quinta-feira, 15 de junho de 2023

Reflexões de um Jovem sobre a Escolha de uma Profissão

A própria natureza determinou uma esfera de atividade no qual os animais devem se mover, e eles pacificamente se movem dentro dessa esfera, sem tentar ir além ou sequer suspeitar de outra.

Para o homem, também, a divindade concedeu um objetivo geral, o de enobrecer a humanidade e a própria divindade. Mas ela deixou para o homem a tarefa de buscar os meios pelo qual esse objetivo pode ser alcançado, deixou para os homens o trabalho de escolher a posição na sociedade mais adequada a cada um, a partir da qual cada indivíduo pode elevar a si mesmo e a sociedade.

Essa escolha é um grande privilégio do homem perante o resto da criação, mas ao mesmo tempo, é um ato que pode destruir sua vida, arruinar seus planos e fazê-lo infeliz. Uma consideração séria dessa escolha é, portanto, a primeira tarefa de um jovem que está começando sua carreira e que não quer deixar suas questões mais importantes ao acaso.

Todos possuem um objetivo em vista, o qual ao menos para o possuidor parece ótimo, e realmente é quando sua mais profunda convicção, a mais profunda voz de seu coração, pronuncia que se é ótimo. A divindade nunca deixa os homens totalmente sem um guia, ela fala suavemente mas com certeza.

Mas essa voz pode ser facilmente afogada, e aquilo que tomamos como inspiração pode ser produto do momento, o qual outro momento pode, talvez, destruir. Nossa imaginação, às vezes, é incendiada, nossas emoções agitadas, fantasmas voam diante de nossos olhos e nós mergulhamos de cabeça nas mais impetuosas sugestões do instinto, as quais nós imaginamos que a própria divindade nos apontou. Mas aquilo que nós ardentemente abraçamos logo nos repele e vemos toda a nossa existência em ruínas.

Devemos, portanto, examinar seriamente se nós realmente fomos inspirados na escolha de nossa profissão, se nossa voz interior aprova isso, ou se essa inspiração é uma ilusão e o que tomamos como um chamado da divindade foi apenas autodecepção. Mas como podemos reconhecer essa ilusão sem rastrear a fonte da própria inspiração?

O que é ótimo brilha, e esse brilho desperta ambição, essa ambição pode facilmente ter produzido a inspiração, ou aquilo que tomamos como inspiração, mas, a razão não pode mais conter o homem que está tentado pelo demônio da ambição e ele mergulha de cabeça no que esse impetuoso instinto sugere: ele não mais escolhe sua posição na vida, em lugar disso, sua posição é determinada pelo acaso e pela ilusão.

Não somos chamados a adotar a posição que nos oferece as mais brilhantes oportunidades, essa não é aquela que, ao longo dos anos que talvez a manteremos, nunca irá nos cansar, nunca irá amortecer nosso zelo, nunca irá deixar nosso entusiasmo crescer frio, mas aquela no qual nós, em breve, veremos nossos desejos insatisfeitos, nossas ideias insatisfeitas e então invejaremos contra a divindade e amaldiçoaremos a humanidade.

Mas não é apenas ambição que pode despertar entusiasmo repentino por uma profissão em particular, nós talvez a tenhamos embelezado em nossa imaginação e embelezamento é a causa em razão da qual isso nos parece o que a vida tem de melhor a oferecer. Nós não a analisamos, não consideramos seus encargos totais, a grande responsabilidade que nos impõe, a vimos apenas de uma grande distância e distância é algo enganoso.

Nossa própria razão não pode nos guiar aqui, pois ela não é baseada na experiência nem na observação profunda, sendo enganada pela emoção e cega pela fantasia. Para quem então devemos nos voltar? Quem pode nos ajudar onde nossa razão nos trai?

Nossos pais, que já atravessaram a estrada da vida e experimentaram a severidade do destino, nosso coração nos diz isso.

E se mesmo assim nosso entusiasmo persistir, se nós continuarmos a amar uma profissão e crer que somos chamados para ela, mesmo após examiná-la a sangue frio, após termos considerados seus encargos e estarmos familiarizados com suas dificuldades, então nós devemos adotá-la, assim nem somos enganados pelo entusiasmo e nem a precipitação nos leva embora.

Mas nem sempre somos capazes de atingir a posição para a qual acreditamos sermos chamados, nossas relações sociais têm, até certo ponto, começado a serem estabelecidas antes mesmo de estarmos em uma posição para determiná-las.

Nossa própria constituição física é frequentemente um ameaçador obstáculo, que não deixa ninguém burlar seus direitos.

É verdade que podemos tentar passar por cima disso, mas então nossa queda será ainda mais rápida, nós estaremos nos aventurando a construir em cima de ruínas, assim toda nossa vida será uma infeliz luta entre o princípio mental e o físico. Mas quem é incapaz de reconhecer os elementos conflitantes dentro de si próprio, como pode ele resistir ao tempestuoso estresse da vida, como ele pode agir calmamente? E, é a partir da calma, sozinha, que grandes atos podem surgir, ela é o único solo onde frutos maduros se desenvolvem com sucesso.

