“Começo por sustentar que um verdadeiro democrata não tem ideologia. A democracia comporta, exatamente, uma variedade de soluções para os problemas, que vai das medidas socializantes às do liberalismo, conforme as circunstâncias, o tempo histórico, as necessidades e as limitações. Há, neste sentido, no democrata, uma disponibilidade, uma disposição de procurar as soluções sem preconceitos nem prevenções, que é precisamente o contrário do que se enquadra num sistema, numa ideologia.
Tenho, sim, uma
doutrina. E um programa. Tenho idéias. Mas não ideologia. A diferença está em
que não sou escravo de nenhum sistema, não preciso optar segundo idéias
preconcebidas e, sim, na medida das necessidades, conforme os interesses reais
do povo e as imposições do bem comum (Carlos Lacerda, Reforma e Revolução, 1964)
”.
Depois de elucubrar sobre isso cheguei a algumas
considerações e conclusões.
Primeiro verei - ou tentarei ver - o que é a tal “ideologia”.
Ideologia seria, basicamente, o estudo da idéias, de onde
vem as idéias, como se formam as idéias?
Porém, temos também os vários sentidos de “ideologia” os
quais podemos encontrar em qualquer dicionário. É um bom começo, pois a partir
daí vamos avançando no raciocínio. Aliás, é o começo de tudo. Saber o signo e o
significado (e os vários sentidos) para depois então saber o referente (o que a
coisa é).
E o que é esta coisa chamada “ideologia”?
Temos vários significados e sentidos de ideologia - bem como qualquer signo os tem. Temos os sentidos
filosóficos e sociológicos de ideologia (os quais não coloco aqui, vá
pesquisar... está querendo moleza?), temos livros inteiros escritos por vários
autores tentando chegar a um denominador comum sobre o que é esta coisa chamada
ideologia. Alguns autores esclarecem,
outros complicam mais ainda a cabeça do leitor - apesar de que vários não tem
cabeça, tem bestunto.
Apesar de a época do Lacerda ser diferente, esse “não ter
ideologia” na mesma frase com “democracia” traz, de cara, alguns problemas. O
primeiro e pior deles é óbvio: o outro lado do espectro político pode ter uma “ideologia”
mesmo sem saber o que é isto ou o que isto representa, simboliza. A partir daí
o outro lado convencerá os outros, fará os outros repetirem “ideologia, eu
quero uma pra viver”, qualquer uma,
não importa qual, nem sei o que é ideologia,
mas eu quero uma para seguir. Posso chamar de ideologia, de doutrina, de causa,
de filosofia de vida, de política de vida, de método de ensino, de direita, de
esquerda, de centro, de PQP... sei lá, a ideologia
é minha, eu chamo ela do que eu quiser, não se meta no meu raciocínio!
O ponto aqui é: o que é “ideologia”?
Para eu, é o estudo das idéias, com tudo o que isso decorre.
Não digo que seja como Psicologia, Sociologia, Arqueologia, Paleontologia, Papirologia,
Pestologia, Sexologia, Zoologia, Virologia, Biologia, Biotecnologia, Tecnologia
e outras logias, posto que não há uma organização programática e/ou
curricular de ideologia como matéria
disciplinar da academia - e espero que nunca haja, pois aí sim bagunçará de vez...
não se sabe nem o que é esta coisa chamada ideologia e daí a transformarão em
aulas acadêmicas e um dia o sujeito se dirá de boca cheia “sou um ideólogo” com um
deprôma debaixo do sovaco.
Contudo, Carlos Lacerda escreveu, nesse mesmo livrinho, uma
coisa interessante: “A Itália é, como o Brasil, talvez um dos últimos países em
que ainda se toma a sério essa balela de “esquerda” e “direita”. Mas a “abertura
à esquerda” na Itália produziu o insucesso eleitoral da democracia Cristã -
como aliás, também, ultimamente em São Paulo, no Brasil”. Lembrando que
escreveu isso em 1964, hoje, talvez, isso seja só no Brasil. Depois Lacerda
segue discorrendo sobre outras coisas.
