Antes de falar sobre o método Aristotélico gostaria de
esclarecer um ponto que tenho visto por aí. Alguns falam em “Lógica
Aristotélica”, porém, tal expressão não é apropriada. Aristóteles falava da
Analítica. Para citar somente Pinharanda Gomes, o substantivo Lógica está
ausente no Organon. “O substantivo lógica é forma tardia, mais devida ao
eclectismo alexandrino e romano do que ao magistério liceal.” Então, é mais
apropriado falar em Analítica Aristotélica.
Para entender melhor, posso dizer que fazemos um raciocínio
analítico (um processo de análise) para chegarmos a uma conclusão e esta
conclusão pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou tendo) lógica,
podemos encerrar a análise ou nos aprofundarmos no tema. Em não sendo (e/ou não
tendo) lógica a conclusão, devemos continuar a análise. Vemos que, além de
cronologicamente na história, a lógica surge naturalmente depois da analítica posto que é impossível de se chegar a uma lógica sem antes ter feito uma análise.
Estou falando do raciocínio do ser humano, é um processo de
análise. Aristóteles conseguiu, com excelente propriedade, reproduzir no papel
como funciona o raciocínio do ser humano (atrevo-me a dizer que Aristóteles
conseguiu reproduzir no papel como funciona o raciocínio natural do ser humano).
Faço uma distinção: pensamento e raciocínio. Para nosso
entendimento (meu e do leitor), pensamento é o ato ou o efeito de pensar.
Raciocínio é a organização dos pensamentos, a concatenação dos pensamentos (um
pensamento após o outro, cada um relacionado logicamente ao anterior). E por
que essa distinção é importante? É importante porque todos nascemos sabendo
pensar e devemos aprender a raciocinar no decorrer da vida, senão nossos
pensamentos se tornarão confusos, não teremos um raciocínio analítico e não
entenderemos várias coisas na vida. Nossa mentalidade será confusa, vamos por
assim dizer.
Que fique bem claro, o raciocínio analítico não é uma
fórmula mágica que se aprende para ficar inteligente, mas é um processo que, se
praticado, com o tempo passa a fazer parte da mentalidade da pessoa.
O método Aristotélico não está explícito na obra de
Aristóteles, mas, de certa forma, está bem claro. Vou tomar por base algumas
expressões correntes e constantes em Aristóteles. Expressões como “por
exemplo”, “por outro lado” e “com efeito”. Não são as únicas, mas são as mais
constantes, principalmente no Organon.
Aristóteles sempre começa discorrendo sobre um tema e após
algumas ou várias linhas utiliza-se de exemplos para clarificar o que disse
anteriormente e os exemplos sempre tem uma forte relação com o dito
anteriormente. E isso é óbvio, pois se o exemplo serve para clarificar alguma
coisa, não poderá o exemplo ser mal formulado senão dará efeito contrário,
confundirá o dito anterior. E Aristóteles, após o exemplo dado, segue
discorrendo sobre o tema analisando a coisa por vários lados (por outro lado)
até, geralmente, concluir ou seguir no processo. Após a expressão “com efeito”
segue-se uma conclusão e esta pode ser (e/ou ter) lógica ou não. Em sendo (e/ou
tendo) lógica pode encerrar o raciocínio ou seguir se aprofundando sobre o
tema. Em não sendo (e/ou não tendo) lógica prossegue o raciocínio analítico
repetindo o processo. Mas não é um processo sem fim. Ao alcançar aquilo que hoje
conhecemos como “lógica” (popularmente: faz sentido) dá-se por satisfeito o
processo analítico e encerra-se ele; ou continua-se por um questão de aprofundamento na análise.
Vejam que o Organon é o instrumento que se usa para
filosofar. E para filosofar utiliza-se também o raciocínio analítico. Raciocínio analítico é o processo de análise das coisas.
Não é à toa que Aristóteles começa o primeiro tratado do
Organon (Categorias ou Das Categorias) falando dos nomes das coisas - apesar de que há discussões se as Categorias é o primeiro tratado, porém, não sendo o primeiro, é o segundo, o que, para minha presente análise, dá no mesmo. Os nomes
das coisas são importantes. Na maioria das vezes os nomes das coisas são
convencionados, são convenções feitas pelo ser humano, bem como a língua o é. É
pelos nomes (signos) que o ser humano se comunica através da linguagem falada e
da linguagem escrita. Posso fazer aqui um paralelo com linguística: signo,
significado e referente. O nome é um signo que tem um significado e um
referente. Um signo pode ser também uma letra, um símbolo, etc. Não me deterei
nessa parte, pois já discorri em outro escrito.
Santo Tomás de Aquino na Suma Teológica utiliza-se da analítica Aristotélica, a própria organização da Suma é um processo de análise em si.
Raciocinamos na maior parte do tempo utilizando palavras
(nesse sentido, nomes), grosso modo, pensamos utilizando palavras, o que é
óbvio. Óbvio também é que pensamos utilizando imagens, figuras mentais, etc.
Contudo, na maior parte do tempo pensamos e raciocinamos através de palavras
(nomes). Por exemplo, um verbo podemos considerar como um nome. O verbo
“considerar” é um nome (uma palavra) que tem um significado. Lápis é um nome
(uma palavra) que tem um significado. O referente do verbo “considerar”
encontramos no contexto da frase. O referente de “lápis” é o objeto físico
lápis.