Apesar de não podermos trabalhar por muito tempo e, raramente, felizes com uma constituição física que não é adequada à nossa profissão, o pensamento de sacrificar nosso bem-estar pelo dever, de agir vigorosamente apesar de sermos fracos, continua a surgir. Mas se nós escolhemos uma profissão para qual não possuímos talento, nunca poderemos exercê-la dignamente, nós logo perceberemos, com vergonha, nossa incapacidade e diremos à nós mesmos que somos criaturas inutilmente criadas, membros da sociedade que são incapazes de cumprir sua vocação. Então a mais natural consequência é autodesprezo, e qual sentimento é mais doloroso e menos capaz de ser compensado por tudo o que o mundo exterior pode oferecer? Autodesprezo é uma serpente que roí o peito, suga o sangue vital do coração e mistura-o com seu veneno de misantropia e desespero.

Uma ilusão acerca de nossos talentos é um erro que se vinga de nós, e mesmo que não encontremos com a censura do mundo exterior, isso faz surgir uma dor mais terrível em nosso coração do que a dor infringida pela censura.

Se nós considerarmos tudo isso, e se as condições de nossas vidas permitirem que escolhamos qualquer profissão que gostarmos, nós podemos adotar aquela que nos assegura maior valor(1), aquela baseada em ideias cuja veracidade estamos completamente convencidos, que nos ofereça o âmbito mais amplo para trabalharmos pela humanidade e para nós mesmos chegarmos perto do objetivo geral para o qual cada profissão é apenas um significado: perfeição.

O valor de uma profissão é aquele que mais ergue um homem, o qual transmite alta nobreza à suas ações e seus esforços, que o faz invulnerável, admirado pela massa e elevado acima dela.

Mas valor somente pode ser assegurado por uma profissão a qual não seremos apenas ferramentas servis, mas na qual agimos independentemente em nossa própria esfera. Só pode ser assegurado por uma profissão que não demande atos repreensivos, mesmo se repreensivos apenas na aparência, uma profissão onde o melhor pode seguir com nobre orgulho. A profissão que assegurar essas condições, no mais alto grau, nem sempre é a mais alta, mas sempre é a mais preferível.

Entretanto, assim como uma profissão que não nos assegura valor nos degrada, nós certamente sucumbiremos sob os fardos de uma que se baseia em ideias que mais tarde reconheceremos como falsas.

Não temos outro recurso senão o autoengano e a salvação desesperada, aquela obtida pela autotraição.

Essas profissões que não são tão envolvidas com a vida como são preocupadas com verdades abstratas são as mais perigosas para um jovem cujos princípios ainda não são firmes e cujas convicções ainda não são fortes e inabaláveis.

Ao mesmo tempo, essas profissões parecem ser as mais exaltadas caso tiverem raízes profundas em nossos corações e se somos capazes de sacrificar nossas vidas e esforços pelas ideias que nelas prevalecem.

Elas podem conceder felicidade ao homem que tem vocação para elas, mas destroem quem as adota precipitadamente, sem reflexão, cedendo aos impulsos do momento.

Por outro lado, a grande consideração que temos pelas ideias as quais nossa profissão é baseada nos dá uma alta posição na sociedade, aumenta nosso valor e torna nossas ações incontestáveis.

Quem escolhe uma profissão que valoriza muito, estremecerá a ideia de ser indigno a ela, ele irá agir de maneira nobre apenas se sua posição for nobre.

Mas o guia que deve nos conduzir na escolha de uma profissão é o bem-estar da humanidade e nossa própria perfeição. Não se deve pensar que esses dois interesses possam estar em conflito, que um tenha que destruir o outro, pelo contrário, a natureza humana é constituída de modo que ele apenas pode alcançar sua própria perfeição trabalhando pela perfeição, pelo bem, de seus iguais.

Se ele trabalhar apenas para si mesmo, ele pode até se tornar famoso, um grande sábio, um excelente poeta, mas ele nunca poderá ser perfeito, um homem pleno.

A história chama de grandes esses homens que se enobreceram trabalhando pelo bem comum, a experiência aplaude como o mais feliz aqueles que fizeram o maior número de pessoas felizes, a própria religião nos ensina que o ser a quem todos devem se espelhar se sacrificou pelo bem da humanidade, e quem se atreveria a reduzir a nada tais julgamentos?

Se escolhermos a posição na vida a qual podemos trabalhar pela humanidade, nenhum encardo irá nos pôr para baixo, pois esses encargos são sacrifícios pelo bem de todos, então não experimentaremos alegria mesquinha, limitada e egoísta, mas nossa felicidade irá pertencer à milhões, viveremos de ações silenciosas mas em constante trabalho, e sobre nossas cinzas serão derramadas quentes lágrimas de pessoas nobres.


Notas de rodapé:

(1) O valor a que se refere Marx no trecho não é o valor monetário (Value) e sim o valor pessoal (Worth). Nota da tradução.