Acredito que “direita” e “esquerda” - e todos espectros aí
envolvidos - sejam balelas como Lacerda escreveu. Porém, Lacerda não menciona o porquê de serem
balela, deixando uma lacuna mental a ser preenchida.
Caso Lacerda estivesse falando que as pessoas confundem o
certo e errado, o bem e o mal, capitalismo e comunismo com “direita” e “esquerda”,
aí concordo que direita e esquerda sejam balelas. Porém, falando-se de
política, é natural surgirem lados, cada qual com suas pautas, e tais lados
recebem nomes. E, nesse caso, eu poderia dizer que direita e esquerda não são
balelas, mas são somente espectros políticos que cada cidadão adota de acordo
com o que pensa e raciocina. Portanto, a moral está presente na política e aí a
trama se complica, o vilão confunde-se com o herói e vice-versa e um fica
tomando a mocinha do outro deixando o leitor numa suruba mental. No final das
contas a pessoa acaba confundido o certo e a direita com o errado e a esquerda; o bem e a esquerda com o mal e a direita e resulta numa confusão mental dos
diabos.
Os termos “direita e “esquerda”, pelo que se sabe, surgiram na
França, em meados da Revolução Francesa, onde no parlamento, pela sua disposição física,
tinham aqueles que sentavam à direita e à esquerda do Rei, depois, Presidente.
Os Girondinos sentavam à direita e os Jacobinos à esquerda. Veja só, os termos
vieram por causa da disposição física da sala. O que eu imagino é que foi mais
ou menos assim na época: “Vou sentar ali com aqueles caras na direita - ou na
esquerda - porque gosto mais deles e tenho mais afinidade de pensamento com eles”.
Talvez se o parlamento fosse uma távola redonda gigantesca a Revolução Francesa
teria sido evitada.
Mas falando sério, poderia escrever um pouco sobre esse maniqueísmo, vamos por assim dizer, que
perdura até hoje, mas outros caras muito mais sabidos do que eu já fizeram
isso. Até na Bíblia tem várias partes maniqueístas - essa luta eterna entre o bem e o mal, entre pessoas boas e pessoas más.
Outra parte interessante é quando Lacerda diz: “Aprendi com
Marx e não esqueci a lição: é preciso parar de explicar o mundo e tratar de transformá-lo.
O que se faz necessário é um ativismo animado por idéias claras, dessas que não
tem medo de confundir bom-senso com mediocridade”.
Parar de explicar o mundo e tratar de transformá-lo. É uma
lição que eu, pessoalmente, nunca quero aprender. E não estou dizendo que
Lacerda era marxista, longe disso, mas esse é o problema de absorver certos
conceitos errados e ficar tentando ser aquele que não tem ideologia sendo que
nem sabe e nem tentou saber o que é isso. Como Lacerda mesmo disse que não tem
ideologia nem de esquerda e nem de direita, então como posso eu querer definir
tal coisa nele?
Para explicar o mundo, primeiro você tem de entendê-lo,
senão como poderá transformá-lo? Como alguém transforma uma coisa se não
entendeu essa coisa? Somente conseguirá destruí-la. E “transformar o mundo” ou “explicar
o mundo” são expressões que tem um significado, um sentido e um conceito cada uma
delas. E o mundo é grande, né?
Vou explicar o mundo para você agora, leitor! Espere
sentado, bem como espere sentado eu, ou qualquer um, transformá-lo! Entender o
mundo é uma coisa muito trabalhosa, praticamente impossível, mas as outras duas
(explicar e transformar) partem de entender. Não vejo como alguém possa
explicar ou transformar qualquer coisa que seja sem antes entender essa coisa.
Caso Lacerda estava falando de agir, então ele não deixou isso claro nas
palavras. E eu sou meio avesso em tentar ler os pensamentos das outras pessoas,
até por que não consigo. E mesmo que ele estivesse falando de agir, ainda
assim, antes de agir deve-se pensar, imaginar e raciocinar.
