, na cabeça de uns isso representará uma vaca em específico (uma vaca que, um belo dia, deu-me um coice), na cabeça de outros representará todas as vacas do mundo e na cabeça de aqueloutros representará vaca nenhuma (somente um conceito abstrato: uma vaca, e daí?).
     Lembrando Aristóteles: “Podemos combinar ou não combinar entre si as palavras, expressões ou frases” (Pinharanda Gomes, Organon, Categorias, página 44). A palavra “vaca” dita isoladamente produz o que foi dito acima. A mesma palavra dita numa frase terá um referente de acordo com o contexto. Vejamos o seguinte diálogo:
     - Vi uma vaca ontem!
     - Qual vaca?
     - Uma vaca no pasto.
     E podemos seguir o diálogo, mas acredito que já deu para entender.
     Ao discorrermos sobre um assunto ou tema utilizando o método Aristotélico podemos identificar os conceitos objetivos e subjetivos para elaborarmos os exemplos que clarificarão o dito anterior. Utilizar exemplos é opcional, mas as vezes se faz necessário e desde que o exemplo tenha forte relação com o dito anterior. Depois seguimos discorrendo analisando a coisa, assunto ou tema por todos os possíveis lados até chegarmos numa conclusão e esta pode ser (ou ter) lógica ou não e, dependendo do caso, seguimos na análise ou nos damos por satisfeitos. Por exemplo, dou-me por satisfeito neste texto. No leitor poderá surgir alguma dúvida, mas pelo contexto o leitor se vira sozinho. Analise qual palavra é um conceito objetivo e qual palavra é um conceito subjetivo. Parta daí, o resto vem por si, como a urina.