Karl Marx

10/16 de Agosto de 1835


Primeira Edição: Archiv für die Geschichte des Sozalismas und der Arbeiterbewegung, Ed. K. Grünberg, Leipzig, 1925; escrito entre 10 e 16 de Agosto de 1835.
Fonte: https://www.marxists.org/archive/marx/works/download/Marx_Young_Marx.pdf
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

sábado, 27 de maio de 2023

A Chacina

   Jeremias C. Sabotai estava caído em frente ao alpendre da casa principal, sendo que Marcos conversava com ele. Jeremias havia levado um tiro do lado esquerdo na altura da barriga, porém não acertou nenhum órgão vital. Faziam três dias que ele estava sendo torturado pela família pervertida de sadomasoquistas que se auto alcunhava de “Os Escolhidos” e tinha chegado de surpresa na região faziam poucos dias. A localidade no interior de um município retirado do mundo tornar-se-ia palco de uma das mais brutais chacinas da história da humanidade.

   Jeremias; que apenas a três dias viu toda sua família morrer nas mãos desses pervertidos: sua esposa, sua mãe, seus dois filhos e sua irmã; estava caído em frente à varanda com Marcos sentado à sua frente no penúltimo degrau da escada da varanda, fazendo chacota da cara dele. Jeremias caído no chão da terra com os pés aos pés de Marcos. As mulheres, Pâmela e Roseli, uma em cada lado de Marcos, riam de tudo aquilo. Às vezes, Vera com um mini maçarico portátil em forma de pistola queimava Jeremias por diversão e lambia sadicamente suas feridas.

   Jeremias passou três dias vendo Marcos, Juca, Antônio e Gervásio transarem com as quatro na sua frente, inclusive às vezes por cima dele. As quatro são Pâmela, Roseli, Vera e Maria. Além de estuprarem sua esposa, sua mãe e sua irmã, é claro.

   Os Escolhidos consistiam de uma “família” de 11 pessoas errantes: o pai Marcos de 36 anos, seu irmão mais velho Juca de 38 anos, as duas esposas Pâmela e Roseli, a esposa Maria de Juca, o filho Peter de Juca, a enteada Vera de 17 anos que fora escravizada de outra família quando pequena e não lembrava mais disso, Kelly a filha mais nova de Marcos e Roseli com 9 anos, Gervásio um amigo e simpatizante sádico da “família” com uns 30 anos, Antônio com 42 anos primo de Marcos e de Juca e o bebê de 6 meses filho de Pâmela cuja paternidade não se sabia, mas era tido como o “bebê da família”, ou seja, era de todo mundo.

   Os Escolhidos apossaram-se da propriedade de Jeremias e pretendiam estabelecer morada por ali durante um tempo, até vagearem de novo. Eles chegaram ali com duas sacolas de armas e munições, entre pistolas, revólveres, uma espingarda calibre 12, incluindo também uma antiga submetralhadora Beretta M12 de 9mm comprada há anos clandestinamente de um quartel do Exército.

   Jeremias, apesar de estar debilitado pela tortura e pelo tiro, estava consciente, um tanto cansado fisicamente, mas consciente mentalmente. Marcos, sentado no penúltimo dos quatro degraus, inclinou-se em direção a Jeremias apontando o revólver na intenção de dar fim na vida dele, porém, Pâmela pediu que esperasse mais um tempo pois gostou de Jeremias. Marcos, nesta hora, distraiu-se e Jeremias aproveitou-se desta distração e, meio sem jeito, começou a bater com os pés no revólver. A arma caiu no chão e Jeremias aproveitando-se do vacilo deles, pois hesitaram alguns segundos ante ao inusitado da reação inesperada; Jeremias, com os pés descalços, pois estava somente de calças, pegou rapidamente a arma com os pés encolhendo as pernas segurando o revólver apressadamente com as duas mãos.

   O primeiro a ser alvejado foi Marcos, com dois tiros. A segunda, com um tiro na cabeça, foi Pâmela; Roseli foi a terceira com um tiro que pegou entre o ombro e o peito. Vera que estava sentada no chão afastada uns 3 metros de Jeremias à sua esquerda foi a quarta com dois tiros rápidos, o primeiro pegou na boca e o segundo no pescoço. Jeremias, que descarregou a arma ainda meio sentado meio deitado, pois não deu tempo de levantar - tudo aconteceu muito rápido -, olhou para os lados, levantou-se, colocou o revólver vazio na cintura, pegou uma pistola .40 que estava com Pâmela, um revólver 38 de Roseli e outro que estava na cintura de Marcos.

   Olhou de novo para os lados, inclinou a cabeça primeiro para um lado depois para outro, gesto que se tornaria constante para certificar-se da morte deles. Jeremias não demonstrava emoção nenhuma. Deu uns passos em direção à Vera, abaixou-se e pegou a quinta arma, uma pistola .380. Estava agora com três na cintura e uma em cada mão. Tirou o vazio da cintura e jogou no chão, colocou a .380 na cintura e pegou o mini maçarico que estava com Vera e cauterizou de vez a própria ferida do tiro e largou o mini maçarico no chão.

   Saiu caminhando rente à casa apoiando-se na parede. Antônio, que escutara os tiros, veio correndo e ao dobrar a esquina da casa deparou-se a uns 3 metros com Jeremias, este levantou o braço atirando duas vezes em Antônio, uma pegou na cabeça e outra pegou entre o pescoço e o peito. Antônio caiu morto. Jeremias inclinou a cabeça para um lado e para outro. Virou as costas e voltou em direção à porta principal da casa onde tinha ficado três dias sendo humilhado, pisoteado, cuspido, queimado e torturado.

