domingo, 16 de fevereiro de 2020

Raciocínio

   Para este estudo, coisa é tudo que há (corpóreo ou incorpóreo) tanto fisicamente quanto em pensamento; objeto é aquilo que se está estudando; sujeito é aquele que estuda o objeto. Uma coisa pode ser um objeto material ou imaterial estudado pelo sujeito.
   Coisa é tudo o que há e engloba tudo o que existe. Tudo o que existe, para o nosso estudo, para a nossa organização do pensamento, refere-se especificamente às coisas físicas, existentes fisicamente no mundo. Porém, uma coisa que existe fisicamente também há. Então, tudo o que há e existe no mundo são coisas, mas são coisas enquanto objeto de estudo. Logo entraremos nos conceitos e definições.
   Tomaremos agora como exemplo as palavras cadeira e liberdade. Cadeira existe fisicamente e também há como conceito. Quando eu falo a palavra cadeira ela pode referir-se na mente dos outros a todas as cadeiras do mundo, a nenhuma cadeira (somente o conceito de cadeira) ou a uma cadeira em específico.
   Liberdade não existe fisicamente, mas há como conceito, não sabemos o tamanho da liberdade, a cor da liberdade, etc, mas sabemos que a liberdade existe na realidade física pelos seus efeitos e consequências. Pegamos uma pessoa e a colocamos atrás das grades, na cadeia. Tiramos a sua liberdade, porém, tiramos somente a sua liberdade física, mas essa pessoa conserva sua liberdade de espírito, de pensamento, etc. Caso dermos uma paulada na cabeça dessa pessoa e a colocarmos na cadeia, aí sim podemos dizer que tiramos de um modo mais completo a sua liberdade. Poderíamos entrar agora na discussão de alma, consciência, etc, pois mesmo desmaiada essa pessoa pode conservar algum tipo de consciência, mas não nos cabe agora discutir isso.
   O que foi dito acima refere-se a conceitos objetivos e conceitos subjetivos. Para o nosso estudo e para nossa organização do pensamento, pois outros autores podem ter conceitos e definições diferentes, tomaremos as seguintes definições:
   Conceito: é aquela imagem mental abstrata que cada um tem na sua mente a respeito de uma coisa.
   Descrição: é quando descrevemos uma coisa em palavras, seja ela falada ou escrita, mas não damos a sua finalidade. Simplesmente damos a sua descrição física.
   Definição: é quando descrevemos uma coisa e damos a sua finalidade. Então, a “definição” de alguma coisa é a sua descrição mais a sua finalidade. A definição engloba a descrição. A partir de agora nos referiremos somente à definição.
   Então, a definição também é o conceito que temos na mente externado em palavras faladas ou escritas.
   Para clarificar, vamos tomar como exemplo um simples exercício: tenho aqui na mão um lápis e eu pergunto “O que é esta coisa que eu tenho na mão?”. Alguém responderá: um lápis. Porém, eu digo: não perguntei o nome desta coisa, perguntei o que é esta coisa chamada lápis. É óbvio que atrelado ao nome da coisa (lápis) está a definição. Todo mundo sabe o que é um lápis. Todos aprendemos o que é um lápis através do conhecimento intuitivo. Veremos mais adiante o que é conhecimento intuitivo.
   Para respondermos “o que é esta coisa chamada lápis”, precisamos definir (descrição mais a finalidade) o que é um lápis, ou, mais precisamente, este lápis: é um objeto de uns 20 cm de comprimento, de meio cm de largura, tem um cilindro pontudo de grafite envolto por uma camada de madeira e esta camada de madeira está pintada na cor verde, etc, e serve para escrevermos no papel (finalidade). Esta é a definição. Lembrando que isto é feito somente para organização do pensamento. Nada mais.
   Este exercício pode ser aplicado a todas as coisas. Tente definir em palavras (faladas ou escritas) os objetos que você está vendo na sua frente agora.
   Posso agora inferir que, a partir de um simples lápis, podemos escrever uma enciclopédia completa. Basta termos na cabeça que a pessoa para a qual estamos definindo o lápis não saiba de nada. Precisaremos definir o que é grafite, o que é tinta, o que é madeira, etc. Madeira vem da árvore, mas o que é árvore? Precisaremos definir árvore com tudo o que compõe uma árvore. Vemos que daí, basicamente, vieram as ciências, a taxonomia, etc.
   Caso fôssemos definir “liberdade”, não podemos dar a sua definição física, pois “liberdade” não existe fisicamente, mas podemos tentar dar uma definição subjetiva. E chegamos em conceitos objetivos e conceitos subjetivos.