Lacerda deveria ter entendido e aprendido a lição de práxis. A tal práxis foi uma das pouquíssimas coisas que Marx acertou na realidade. Essa mistura de teoria e prática
em que não se sabe onde começa uma e termina a outra na realidade. Lacerda falava
tanto do comunismo e seus males, mas parece que não se aprofundou no assunto. A
tal práxis, grosso modo, resulta no
fato de que o comunista sempre tem um plano A, B, C... até Z. Na realidade a
práxis, dando um exemplo, é o seguinte: eu planejo uma ação e prevejo as
prováveis reações que podem acontecer. Fazendo isso eu já me coloco sempre um
passo a frente. De uma determinada ação eu posso prever, por exemplo, cinco
prováveis reações. Caso aconteça a primeira reação prevista, eu faço tal coisa;
caso aconteça a segunda reação prevista, eu faço aquilo; caso aconteça a
terceira reação, eu faço aqueloutro e assim por diante. Mesmo se acontecer uma reação imprevista, a probabilidade é pouca e eu já sei que isso pode acontecer. Um exemplo bem simples:
um dia antes de xingar uma pessoa de qualquer coisa, eu prevejo as prováveis
reações, pois tenho um objetivo com isso. Eu tenho informações da pessoa. Caso
ela fique quieta ao meu xingamento, eu “monto em cima dela”. Caso ela xingue de
volta, eu digo que ela me provocou antes. Caso ela queira brigar fisicamente,
eu digo que ela é violenta. Claro que tem mais coisas sobre a práxis, mas no momento é isso.
Alguns dirão que isso são "técnicas de esquerda", não podemos nos "rebaixar ao nível deles". Ora, a moralidade de uma técnica reside no uso que você faz dela. Ninguém é dono de técnica nenhuma. Imagine um sujeito vindo para cima de você com duas pistolas carregadas, entupidas de balas, querendo te matar. E você grita para ele: "Não vou me rebaixar ao teu nível, vou no soco contigo!" Você irá morrer. Uma arma você pode usar tanto para assaltar como para se defender. A moralidade de uma técnica reside no uso que se faz dela. Montar grupos, coletivos é coisa presente desde o começo do mundo. O próprio Cristo quando veio à terra qual foi a primeira coisa que ele fez antes de pregar a palavra? Juntou uma turma lá, chamada de Doze Apóstolos. Não sei se já ouviram falar nessa história!
Tendo todo um coletivo
ao dispor, então, a coisa fica melhor. É isso que eles fazem. Direcionam
ações planejadas e estão sempre um passo na frente. E, para montar um coletivo precisa de meios de ação
(dinheiro), coisa que a tal direita
no Brasil não tem e a tal esquerda
tem a rodo dos bilionários os quais o Brasileiro chama de capitalista. São os capitalistas comunistas. Ou se quiser inverter,
os comunistas capitalistas. É só no Brasil essa falta de raciocínio nesse sentido.
Pelo que se acompanha no mundo, a tal direita bilionária não existe. Vemos somente bilionários largando
dinheiro a rodo para a tal esquerda. Atrevo-me a dizer que os milionários e
bilionários didireita são os tais
porquinhos que os comunistas engordam para comer no fim do ano. São
positivistas/liberais e tem nojinho da tal ideologia, torcem o nariz para ela e
o comunista vai botando nele através dos costumes (a parte ideológica?) e o
prejuízo econômico vem depois (a parte técnica?). Todo milionário e bilionário
que se mantém “neutro” acaba perdendo suas empresas depois que o tal comunismo
(concentração de dinheiro e poder) se instala num país. Posso até nominar dois,
um de cada lado: Jorge Paulo Lemann e Luciano Hang. Quando o comunismo tomar
conta do Brasil os dois perderão suas empresas, não serão mais deles. Podem até
continuar como “donos” administrativamente, mas quem mandará mesmo é o líder
comunista com a sua corriola. Até mesmo a dupla sertaneja Wesley e Joesley
perderá sua JBS no Brasil.