   Jeremias sentou nos degraus e ficou esperando. Após alguns minutos Gervásio também veio correndo ver o que tinha acontecido. Jeremias atirou de uns 10 metros com duas armas acertando, pela distância, as pernas e a barriga de Gervásio. Caminhou em direção a Gervásio caído e este meio em estado de choque olhava-o com um misto de medo e admiração. Jeremias parou ao lado e com um olhar entediado aborrecido pisou no pescoço dele, mas não para torturá-lo, é que Gervásio tentava segurar o sangue que se esvaia da própria barriga e ficava se mexendo muito e isso poderia atrapalhar a pontaria. Jeremias esticou o braço calmamente e sem pestanejar atirou duas vezes na cara dele com a .40. Inclinou a cabeça de um lado para outro, virou-se e foi em direção à casa.

   Entrou na casa que a apenas três dias era seu lar, mas agora representava mais nada. Sua intenção era pegar as duas sacolas de armas e munições. Ao chegar no quarto que fora por anos seu quarto de casal onde dormia com sua esposa agora morta jogada no chão do galpão depois de ser barbaramente torturada e morrer por não aguentar as torturas e sevícias, Jeremias viu o bebê da “família” em cima da cama de casal. Chegou ao lado, esticou o braço quase encostando o 38 na cabeça do bebê da “família”, mas não atirou. Sentiu raiva de si mesmo; não por não atirar, mas por se segurar em não atirar... e sentiu raiva disso, mas não sabia mais que emoção era essa.

   Tirou as armas da cintura, sentou na cama, calçou suas meias e botas, vestiu uma camisa abotoando-a, pegou uma das sacolas colocou as armas dentro ficando com uma na cintura e outra na mão. Colocou a sacola a tiracolo e sentiu o peso das armas. Escapou de sua boca um: “pesado”. Pegou a outra sacola de armas, mas devido ao cansaço e à fraqueza não foi capaz de carregar as duas. Saiu somente com uma das sacolas a tiracolo.

   Logo que desceu da escada de 4 degraus do alpendre pisando no chão de terra, Kelly de 9 anos, que por ter sido estuprada e sodomizada desde pequena desenvolvera um hábito de ficar por horas solitariamente em cima de uma árvore, saiu correndo do mato dos fundos da casa gritando raivosamente com uma faca na mão em direção a Jeremias. Ele ficou calmamente parado olhando aborrecido com o cenho franzido esperando-a se aproximar. Meteu uma bala na cara estourando a cabeça dela a uns dois metros de distância. Inclinou vagarosamente a cabeça de um lado para outro.

   Pensou alguns segundos no que tinha acontecido. Voltou a entrar na casa, parou ao lado da cama de casal e estourou a cabeça do bebê da família. Inclinou a cabeça de um lado para outro certificando-se. Saiu da casa, caminhou em direção à caminhonete e jogou a sacola no chão do carona. Voltou à casa e pegou a outra sacola colocando-a junto da primeira.

   Fechou a porta, apertou o alarme fechando as janelas e travando as portas. Ao voltar para enterrar sua família por um simples sentimento de obrigação, nada além disso, percebeu que Marcos ainda estava vivo. Foi em direção a ele e no caminho ao cruzar por Antônio caído morto disparou mais duas vezes no cadáver.

   Ao chegar perto viu que Marcos começava a ficar consciente, pois os dois tiros haviam pegado na altura da barriga e não o mataram. Jeremias inclinou calmamente a cabeça para um lado... e depois para outro. Olhou para Vera com a cabeça estourada e os miolos ensanguentados escorrendo misturando-se com a terra no chão, pegou o mini maçarico que estava jogado ali e colocou na cintura.

   Foi em direção a um toco de lenha em cujo estava cravado o machado que ele usava para rachar lenha e se exercitar. Retirou o machado do toco, foi em direção à Marcos sendo que este agora estava quase que plenamente consciente. Jeremias seguiu segurando o machado pela ponta do cabo arrastando-o pelo chão. Marcos percebeu o que iria acontecer e começou a ficar assustado, mas não gritou neste momento, somente ficou olhando desafiadoramente para Jeremias.

   Jeremias pisou no joelho esquerdo de Marcos e num golpe rápido decepou completamente o pé esquerdo dele. Ante à violência do golpe as armas caíram da cintura. Marcos arregalou os olhos, mas não gritou, somente gritou quando Jeremias abaixou-se e com o mini maçarico cauterizou o cotoco decepado.

   Ao som dos berros de Marcos, Jeremias pegou as armas recolocando-as na cintura, entrou na casa, pegou o cutelo de tamanho médio que sua esposa tantas vezes usou para preparar as refeições, e colocando o joelho esquerdo em cima do braço direito de Marcos firmando-o no degrau de madeira da escada, decepou a mão direita na altura do pulso. Depois novamente se valeu do mini maçarico.