quinta-feira, 2 de julho de 2020

O Pensamento Marxista


     A obra de Marx é uma coisa, o pensamento dele é outra coisa. Através da sua obra podemos captar seu pensamento. Isso, obviamente, acontece com todo e qualquer autor que já não se encontra mais entre nós fisicamente.
     Estabeleço aqui uma diferença: o pensamento marxista difere do pensamento de Marx. Pensamento marxista, para o devido fim deste texto, é o pensamento de outros que decorre ao ler e estudar a obra de Marx. Talvez, ao analisar o pensamento marxista - e as obras de Marx -, chegue-se ao pensamento de Marx, mas não é o objetivo deste texto.
     Ao ler O Capital de Marx podemos perceber claramente que ele não trabalha com definições, mas trabalha com “determinações”. Porém, ao mesmo tempo, em Marx não existe determinismo de espécie alguma, mas “há determinações históricas”.
     Determinação: acréscimo de características ou especificidades que limitam a extensão de um significado, de um conceito, inicialmente amplo e impreciso (Houaiss). Então vemos que “determinações” diferem de “determinismo”.
     Abro um parêntese aqui: coloquei uma definição (significado) de “determinação” para entendimento do texto. Fosse eu desdobrar o objeto “determinação” em determinações usando o pensamento marxista, o leitor não saberia do quê estou falando. Fecha parêntese.
     "Objeto" aqui é toda e qualquer coisa que se está analisando. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc.
     “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” (Florestan Fernandes citado por José Paulo Netto).
     Irei trabalhar a partir de tudo isso acima, basicamente.
     Ao ler O Capital (e outras obras de Marx) percebe-se claramente que Marx não trabalha com definições, mas com determinações. Você não encontrará definição de espécie alguma. Por exemplo, em O Capital você não encontra uma definição de capital (ou de qualquer outra coisa). Marx fala por primeiro que o capital é uma relação social, não é uma coisa, depois desdobra o capital em “determinações” e no decorrer diz que o capital pode ser moeda também (o capital nasce da moeda e depois a moeda se transforma em capital), e moeda sabemos que é uma coisa, não uma relação social; e assim Marx vai “desdobrando” infinitamente o objeto em “determinações”, vai mudando o eixo.
     Aí vemos uma das “determinações” de Marx. Ora, repito, moeda é uma coisa e anteriormente ele diz que capital é uma relação social, não é coisa. Aparentemente, Marx está dizendo o oposto, mas dentro do pensamento marxista isso parece fazer algum sentido, mas não faz.
     O enunciado “Quanto mais você satura a reprodução do objeto de determinações mais você o concretiza” nos traz alguns problemas. Eu posso saturar a reprodução do objeto de determinações, mas somente quando o objeto permite isso e jamais ao infinito. Se o objeto é um objeto físico, um objeto do mundo real, chega um momento que as informações que eu extraio do objeto esgotam-se. Por exemplo, o lápis que tenho aqui. É um lápis, mas analisando-se as categorias deste lápis (extraindo essas informações dele) posso definir que é um lápis com uns 20 cm de comprimento, da cor verde, tem um bastão de grafite envolto por uma camada de madeira e serve para rabiscar, escrever e desenhar no papel. Posso continuar analisando outras categorias do lápis, mas num dado momento as informações esgotam-se. Não posso inventar ou relativizar (encontrar relações remotas ou inventar relações) para continuar desdobrando o objeto lápis, posto que o lápis é um conceito objetivo. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, objeto físico existente no mundo físico. Não irei aqui entrar em definições acerca de “conceito”, “descrição”, “definição”, etc, pois já fiz em outro texto.
     Vamos tomar outro exemplo: liberdade. É um objeto que não é físico, não é material. É um conceito subjetivo. Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito. Ao definir ou encontrar as “determinações” do objeto, tem muito do sujeito que analisa o objeto. Não existe um objeto físico chamado “liberdade” (não sabemos o tamanho, a cor, as categorias físicas), mas sabemos que existe uma coisa chamada liberdade porque podemos perceber seus efeitos e suas consequências na realidade física.
     No caso de “liberdade”, por ser um conceito subjetivo, é intrínseco que isso permite que possamos desdobrá-la em “determinações” mais do que podemos desdobrar o lápis. Mas, mesmo assim, chegará um momento no qual as tais “determinações” do conceito “liberdade” se esgotarão. Caso continuarmos desdobrando “liberdade” (ou capital) em “determinações” até o infinito, chegará um momento em que não será mais possível sabermos o que é essa tal liberdade, pois o objeto estará infinitamente saturado de “determinações”. “Infinitamente saturado” é uma expressão paradoxal. Ainda que eu não faça esse processo infinitamente, que eu desdobre o objeto até saturá-lo, um dia o objeto ficará saturado; e ficará saturado porque as informações (ou categorias, nesse sentido), esgotaram-se. Mas o problema é: como saberei o limite? E isso é mais problemático quando o objeto é um conceito subjetivo.