Analisando-se os, aproximadamente, 600 mil verbetes da
Língua Portuguesa veremos que são, em sua esmagadora maioria, conceitos subjetivos.
Entenda-se aqui por “conceito subjetivo” coisas que não existem fisicamente. Por
exemplo, a palavra “considerar” não existe fisicamente, mas depreendemos seu referente
no contexto do enunciado, da frase, da oração, etc. A palavra “lápis” existe
fisicamente, existe seu referente físico por si. Bem como temos “liberdade”, “esperança”,
“acabar”, “categoria”, “entender”, “trabalho”, etc, são conceitos subjetivos. “Lápis”,
“pedra”, “mesa”, “árvore”, etc, são conceitos objetivos. Objetivo, nesse sentido, vem de objeto, o sujeito extrai as informações do objeto físico (eu olho para um lápis e vejo seu tamanho, sua cor, etc). Subjetivo, nesse sentido, vem de sujeito; tem muito do sujeito, da pessoa que está analisando a coisa (não podemos saber o tamanho da Liberdade, sua cor, etc). Não me aprofundarei aqui nesses dois conceitos, pois já fiz isso em outro escrito.
Voltando ao método Aristotélico, posso relacionar esses dois
conceitos com os “nomes” (homônimos, sinônimos e parônimos) no tratado
Categorias. Atualmente, isso se desdobrou gramaticalmente em outras
classificações: verbos, substantivos, etc. Porém, por uma questão de raciocínio
básico podemos partir desses dois pressupostos ao discorrermos e/ou analisarmos
um assunto: tal palavra (signo) é um conceito objetivo ou é um conceito subjetivo?
Não que precisemos fazer isso para todas as palavras
(signos) do enunciado, mas para as palavras mais importantes do enunciado é
interessante darmos uma atenção especial nesse sentido. Por exemplo, na
primeira frase: “Não que precisemos fazer isso para todas as palavras (signos)
do enunciado,” temos somente palavras que, isoladamente, são conceitos
subjetivos, mas entendemos o referente analisando-se o conjunto. Vejam: não existe um objeto físico chamado "não", não existe um objeto físico chamado "que", não existe um objeto físico chamado "precisemos" e assim por diante.
No enunciado: Você tem um lápis aí? Temos a palavra (signo,
nome) “lápis” que é um conceito objetivo. O referente é qualquer lápis, ou
seja, o lápis que o interlocutor tiver.
Lembrando que, para o nosso estudo, coisa é tudo que há (corpóreo ou incorpóreo) tanto fisicamente
quanto em pensamento; objeto é aquilo que se está estudando; sujeito é aquele
que estuda o objeto. Uma coisa pode
ser um objeto material ou imaterial estudado pelo sujeito.
Coisa é tudo o que
há e tudo o que existe. Tudo o que existe, para o nosso estudo, para a nossa
organização de pensamento, refere-se especificamente às coisas físicas,
existentes fisicamente no mundo. Porém, uma coisa
que existe fisicamente também há. Então, tudo o que há e existe no mundo são coisas, mas são coisas enquanto objeto de estudo.
“Nos sentidos, uma vaca é uma vaca. No pensamento, o
conceito de vaca não é vaca nenhuma, é só um esquema mental. Mas, na
imaginação, uma vaca é uma vaca ou muitas vacas, a gosto do freguês, e é também
uma vaca que é todas ao mesmo tempo; e é nesta maluquice que se fundamenta a
conexão entre pensamento lógico e realidade vivida” (Olavo de Carvalho,
Aristóteles em Nova Perspectiva, página 50).
Funciona mais ou menos assim: quando eu falo a palavra “vaca”,
na cabeça de uns isso representará uma vaca em específico (uma vaca que, um
belo dia, deu-me um coice), na cabeça de outros representará todas as vacas do
mundo e na cabeça de aqueloutros representará vaca nenhuma (somente um conceito
abstrato: uma vaca, e daí?).
Lembrando Aristóteles: “Podemos combinar ou não combinar entre
si as palavras, expressões ou frases” (Pinharanda Gomes, Organon, Categorias,
página 44). A palavra “vaca” dita isoladamente produz o que foi dito acima. A
mesma palavra dita numa frase terá um referente de acordo com o contexto.
Vejamos o seguinte diálogo:
- Vi uma vaca ontem!
- Qual vaca?
- Uma vaca no pasto.
E podemos seguir o diálogo, mas acredito que já deu para
entender.
Ao discorrermos sobre um assunto ou tema utilizando o método
Aristotélico podemos identificar os conceitos objetivos e subjetivos para
elaborarmos os exemplos que clarificarão o dito anterior. Utilizar exemplos é
opcional, mas as vezes se faz necessário e desde que o exemplo tenha forte
relação com o dito anterior. Depois seguimos discorrendo analisando a coisa,
assunto ou tema por todos os possíveis lados até chegarmos numa conclusão e esta
pode ser (ou ter) lógica ou não e, dependendo do caso, seguimos na análise ou
nos damos por satisfeitos. Por exemplo, dou-me por satisfeito neste texto. No
leitor poderá surgir alguma dúvida, mas pelo contexto o leitor se vira sozinho.
Analise qual palavra é um conceito objetivo e qual palavra é um conceito
subjetivo. Parta daí, o resto vem por si, como a urina.