Isso é histórico. Todo país que vira comunista resulta em concentração brutal de dinheiro e poder. Você pode dar o nome que quiser para essa concentração de dinheiro e poder (capitalismo ou comunismo), mas nesse caso o que importa é a realidade. E não adianta dizer: "Ah, isso é bobagem, capaz que isso vai acontecer". Pois é, dando somente alguns exemplos mais recentes na história. Capaz que Hitler faria o que fez. Capaz que Stalin faria o que fez. Capaz que Mussolini faria o que fez. Capaz que Mao Tsé Tung faria o que fez. E por aí vai. Todos falaram e fizeram. Na maioria das vezes fazem antes e falam depois. Alguns até avisam que vão matar um montão de gente e sempre tem aqueles "capaz que isso vai acontecer". Quantas vezes mais isso precisa acontecer na história da humanidade para que todos possam reconhecer quem fará isso?
A tal esquerda tem os “intelectuais”, tem dinheiro e tem
meios de ação, mas não tem povo. A tal direita tem intelectuais, tem povo, mas
não tem dinheiro e nem meios de ação. É a guerra assimétrica, um lado só bate e o outro só apanha. Dá certinho. E no Brasil o lado que apanha já entrou na fase de pedir desculpas por existir. "Desculpa por apanhar, seu Dotô, prometo não berrar da próxima vez, vou apanhar quietinho!"
Na história da humanidade sempre teve os mecenas. Por
exemplo, Platão construiu a Academia com dinheiro da família e de Dion e
Dionísio. Aristóteles construiu o Liceu com dinheiro da família e teve ajuda de
Alexandre, o grande. Karl Marx todos sabemos que viveu do dinheiro de Engels. E
assim é na história. É natural nesse sentido. Um empresário não tem tempo hábil no seu dia a
dia para estudar e um intelectual não tem tempo hábil no seu dia a dia para
ganhar dinheiro. Um intelectual pode, no máximo, prover seu sustento e adquirir alguns bens ao longo da vida, mas jamais chegará a ser bilionário. E para fazer certas ações precisa de uma certa quantidade de dinheiro.
Dê-me um exemplo, um único exemplo de um intelectual que
tenha ficado ricaço na história da humanidade!
Enfim, se a direita é o certo e a esquerda é o errado ou
vice-versa, tudo ótimo, de qualquer maneira as coisas ficam bem definidas. Mas
e se um integrante maligno de qualquer um dos lados resolver passar para o
outro lado? E esse integrante maligno não pode se tornar bom? Essas questões,
se não forem bem pensadas, imaginadas e raciocinadas podem levar a conclusões
erradas. Podem levar o cara a ser positivista/liberal que tenta separar a tal “parte
ideológica” da tal “parte dos costumes” e daí o sujeito sustenta que um
verdadeiro democrata não tem ideologia... mas esta simples frase já dá para ser
considerada uma ideologia.
Esta é minha ideologia: não ter ideologia! Percebem a confusão?
Primeiro deve-se definir o que é ideologia e depois parar de ficar repetindo
como um papagaio esta palavra esvaziada de significado, de sentido e de
conceito. Trocar conceitos por palavras dá nisso. A pessoa vai perdendo o
raciocínio e decai a inteligência decai a moral e vice-versa, não interessa
qual decai primeiro, uma vem de arrasto da outra.
Vemos, então, que esse negócio di direita, di esquerda, di centro, di PQP é mais uma questão de moral do que de qualquer outra coisa. E de qual moral se fala? Ora, valores morais universais: mentir, matar, estuprar, roubar, corrupção, furtar, etc, todo ser humano nasce sabendo que isso é errado.
Como sabemos que uma coisa é errada? Desafio qualquer ser humano
vivente ou morrente a me explicar, por exemplo, por que matar é errado?
Não conseguirá. Nascemos sabendo disso.
Alguém, neste momento, pode perguntar: “Mas se cada um nasce
sabendo disso, por que as pessoas fazem tais coisas erradas? ”. Bom, isto é uma
outra discussão e envolve mais tempo, porém, posso dizer que mesmo fazendo tais
coisas erradas, crimes, toda pessoa sabe que isso é errado. Este é o ponto. Não
há como negar isso.
Concluindo, faça o que é certo moralmente.