     Lembrando que “categorias” para Marx é uma coisa e para Aristóteles é outra e para outro autor, é outra. Apesar de serem coisas diferentes para este ou aquele autor, a definição de “categoria” carrega algumas semelhanças básicas nesses diversos autores. Lembro aqui de signo, significado e referente. Uma coisa tem um nome (nesse sentido, signo) e tem seu significado (nesse sentido, definição) e tem seu referente (nesse sentido, à que se refere). Porém, se Marx não trabalha com definições, como posso saber o que é categoria para Marx? Como posso saber à que Marx se refere quando fala de “categorias”?
     Talvez as tais determinações de Marx sejam os vários sentidos que o significado de um signo pode ter, porém, ainda assim, os sentidos de um significado de um signo são limitados.
     Aí já podemos ver outro problema nesse pensamento de não trabalhar com definições, mas somente com determinações. Nesse pensamento de desdobrar o objeto em inúmeras determinações sem ter um limite, pode-se entrar em uma confusão mental, emburrecimento.
     Mercadoria, mais-valia, etc, desafio o leitor a encontrar uma única definição de qualquer conceito básico em toda a obra marxista. Não encontrará, mas está lançado o desafio.
     Esse, vamos por assim dizer, pensamento de Marx, estendeu-se a todos os outros autores posteriores a ele (pensamento marxista). Basta perceber que o universo semântico das várias obras comunistas posteriores a Marx, são semelhantes. As expressões utilizadas são bastantes parecidas, o estilo de escrita é semelhante, ressalvadas, claro, diferenças no estilo pessoal da escrita. Mas, no geral, são semelhantes.
     Um aluno que lê e estuda Marx (ou outro autor comunista posterior a Marx) por um, dois ou mais anos, penetra nesse universo semântico e absorve o pensamento marxista por osmose. Passa a repetir as mesmas expressões e passa a desdobrar as coisas em infinitas “determinações” que, aparentemente, tem uma relação com o objeto, mas esta relação logo perde-se em uma relativização maluca porque o objeto é desdobrado natural e infinitamente e não se chega a conclusão nenhuma.
Sabemos que existem coisas na vida que tem definições e outras coisas que não tem definições. Daí precisamos saber de quais definições estamos falando. Definição gramatical ou definição do quê o objeto realmente é? Não vou entrar nesta análise agora, ficará para outro texto. Mas posso adiantar que tendo consciência de que existe essa diferenciação, é um grande passo.
     Penso eu que este método de não se trabalhar com definição nenhuma leva à loucura e ao emburrecimento maligno, por motivos óbvios. É o desdobramento infinito do pensamento: uma coisa leva a outra, que leva a outra... e assim sucessivamente num ciclo sem fim. Não foi à toa que Marx propôs a tal “Lutas de Classes”, lutas no plural, pois a luta não é somente entre as classes, mas acontece entre os indivíduos de uma mesma classe também. É a luta sem fim, ninguém mais se entende, pois vão se desdobrando os fatos e as argumentações onde ninguém chega a conclusão nenhuma. Mas têm-se as discussões infinitas onde vai se mudando de eixo na discussão e cada um pensa que tem razão, porém, não tem razão, tem “determinações”.
     E chega-se num ponto em que um dos lados DETERMINA (concentra o poder). E isto segue-se num ciclo sem fim de lutas, brigas de egos, discussões intermináveis em torno de nada, etc. Basta ver algum debate até entre marxistas sérios para perceber que não se chega a conclusão nenhuma. Cada um tem a sua própria “determinação” a respeito da obra de Marx. Acredito que é por isso que a obra comunista no mundo é incomensurável. Cada autor, após um tempo de estudo, julga-se automaticamente apto a escrever sua própria obra encontrando novas “determinações”.
     Este pensamento é perigoso, pois leva à mentira, à enganação. Chega um momento em que não se encontra mais uma “determinação” no objeto (as informações do objeto se esgotam) e passa-se a relativizar inventando determinações achando que essas determinações têm alguma relação com o objeto, mas não tem, pois foram tantos desdobramentos feitos no objeto que o sujeito (a pessoa que está analisando o objeto) já se perdeu numa confusão mental.
     Para terminar, lembro que uma “determinação” pode ser somente uma “determinação” gramatical, ou seja, após saturar o objeto não encontro mais as suas categorias reais porque suas categorias reais esgotaram-se e, automaticamente, passo a desdobrar, inventar novas “determinações” num ciclo sem fim que leva ao emburrecimento e pode levar à insanidade.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Mensagem