   Passou por cima de Marcos agora já gritando, berrando, desmaiando e voltando à consciência e desmaiando de novo e acordando e berrando, ajoelhou-se com um dos joelhos no braço esquerdo de Marcos e decepou todos os dedos da mão esquerda, mas somente os dedos. Teve de dar uns 4 ou 5 golpes de cutelo. O mini maçarico entrou em ação pela última vez.

   Marcos agora já completamente em estado de choque não percebia a própria realidade, seu olhar era de alguém perdido virando a cabeça de um lado para outro tentando entender alguma coisa, mas não entendia nada. Nem dor já não sentia mais, somente pavor genuíno puro de instinto primário.

   Aproveitando o ensejo da situação e o machado que estava dando sopa por ali, Jeremias inclinou a cabeça de um lado para outro, pegou o machado e alisando o fio dele pensou no pescoço dos mortos e começou a desmembrar todos os Escolhidos que estavam ali, um por um - cabeça, tronco e membros separados -, inclusive o bebê da família, menos Marcos, este foi poupado da decepação completa, pois morreu à míngua. Ao chegar em Roseli Jeremias percebeu que ela ainda estava viva e respirando, o tiro não fôra mortal, porém, os golpes de machado completaram o serviço.

   Enterrou sua família ao pé de um abacateiro que ele mesmo havia plantado anos atrás, entrou na caminhonete e seguiu pela estrada única de acesso. Depois de uns 200 metros cruzou com Juca, sua esposa Maria e seu filho Peter vindos a pé pela estrada, pois tinham ido na “venda”.

   Como a caminhonete tinha película fumê nos vidros eles pensaram que era alguém de Os Escolhidos que veio dar uma carona. Jeremias parou a caminhonete a uns 10 metros deles, pegou a submetralhadora, abriu a porta e desceu saindo detrás da porta atirando. Derrubou os três. Inclinou a cabeça de um lado para outro e, como sempre agora, o olhar calmo, tranquilo e aborrecido com cenho franzido.

   Chegou ao lado de Juca apontando a submetralhadora para a cara dele, este, ainda vivo, esticou os braços clamando por alguma coisa parecida com piedade ou misericórdia ou perdão e dizendo falsamente: “pelo amor de deus, não faça isso, por amor a Jesus...”.

   Jeremias inclinou-se um pouco para a frente e apertou o gatilho. Só parou quando a máquina descarregou completamente e ainda assim ficou mais alguns segundos apertando o gatilho.

   Jeremias, antes de entrar na caminhonete, olhou para eles e inclinou calmamente a cabeça de um lado para outro... entrou e foi embora.

sábado, 28 de janeiro de 2023

Propriedade Privada e Comunismo

Karl Heinrich Marx  


     Comunismo: concentração de dinheiro e poder nas mãos de poucas pessoas às custas da miséria e do sofrimento da maioria, ou, caso quiser chamar esse significado de Capitalismo, sinta-se à vontade.

     Hoje a base do texto será o manuscrito Propriedade Privada e Comunismo de Karl Marx, cujo texto na íntegra pode ser encontrado no link ao final.

     Mas primeiro farei uma pequena introdução do método e do raciocínio de Marx (o raciocínio de Marx é uma coisa, a obra marxista é outra).

     Da análise do texto decorrerão outros desdobramentos, pois o próprio Marx não trabalhava com definições, mas trabalhava com “determinações” e ia desdobrando infinitamente o objeto da análise na intenção de concretizá-lo. Isto é fato: Marx não trabalhava com definições. Ele desdobrava o objeto infinitamente na intenção de concretizá-lo. Isto, por si, é um absurdo. Desdobrando-se um objeto de análise infinitamente como se poderá concretizá-lo?
     "Objeto" aqui é toda e qualquer coisa a se analisada. Exemplo: capital, um lápis, uma cadeira, liberdade, esperança, etc. "Objeto", neste sentido, pode ser sinônimo de "Coisa": tudo aquilo que existe ou possa vir a existir, objetos corpóreos e incorpóreos.

     Quando se desdobra uma coisa desta maneira (infinitamente) o que acontece é uma confusão mental imensa (nunca saberemos o que é a coisa), pois esses desdobramentos acarretarão em outros desdobramentos e assim até o infinito. Exemplo: no Capital, Marx fala primeiro que o capital é uma relação social, não é uma coisa, depois desdobra o capital em “determinações” e no decorrer diz que o capital pode ser moeda também (o capital teria nascido da moeda e depois a moeda se transforma em capital?!?), e moeda (dinheiro) sabemos que é uma coisa e não uma relação social, e assim Marx vai “desdobrando” infinitamente o objeto em “determinações”, vai mudando o eixo. Aliás, tanto capital quanto relação social são coisas, porém, não tem como se saber em qual sentido Marx emprega esses termos. Não há na obra marxista uma única definição de quaisquer coisas. Como dizem certos marxistas: "Se você é um leitor que pretende encontrar definições, Marx não é o autor para você".

     Mercadoria, mais-valia, etc, desafio o leitor a encontrar uma única definição de qualquer conceito básico em toda a obra marxista. Não encontrará, mas está lançado o desafio.