   Conceito objetivo: refere-se ao objeto físico, o objeto físico em si é que determina a sua própria definição, como no caso do lápis. Objetivo vem de objeto. Grosso modo, o objeto é que se autodefine.
   Conceito subjetivo: refere-se ao sujeito, a definição da coisa parte do sujeito (pessoa) que está definindo a coisa, como no caso da liberdade, ou seja, o conceito subjetivo tem muito do sujeito que está se expressando e da coisa que não existe fisicamente (liberdade, igualdade, fraternidade, sistemas políticos e econômicos [socialismo, capitalismo, etc]). São conceitos subjetivos e partem, basicamente, do sujeito que está definindo a coisa. Muitas vezes chegamos a um consenso entre vários autores do que é o conceito subjetivo de tal coisa expresso em palavras. Mas se fôssemos tentar definir completamente, por exemplo, de novo, liberdade, provavelmente ficaríamos anos, ou talvez o resto da vida tentando definir exatamente o que é liberdade sem nunca chegarmos a uma definição completa. Então, se faz necessário um consenso entre as pessoas para que avancemos no pensamento, senão ficaremos o resto da vida discutindo o que é liberdade.
   Assim é a linguagem; um consenso, uma convenção, mesmo sabendo que, talvez, a definição de tal coisa, de tal nome, não seja exata, mas foi o melhor que conseguimos fazer e temos consciência disso. Ter consciência disso é muito importante.
   Para nosso entendimento, língua é a língua portuguesa, a língua inglesa, língua alemã, etc. Linguagem envolve a língua, pois temos a entonação da voz, expressão corporal, etc. Na linguagem falada expressamos melhor as idéias, pois o interlocutor percebe a entonação da voz, a expressão corporal, etc. A linguagem escrita requer uma habilidade para expressar, por exemplo, ironia. Eu falo: "você é inteligente". Na entonação de voz e na expressão facial o interlocutor percebe a ironia, mas na linguagem escrita, requer que tenhamos uma certa habilidade para expressarmos a ironia.
   Óbvio é que uma palavra que nomina uma coisa que não existe fisicamente (liberdade), pode ter um conceito objetivo, mas nesse sentido, objetivo refere-se à gramaticalidade do conceito.
   Outro exercício para clarificar: imaginemos 10 pessoas olhando para uma árvore, uma mesma árvore. Estas 10 pessoas estão em fila, uma ao lado da outra e cada uma munida com papel e caneta. Pediremos para cada uma delas definir no papel a árvore que estão vendo. Ao final do exercício veremos que as 10 definições não serão exatamente iguais e nem totalmente diferentes. Terão semelhanças e diferenças. Essas semelhanças e diferenças, podemos dizer, vem, basicamente, do vocabulário de cada pessoa. Uma definirá a árvore como tendo folhas verdes, outra, como tendo folhas verdes escuras e assim por diante. Porém, todos estão vendo a mesma árvore. Umas definições serão mais detalhistas que outras de acordo com o vocabulário de cada pessoa. Entraremos nesta parte da linguagem mais adiante.
   Agora vamos ao conhecimento intuitivo. Intuição, grosso modo, refere-se ao que percebemos através dos sentidos. Conhecimento intuitivo é aquele que não precisa de intermediário, não precisa de uma definição.
   Por exemplo, quando você era criança seu pai lhe chamou e disse: vem cá, meu filho, senta aqui nesta cadeira e vamos conversar. E você aprendeu que aquela coisa se chamava cadeira. Seu pai não precisou dizer: vem cá, meu filho, senta aqui neste objeto que tem 4 pernas, um assento, um encosto, é feito de madeira, na cor marrom, etc. Simplesmente disse: cadeira. E você aprendeu.
   Vemos que a maioria esmagadora das coisas físicas do mundo aprendemos por conhecimento intuitivo. Nunca precisamos definir tal ou tal coisa. Sabemos o nome da coisa sem nunca nos preocuparmos em definir a coisa. Isto refere-se, basicamente, a sabermos ou não sabermos do que estamos falando na maioria das vezes.
   Refere-se à linguagem, aos nomes das coisas, como bem colocou Aristóteles nas Categorias. Em relação à linguagem, refere-se ao signo, significado (definição) e referente.
   Signo: são os sinais gráficos que representam os fonemas (gramática). Mas signo também são os nomes das coisas, também são símbolos que representam alguma determinada coisa. Repetindo: essas definições aqui presentes são para organização do pensamento, outros autores podem ter definições diferentes e tomamos essas definições para não nos perdermos no raciocínio.