     Nestes tempos difíceis espero trazer uma mensagem de fé e esperança. Há tempo para tudo nesta vida e o ser humano não conhece seu tempo determinado, mas conhece o caminho dos justos.
     São numerosos os que se levantam contra nós, mas não temos medo de milhares, pois nosso exército não tem medo. Fomos forjados em aço e temos o brilho do diamante. Há tempo de guerra e tempo de paz, estamos em tempos de guerra, pois assim nos foi dito. Se um cair, outro levanta em seu lugar.
     Apliquemos o coração em todas as nossas ações, pois é do coração que vem as boas obras e não podemos mudar essas boas obras. Quem está no caminho errado ao caminho certo voltará, pois assim está determinado.
     Deus há de trazer juízo a todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más.
     Estamos na presença de irmãos.

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Mandado de Segurança 37.097 Alexandre de Moraes

     Trata-se de Mandado de Segurança coletivo, com pedido de liminar, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), no qual se aponta como autoridade coatora o Presidente da República, o qual, segundo se afirma, teria incorrido em ilegalidade ao editar, em 27/4/2020, o Decreto de nomeação de Alexandre Ramagem Rodrigues para exercer o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes apresenta, nesta peça pregada, as alegações que fundamentam o deferimento da liminar para suspender a eficácia do Decreto de 27/4/2020 (DOU de 28/4/2020, Seção 2, p. 1) no que se refere à nomeação e posse de Alexandre Ramagem Rodrigues para o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal.
     O Ministro, de início, apresenta o relatório do Mandado de Segurança impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) no qual requer a concessão de medida liminar para suspender a eficácia da nomeação do senhor Alexandre Ramagem como Diretor-Geral da Polícia Federal. Neste relatório o Ministro destaca expressões coloquiais do Presidente da República, mensagens divulgadas por programa televisivo, assevera que a probabilidade de que a supervisão da direção da Polícia Federal diretamente pelo Presidente da República – que, como explicado, é um desvio de finalidade por excelência –, mediante ‘relatórios de inteligência’, transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão e, Destaca, ainda, por fim, que “do ponto de vista do pressuposto subjetivo da impetração, o direito líquido e certo que reclama proteção jurisdicional consiste na moralidade administrativa em sentido estrito (CF, art. 5º, LXXIII e 37, caput), que é interesse juridicamente tutelado, mas de caráter transindividual, difuso entre os titulares de direitos políticos (cidadania)” e requer a liminar.
     Depois, na parte inicial da decisão, o Ministro, nas páginas 3, 4 e 5 decide que o partido requerente, portanto, possui plena legitimidade ativa para a propositura do presente mandado de segurança coletivo e passa à análise da medida liminar pleiteada.
     Ainda na página 5, o Ministro trata do Presidencialismo e da separação dos Poderes a fim de manterem-se a independência e a harmonia dos Poderes da República e nomeia vários autores, dentre os quais destaco MIRKINE GUETZÉVITCH, pois este o Ministro trouxe uma citação à qual transcrevo abaixo:

“o executivo forte, o executivo criador, o executivo poderoso é a necessidade técnica da democracia”, porém “o exercício irresponsável, o executivo pessoal, é a ditadura” (As novas tendências do direito constitucional. São Paulo: Nacional, 1933. p. 312).

     Neste momento posso perguntar: por que exatamente esta citação - e não outra -, o Ministro pregou na sua peça?
     Lembremos que, no relatório, um dos destaques foi “desvio de finalidade por excelência... transmude-se em aparelhamento ideológico daquele órgão”.
     Depois o Ministro segue discorrendo sobre a “Constituição equilibrada” e, após, fala da escolha e nomeação do Diretor da Polícia Federal pelo Presidente da República (CF, art. 84, XXV e Lei Federal 9.266/1996, art. 2º-C), mesmo tendo caráter discricionário quanto ao mérito, está vinculado ao império constitucional e legal, pois, como muito bem ressaltado por JACQUES CHEVALLIER, “o objetivo do Estado de Direito é limitar o poder do Estado pelo Direito” (L’Etat de droit. Paris: Montchrestien, 1992. p. 12).
     Depois ele fala que “A Constituição da República de 1988, ao constitucionalizar os princípios e os preceitos básicos da Administração Pública, permitiu um alargamento da função jurisdicional sobre os atos administrativos discricionários, consagrando a possibilidade de revisão judicial.” Aqui o Ministro dá uma no prego e, logo após, dá outra na ferradura:
     “Logicamente, não cabe ao Poder Judiciário moldar subjetivamente a Administração Pública, porém a constitucionalização das normas básicas do Direito Administrativo permite ao Judiciário impedir que o Executivo molde a Administração Pública em discordância a seus princípios e preceitos constitucionais básicos, pois a finalidade da revisão judicial é impedir atos incompatíveis com a ordem constitucional, inclusive no tocante as nomeações para cargos públicos, que devem observância não somente ao princípio da legalidade, mas também aos princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.”
     E segue nessa toada, dando uma no prego e outra na ferradura, como veremos.
     Depois o Ministro fala dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade e nomeia outros autores, mas traz a citação da seguinte autora, à qual transcrevo abaixo com o parágrafo do Ministro:
     “O Poder Judiciário, ao exercer o controle jurisdicional, não se restringirá ao exame estrito da legalidade do ato administrativo, devendo entender por legalidade ou legitimidade não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, em fiel observância ao “senso comum de honestidade, equilíbrio e ética das Instituições”, como ensinado por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

“não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir (...) ; (se) o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo, contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrada. Na aferição da imoralidade administrativa, é essencial o princípio da razoabilidade” (Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 111).”

     Guardemos esta citação, pois a utilizaremos mais adiante.
     Depois o Ministro Alexandre, cita o Ministro Marco Aurélio ao lembrar que:

O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César” (RE 160.381/SP, SEGUNDA TURMA, DJ de 12/8/1994).