     Esse raciocínio (ou falta dele) de Marx, estendeu-se a todos os outros autores posteriores a ele. Basta perceber que o universo semântico das várias obras assim chamadas comunistas posteriores a Marx são semelhantes. As expressões utilizadas são bastantes parecidas, o estilo de escrita é semelhante, ressalvadas, claro, diferenças de estilo pessoal na escrita. Mas, no geral, são semelhantes.

     Um aluno que lê e estuda Marx (ou outro autor comunista posterior a Marx) por um, dois ou mais anos, penetra nesse universo semântico e absorve o raciocínio de Marx por osmose. Passa a repetir as mesmas expressões e passa a desdobrar as coisas em infinitas “determinações” que, aparentemente, tem uma relação com o objeto anterior, mas esta relação logo se perde em uma relativização maluca porque o objeto é desdobrado infinitamente e não se chega a conclusão nenhuma. Raciocina-se por chavões. E sabemos que existem coisas na vida que tem definições (conceitos objetivos) e outras coisas não tem definições (conceitos subjetivos). E tem coisas que encontrar uma definição dá um pouco mais de trabalho e estudo.

     Penso eu que este método de não se trabalhar com definição nenhuma leva à insanidade e ao emburrecimento, por motivos óbvios. É o desdobramento infinito do pensamento: uma coisa leva a outra, que leva a outra... e assim sucessivamente num ciclo sem fim. Não foi à toa que Marx propôs a tal “Lutas de Classes”, lutas no plural, pois a luta não é somente entre as classes, mas deve acontecer entre os indivíduos dentro de uma mesma classe também. É a luta sem fim, ninguém mais se entende, pois vão se desdobrando os pensamentos e as argumentações onde ninguém chega a conclusão nenhuma, mas têm-se discussões infinitas onde vai se mudando de eixo da discussão e cada um pensa que tem razão, porém, não tem razão, tem “determinações” num processo de relativizações sem fim.
     E chega-se num ponto em que um dos lados DETERMINA autoritariamente que está certo sem argumentação nenhuma. E isto segue-se num ciclo sem fim de lutas, brigas de egos, discussões intermináveis em torno de nada, etc. Basta ver algum debate até entre marxistas sérios para perceber que não se chega a conclusão nenhuma. Cada um tem a sua própria “determinação” a respeito da obra de Marx. Acredito que é por isso que a obra comunista no mundo é incomensurável. Cada autor, após um tempo de estudo, julga-se automaticamente apto a escrever sua própria obra encontrando novas “determinações”.

     Este raciocínio é perigoso, pois leva à mentira e à enganação. Chega um momento em que não se encontra mais uma “determinação” no objeto (as informações do objeto se esgotam) e passa-se a relativizar inventando determinações achando que essas determinações têm alguma relação com o objeto, mas não tem, pois foram tantas “determinações” extraídas do objeto que o sujeito (a pessoa que está analisando o objeto) já se perdeu numa confusão mental.

     Bom, após estes prolegômenos, passo ao texto propriamente dito: Propriedade Privada e Comunismo. Escolhi este texto porque Marx dá umas pinceladas em Filosofia. Aliás, são poucos os textos onde Marx entra em Filosofia. Sua obra é mais voltada para alguma coisa parecida com economia.

     Segue aqui todo o primeiro parágrafo, para ninguém falar que retirei citações fora do contexto. Depois vamos desdobrando em “determinações, como Marx faria:

 

“Todavia, a antítese entre a não-posse de propriedade e propriedade ainda é uma antítese indeterminada, não concebida em sua referência ativa às relações intrínsecas, não concebidas ainda como uma contradição, desde que não é compreendida como uma antítese entre trabalho e capital. Mesmo sem a expansão evoluída da propriedade privada, p. ex., na Roma antiga, na Turquia, etc., esta antítese pode ser expressa em uma forma primitiva. Nesta forma, ela não aparece ainda como estabelecida pela própria propriedade privada. O trabalho, porém, a essência subjetiva da propriedade privada como exclusão de propriedade, e o capital, trabalho objetivo como exclusão de trabalho, constituem propriedade privada como a relação ampliada da contradição e, pois, uma relação dinâmica que tende a resolver-se.”

 

     Marx começa o texto dizendo: “Todavia, a antítese entre a não-posse de propriedade e propriedade ainda é uma antítese indeterminada, não concebida em sua referência ativa às relações intrínsecas, não concebidas ainda como uma contradição, desde que não é compreendida como uma antítese entre trabalho e capital. ”

     Posso, "de cara", perguntar: de qual antítese Marx está falando? Da antítese de Hegel?

     Para responder essas perguntas o leitor tem de ler praticamente TODA a obra de Marx (e entrar no seu universo vocabular semântico). Aí já vemos um problema em não se trabalhar com definições, em não deixar as coisas claras nos seus escritos. Não que se tenha que dar definições para tudo - isso é impossível -, mas pelo menos nos conceitos básicos se faz necessário, senão o leitor fica perdido no tempo e no espaço e isso, por si, permite ao leitor encontrar suas próprias “determinações” gerando um ciclo infinito de pensamentos desordenados que produz somente confusão mental.