   Significado: é o que a coisa significa. Dizer o que é um nome (uma palavra) por meio de outras palavras. É também a definição da coisa, do signo.

   Referente: é a coisa à qual o signo se refere, por exemplo, cadeira se refere ao objeto físico cadeira. Vemos que quando o referente é uma coisa que não existe fisicamente (liberdade, esperança, etc), torna-se um pouco mais difícil identificar o referente. Muitas vezes identificamos o referente do signo (nome, palavra, verbo, etc) de um conceito subjetivo pelo próprio significado (o referente é o próprio significado) e outras vezes identificamos o referente de um conceito subjetivo pelo contexto do enunciado (frase, oração, período, etc) onde o signo do conceito subjetivo está inserido.

   Faço uma diferenciação de pensamento e raciocínio. Pensamento, todo mundo nasce sabendo pensar, mas precisamos aprender a raciocinar. O raciocínio analítico que nos foi ensinado por Aristóteles é diferente do pensar. Este, já nascemos sabendo, aquele precisamos aprender para organizar os pensamentos. Raciocínio, grosso modo, é a organização dos pensamentos e é disto que estamos falando aqui: raciocínio analítico, que vem de análise, analisar as coisas. Raciocínio também é a aplicação da razão.
   Tomaremos como parâmetros para definir uma coisa as Categorias de Aristóteles, na tradução de Pinharanda Gomes:
o que (a substância),
o quanto (quantidade),
o como (qualidade),
com que se relaciona (relação),
 onde está (lugar),
 quando (tempo),
como está (estado),
 em que circunstância (hábito),
 atividade (acção),
 e passividade (paixão).
Dizendo de modo elementar, são exemplos
de substância, homem, cavalo;
de quantidade, de dois côvados de largura, ou de três côvados de largura;
de qualidade, branco, gramatical;
de relação, dobro, metade, maior;
de lugar, no Liceu, no Mercado;
de tempo, ontem, o ano passado;
de estado, deitado, sentado;
de hábito, calçado, armado;
de acção, corta, queima;
de paixão, é cortado, é queimado.

   Lembrando que são somente parâmetros para termos como base para definir uma coisa, como, por exemplo, no caso da definição de lápis anteriormente feita. Podemos utilizar as nove categorias (uma vez que a substância é a coisa em si), ou podemos utilizar algumas das categorias, pois em alguns casos não tem como aplicar as nove categorias porque depende da coisa que estamos definindo. No caso da liberdade, não tem como aplicarmos, por exemplo, a categoria de quantidade, pois não sabemos o tamanho da liberdade, mas podemos aplicar a categoria de lugar adaptando-a em relação a estarmos dentro ou fora da cadeia. E assim partimos desses parâmetros que facilitam a análise e posterior definição de uma coisa.
   Fazendo um adendo, hão discussões sobre o que Aristóteles quis dizer com “essência”. Alguns autores dizem que “essência” para Aristóteles é a coisa em si na sua origem, no sentido de origem de todas as coisas, aquela essência primária que deu origem a tudo que existe.
   Outros exemplificam “essência” dando o seguinte exemplo: uma mesa feita de madeira, a “essência” da mesa é a madeira da qual ela foi feita. Penso que esta última está errada. Uma mesa com o tampão de madeira e os pés de metal, qual seria sua essência? A madeira ou o metal?
   Formos pedir a “essência” de liberdade, a coisa de complica ainda mais. Qual é a “essência” da liberdade?
   Não entrarei aqui nas definições de “forma” e “matéria” de Aristóteles, pois o assunto se estenderia, mas penso que a “essência” de uma mesa de madeira não é a madeira na qual ela foi feita. Teríamos que ver de qual madeira essa mesa foi feita (eucalipto, mogno, etc) e sabemos que eucalipto é uma coisa e mogno é outra. As duas são árvores, mas de gêneros diferentes, vamos por assim dizer.
   Então, segundo meu modo de raciocínio, “essência” de uma coisa talvez nunca saibamos o que é. Mas podemos chegar perto de saber o que é a “essência” de uma coisa analisando-se a coisa tomando por base as categorias, mesmo que nunca possamos dizer com exatidão qual a “essência” da coisa.
   Esta é uma das dúvidas constantes da filosofia e temos que aceitar. Talvez algum dia alguém saiba dizer com exatidão a qual “essência” Aristóteles estava se referindo, mas, por enquanto, a dúvida persiste.