     É interessante esta citação. À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. Ao agente público não basta ser honesto, deve parecer honesto.
     Ora, se o agente público é honesto, obviamente ele não precisa parecer honesto, pois ele não precisa demonstrar que possui tal qualidade: ele É honesto. Não vejo como alguém pode ter uma qualidade e não parecer ter esta qualidade. A não ser que estamos falando de vícios, defeitos. Aí sim, o agente público que não é honesto, obviamente fingirá que é honesto, mas no curso das coisas se perceberá sua desonestidade, pois ninguém consegue enganar a todos por muito tempo. Então, este provérbio da mulher de César vale somente para os desonestos, para os que fingem ter uma qualidade que não possuem.
     Depois o Sinistro Alexandre, com base no provérbio citado pelo Sinistro Marco Aurélio, diz que “O Poder Judiciário, portanto, deverá exercer o juízo de verificação de exatidão do exercício da discricionariedade administrativa perante os princípios da administração pública (CF, art. 37, caput), verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica do ato administrativo com os fatos.”
     Eu, particularmente, não vejo coerência lógica em colocar numa decisão de um Ministro do STF um provérbio que fala de desonestidade.
     Logo após, o Ministro coloca: “Se ausente a coerência, o ato administrativo estará viciado por infringência ao ordenamento jurídico...”
     Depois o Ministro salienta CANOTILHO e VITAL MOREIRA trazendo a Constituição da República Portuguesa:

“como toda a actividade pública, a Administração está subordinada à Constituição. O princípio da constitucionalidade da administração não é outra coisa senão a aplicação, no âmbito administrativo, do princípio geral da constitucionalidade dos actos do Estado: todos os poderes e órgãos do Estado (em sentido amplo) estão submetidos às normas e princípios hierarquicamente superiores da Constituição” (Constituição da República Portuguesa anotada. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 922).

     E faz um elo com a Constituição Brasileira e fala do poder discricionário que o órgão administrativo se utiliza para atingir fim diverso daquele que a lei fixou.
     E daí o Ministro destaca CELSO BASTOS:

“Então, ao Poder Judiciário cabe também anular atos administrativos, por desvio de poder, por abuso de poder, que atacam exatamente não uma irregularidade formal explícita do ato administrativo, mas ataca o seu âmago, a sua finalidade, apresentando-se essa irregularidade de forma velada, camuflada” (Curso de direito administrativo. Saraiva, 1994. p. 338).

     A partir da citação acima o Ministro começa a mostrar o porquê de o Poder Judiciário, no caso em tela representado pelo Ministro, pode anular atos administrativos. E conclui:
     “O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, portanto, tem o dever de analisar se determinada nomeação, no exercício do poder discricionário do Presidente da República, está vinculada ao império constitucional, pois a opção conveniente e oportuna para a edição do ato administrativo presidencial deve ser feita legal, moral e impessoalmente pelo Presidente da República, podendo sua constitucionalidade ser apreciada pelo Poder Judiciário, pois na sempre oportuna lembrança de ROSCOE POUND,

“a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto” (Liberdade e garantias constitucionais. Ibrasa: São Paulo, 1976, p. 83).”

     Ora, se a democracia não permite que seus agentes disponham de poder absoluto, então o Ministro Alexandre deveria primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas vamos adiante.
     Então o Ministro passa a analisar os fatos narrados onde, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.
Na análise dos fatos narrados o Ministro nos traz uma declaração da entrevista coletiva de Sérgio Fernando Moro e uma declaração do Presidente da República.
     Em virtude dessas declarações foi requerida a instauração de inquérito por parte do Procurador-Geral da República para averiguação dos fatos.
     Depois, o Ministro alega que em matéria do telejornal conhecido como “Jornal Nacional”, da Rede Globo de Televisão, foi divulgada conversa entre o ex-Ministro Sérgio Moro e o Presidente da República, ocorrida no dia 23/4/2020, pelo aplicativo Whatsapp, que, em tese, indicaria a insatisfação presidencial com a existência de um inquérito no SUPREMO TRIBUINAL FEDERAL como uma das razões para a troca da direção da Polícia Federal.
     Igualmente, houve a divulgação de conversa ocorrida no mesmo dia e pelo mesmo aplicativo, em que a Deputada Federal Carla Zambelli pede que o ex-Ministro Sérgio Moro aceite a nomeação do Delegado Federal Alexandre Ramagem para a Diretoria da Polícia Federal.
     Depois o Ministro traz somente uma parte das conversas de Whatsapp entre Moro e a Deputada Federal Carla Zambelli, provavelmente na intenção de embasar melhor sua peça decisória:

“Por favor, ministro, aceite o Ramagem. E vá em setembro pro STF. Eu me comprometo a ajudar. A fazer JB prometer”.