     Mas vamos adiante. Não tentarei aqui dar uma definição ao que Marx chama de “não-posse de propriedade” e “propriedade”, pois se o próprio Marx não trabalha com definições, quem sou eu para fazê-lo?

     Mas posso dar minhas próprias “determinações”. Para tanto, valer-me-ei de um simples exemplo: eu alugo uma casa, tenho a posse, mas não tenho a propriedade; quem tem a propriedade é o proprietário. Estamos falando de posse, e esta, pode ser feita diretamente entre as partes (no fio do bigode) ou mediada pelo Estado (contrato assinado, posse jurídica).

     E Marx transforma isso numa antítese indeterminada, mas que não é concebida como uma contradição e desde que não é compreendida como uma antítese entre trabalho e capital. Daí ele enfia trabalho e capital no meio da conversa (desdobra em uma nova determinação).

     Marx faz um bom uso das palavras (universo vocabular semântico), não sei para qual fim, mas faz.

     Depois ele fala em propriedade privada, que, nessa forma (não-posse de propriedade e propriedade) essa antítese não aparece ainda como estabelecida pela própria propriedade privada.

     E segue: “O trabalho, porém, a essência subjetiva da propriedade privada como exclusão de propriedade, e o capital, trabalho objetivo como exclusão de trabalho, constituem propriedade privada como a relação ampliada da contradição e, pois, uma relação dinâmica que tende a resolver-se.”

     Podemos observar que, na citação acima, poderíamos encontrar uma definição de trabalho (a essência subjetiva da propriedade privada como exclusão de propriedade) e de capital (trabalho objetivo como exclusão de trabalho). Porém, Marx não trabalha com definições, trabalha com “determinações” e vai desdobrando o objeto até o infinito. Aqui já encontramos outra “determinação” para capital, diferente das que eu citei no exemplo acima de O Capital no quinto parágrafo deste texto.

     Espero que o leitor esteja entendendo o raciocínio, que entenda o que são os tais “desdobramentos infinitos em determinações”, ou seja, desdobrar o objeto infinitamente em determinações para concretizá-lo. Até o momento não concretizamos o que é capital para Marx. E mesmo que o leitor leia TODA a obra de Marx não concretizará o que é capital para Marx, pois Marx não trabalha com definições, trabalha com “determinações”.

     E depois, no final da citação, ele fala da “propriedade privada como a relação ampliada da contradição e, pois, uma relação dinâmica que tende a resolver-se.”
     De qual contradição ele está falando agora? Da antítese entre a não-posse de propriedade e propriedade não concebidas ainda como uma contradição? Nunca se sabe exatamente do quê Marx está falando.

     E depois ele fala da “relação dinâmica que tende a resolver-se”. Qual relação dinâmica? Da relação entre a não-posse de propriedade e propriedade ou da relação entre capital e trabalho?

     Bom, de qualquer maneira, seja lá de qual relação Marx esteja falando, ela tende a resolver-se sozinha, então não devemos nos preocupar com isso.

     Depois, no segundo parágrafo, o qual não transcrevei aqui porque é grande, mas darei minhas “determinações”. O leitor pode conferir o parágrafo, e o texto inteiro, depois no link ao final.

     Marx fala que a propriedade privada é primeiro considerada somente em seu aspecto objetivo, mas considerando o trabalho como sua essência, ou seja, o trabalho é considerado como a essência da propriedade privada. Sua maneira de existir, portanto, é o capital, que é necessário abolir. E o trabalho que é levado a um nível comum, subdividido e, por isso, não-livre, é visto como a fonte da nocividade da propriedade privada e de sua alienação em relação ao homem.

     O trabalho não-livre é visto como a fonte da nocividade da propriedade privada e de sua alienação em relação ao homem. O que é trabalho não-livre para Marx? Não encontraremos o que é isso, pois Marx não trabalha com definições, ele trabalha com determinações. Aliás, não se sabe sequer o que é trabalho para Marx. Trabalho não-livre é uma nova determinação de trabalho.

     Depois Marx cita o trabalho agrícola de Fourier e o trabalho industrial de Saint-Simon e segue:

“Finalmente, o comunismo é a expressão positiva da abolição da propriedade privada e, em primeiro lugar, da propriedade privada universal. Entendendo essa relação em seu aspecto universal, o comunismo é em sua primeira forma, apenas a generalização e concretização dessa relação”.

     Nesta parte acima, Marx fala do comunismo e da expressão positiva da abolição da propriedade privada. Em todo o texto Propriedade Privada e Comunismo, Marx refere-se sempre à abolição da propriedade privada como uma coisa positiva, mas não explica porque isso é uma coisa positiva. O leitor que encontre sua própria determinação do porquê a abolição da propriedade privada ser uma coisa positiva, mas Marx, pela repetição constante disso, frisa que é uma coisa positiva.

     Depois ele diz que o comunismo quer abolir o talento, etc., pela força, mas nessa parte ele está falando do comunismo inteiramente vulgar e irrefletido. E o papel do trabalhador não é abolido, mas ampliado a todos os homens.

     Esta parte é interessante: “A relação da propriedade privada continua a ser a da comunidade com o mundo das coisas. Por fim, essa tendência a opor a propriedade privada em geral à propriedade privada é expressa de maneira animal; o casamento (que é incontestavelmente a forma de propriedade privada exclusiva) é posto em contraste com a comunidade das mulheres, em que estas se tornam comunais e propriedade comum”.