   Esta é a analítica de Aristóteles. Analisar-se as coisas por todos os lados. Aristóteles conseguiu, com muita propriedade, sintetizar no papel como funciona o raciocínio natural do ser humano, mesmo que esse raciocínio não chegue a uma conclusão lógica.
   A lógica, como conhecemos hoje, é o que vem depois da analítica. Primeiro o raciocínio passa por um processo de análise e depois chega-se a uma conclusão e esta pode ser lógica ou não, o popular, faz ou não faz sentido. Isso está bem claro em Aristóteles.
   Não encontramos no Organon o substantivo "lógica" nenhuma vez. Aristóteles falava da analítica. O raciocínio analítico é um processo de análise mental que leva à lógica. Aristóteles conseguiu colocar no papel com muita propriedade como funciona o processo de raciocínio natural do ser humano.
   O ser humano se comunica, basicamente, através da linguagem falada e da linguagem escrita. Entenda-se aqui "língua" como língua portuguesa, língua inglesa, língua alemã, etc. E "linguagem" engloba a língua. A linguagem se compõe da língua, da expressão corporal, da entonação da voz, etc.
   Vemos que, na linguagem escrita, torna-se um pouco mais difícil demonstrar, por exemplo, ironia, ao passo que na linguagem falada isto se torna mais perceptível.
   Quando eu falo, minhas palavras evocam pensamentos e provocam emoções nos ouvintes. Então vemos que não há como separar a razão da emoção no ser humano (é impossível), apesar de que vários autores tentaram (e falharam miseravelmente) em querer separar a razão da emoção no ser humano. Podemos separá-las gramaticalmente, somente enquanto definições linguísticas, mas na realidade não há como separar a razão da emoção no ser humano.
   O Brasileiro, de um modo geral, reage somente à emoção que as palavras e as coisas causam nele. Não há mais aquele processo de análise que, primeiro, leva em conta o significado e o referente dos signos (palavras, nomes, símbolos, etc). O raciocínio natural, aquele processo de análise que leva à lógica, tornou-se confuso. A reação automática é emocional (fiquei ofendido ou não, gostei ou não gostei, etc). E isso leva a variantes: se eu simpatizo com uma pessoa, concordo com ela, mesmo que ela esteja mentindo. Caso eu antipatize com uma pessoa, discordo dela, mesmo que ela esteja certa; além de outras variantes que não cabe aqui discorrer agora.
   O Brasileiro, de um modo geral, reage somente à emoção que as palavras e as coisas causam nele. Parece-me que não raciocinam mais com o significado dos signos (palavras, nomes, símbolos, etc) e com o referente. Aliás, parece-me que não sabem sequer que existe uma coisa chamada referente.
   Podemos resumir, grosso modo, àquela pergunta básica de Filosofia: o que é esta coisa?
   O que é esta coisa da qual estamos falando? Do que estamos falando? Do quê esse cara está falando?
   Qual o assunto e qual o objeto do assunto? A que se refere isso que esse cara está falando?
   Por exemplo: o assunto geral são frutas, mas o objeto do assunto é banana. Então se eu começo falando de banana, você não pode responder com laranja, pois são frutas, é óbvio, mas são objetos de assunto diferentes. A banana tem um formato específico, uma cor, gosto, etc, e a laranja tem outras características.
   Exemplificando mais na realidade física: quando se discute liberação das drogas, mais especificamente, da maconha, geralmente e quase automaticamente usa-se o argumento do álcool e do cigarro. É um raciocínio extremamente superficial e errado. O assunto são drogas, mas maconha é diferente do álcool. Maconha é sólida, álcool é líquido, as substâncias que compõem uma e outro são diferentes, os efeitos no corpo humano são diferentes. Não há como comparar maconha com álcool enquanto drogas. O assunto é o mesmo: drogas, mas são drogas diferentes, são objetos de assunto diferentes.
   Raciocinar somente como "drogas" e querer compará-las uma justificando a outra é relativizar dois objetos de assunto que somente tem relação verbal na palavra "drogas", mais nada. É ilusão mental. É a mesma coisa que dizer que banana e laranja são a mesma coisa porque são frutas.
   Parta sempre da pergunta: do que estamos falando? E depois, qual o assunto (assunto geral) e qual o objeto do assunto?
   Tudo no mundo tem um assunto e um objeto do assunto quando estamos conversando ou discorrendo sobre alguma coisa. E para organizar o pensamento (raciocínio) é interessante partirmos dessas premissas até isso se tornar automático na mentalidade.

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