     Com a seguinte resposta do ex-Ministro Sérgio Moro:

“Prezada, eu não estou a venda”

     Então o Ministro Alexandre destaca que o Ministro CELSO DE MELLO, após detalhada análise, entendeu plausíveis os argumentos apresentados pelo Procurador-Geral da República e determinou a instauração do inquérito requerido anteriormente.
     E encerrou deferindo a liminar pleiteada.
     Vemos que o próprio Ministro complementou e embasou o pedido do PDT fornecendo razões legais para deferir a liminar. A Petição Inicial nº 25797/2020 do PDT, o tal Mandado de Segurança alega que: “Não obstante, há prova pré-constituída de que as verdadeiras intenções da Autoridade Coatora são diversas que a da respectiva regra de competência” (pg. 7). E depois elenca as tais provas pré-constituídas que são somente as declarações do Sérgio Moro e as declarações do Presidente, mais nada.
     Depois, a mesma petição, traz, à guisa de ilustração, uma conversa entre Joice Hasselman e Rui Falcão na CPMI das “fake News” que são somente isso: ilustração, fofocas.
     Bom, em sendo as “provas pré-constituídas” (e aceitas pelo Ministro Alexandre de Moares) somente as declarações e conversas de zap-zap, o Ministro Alexandre deveria, obrigatoriamente, primeiro ter averiguado as circunstâncias do fato e aguardado o desfecho do inquérito requerido pelo Procurador-Geral da República e deferido pelo Ministro Celso de Mello.
     Mas não, o Ministro utilizou-se do deferimento do inquérito como embasamento de sua decisão. Colocou a carroça na frente dos bois.
     E como as provas pré-constituídas da petição inicial são somente declarações de pessoas, por essas declarações não há como, sem uma investigação, saber da intenção de cada um.
     Recordo agora a citação de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO: “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade.”
     Aliás, na petição inicial do PDT, tal autora está citada também.
     Como as tais provas pré-constituídas são as conversas e declarações, vemos que, na decisão do Ministro Alexandre está a seguinte declaração do Presidente da República:

Sempre falei para ele: “Moro, não tenho informações da Polícia Federal. Eu tenho que todo dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas vinte e quatro horas, para poder bem decidir o futuro dessa nação”.

     Vemos claramente que o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal, ou seja, o Presidente estava seguindo a cadeia hierárquica normal e constituída. E como não é preciso penetrar na intenção do agente, está bem claro que o pedido dos relatórios foi feito ao então Ministro Moro, mas quem sofreu as consequências da lamentável e ilegal liminar concedida pelo Ministro Alexandre foi o Delegado Ramagem.
     O artigo 1º, caput,  da Lei 12.016/09 (Lei do Mandado de Segurança) diz que: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
     Direito líquido e certo de quem o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes estão protegendo?
     Do Delegado Alexandre Ramagem é que não é, pois ele saiu prejudicado.
     E o Art. 5º, caput e inciso I, da mesma Lei, diz: “Não se concederá mandado de segurança quando se tratar: I- de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução;”
     As alegações de interferência política e ideológica feitas pelo PDT e corroboradas pelo Ministro Alexandre de Moraes não existem. Ao contrário, quem fez tais interferências foram o PDT e o Ministro Alexandre de Moraes, pois como eles mesmos confirmam, a competência de nomear o Diretor-Geral da Polícia Federal é do Presidente da República e, repito, o Presidente estava pedindo os relatórios ao então Ministro Moro e não ao Diretor-Geral da Polícia Federal.
     A petição inicial impetrada pelo PDT e a decisão do Ministro Alexandre de Moraes são meros panfletos políticos e ideológicos em todo o seu teor, não são peças jurídicas.


Referências
https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/F1E71DD48D0301_MS-Inicial(1).pdf

http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442298