     Acredito que está bem claro: no casamento, para o machista Marx, a mulher é propriedade privada do homem, mas pode se tornar comunal e propriedade comum (coletiva), a mulher é de todos.

     Depois ele diz: “... essa idéia de comunidade das mulheres é o segredo de Polichinelo desse comunismo inteiramente vulgar e irrefletido”. Segredo de Polichinelo é aquele segredo que todo mundo sabe, mas comenta-se somente à boca miúda, tal qual o marido traído que é sempre o último a saber e por mais que se mostre provas tal marido não acredita, pois foi seduzido pela prostituta do comunismo.

     Após, ele fala que “as mulheres terão de passar do matrimônio para a prostituição universal”, assim como o mundo das riquezas terá de passar da relação de casamento exclusivo com o proprietário particular para a de prostituição universal com a comunidade.

     É uma bela relação que Marx faz: devemos dividir as riquezas assim como devemos dividir as mulheres. Mas lembremos que Marx está falando do comunismo vulgar, irrefletido, porém, ele não diz se isso é uma coisa boa ou uma coisa ruim; o leitor que encontre sua própria determinação.

     Ele ainda fala da inveja universal que se estabelece como uma forma camuflada de cupidez, de cobiça. Que essa inveja e o nivelamento por baixo constituem a essência da competição, ou seja, quem tem menos quer ter mais, única e exclusivamente por que tem inveja do outro. E isso, para Marx, é a essência da competição. Sabemos que a concorrência é a essência do capitalismo, então, posso determinar que, para Marx, a essência do capitalismo é a inveja. Eu quero ter propriedade privada por que tenho inveja dos outros?!? Eu quero dar e ter fidelidade no casamento por que tenho inveja dos outros?!?

     Ele termina o parágrafo dizendo que a “eliminação da propriedade privada representa uma apropriação genuína que é demonstrada pela negação abstrata de todo o mundo da cultura e da civilização, e pelo retorno à simplicidade inatural do pobre e indigente que não só ainda não ultrapassou a propriedade privada, mas nem ainda a atingiu”.

     Ele está falando acima do retorno do homem a si mesmo como um ser social, isto é, realmente humano, um regresso completo e consciente que assimila toda a riqueza da evolução precedente e isso se dá pela abolição positiva da propriedade privada e; o comunismo como um naturalismo plenamente desenvolvido é humanismo e como humanismo plenamente desenvolvido é naturalismo; e o comunismo “é a resposta ao enigma da História e tem conhecimento disso”. Ele está falando agora do comunismo quanto à sua consciência pensante, e seu processo entendido e consciente de vir-a-ser; e não do comunismo vulgar, irrefletido.

     A parte seguinte também é interessantíssima: “Na relação com a mulher, como presa e serva da luxúria comunal, manifesta-se a infinita degradação em que o homem existe para si mesmo; pois o segredo dessa relação encontra sua expressão inequívoca, inconteste, franca e patente na relação do homem com a mulher e na maneira pela qual se concebe a relação direta e natural da espécie. A relação imediata, natural e necessária de ser humano como ser humano é também a relação do homem com a mulher”.

     Na minha determinação posso inferir que o comunismo prega por igual a infinita degradação do homem e da mulher, mas existem aqueles que são comunistas e são “mais iguais do que os outros” e estão fora dessa degradação.

     O meio do texto todo Marx segue na toada da abolição positiva da propriedade privada, fala da alienação religiosa, da atividade social e do espírito social, do trabalho científico, da consciência como espécie, da objetificação do homem, dos cinco sentidos do homem, da história da indústria, das ciências naturais, etc, num blá-blá-blá que se desdobra em várias determinações, como sempre.

     E chegamos no final. Marx fala da idéia da criação da terra. Da geogenia que descreve a formação e o desenvolvimento da Terra como um processo de geração espontânea e que essa geração espontânea é a única refutação prática da teoria da criação. Aqui é onde ele começa não somente a negar Deus, mas quer abolir a idéia de Deus da mente humana e a palavra Deus do vocabulário.

     No parágrafo seguinte ele cita Aristóteles que disse: você foi gerado por seu pai e sua mãe, e conseqüentemente foi o coito de dois seres humanos, um ato da espécie humana, que produziu o ser humano. E Marx cria uma nova determinação chamada movimento circular segundo a qual o homem reproduz-se a si mesmo. E faz um malabarismo mental onde tenta refutar “racionalmente” a teoria da criação da seguinte maneira: “quem criou o primeiro homem e a natureza como um todo? Só posso responder: sua pergunta é, em si mesma, um produto da abstração. Pergunte a si mesmo como chegou a essa pergunta. Pergunte-se se sua pergunta não nasce de um ponto de vista a que eu não posso responder por que ele é deturpado. Pergunte-se se essa progressão existe como tal para o pensamento racional. Se você indaga acerca da criação da natureza e do homem, você está abstraindo estes. Você os supõe não-existentes e quer que eu demonstre que eles existem. Replico: desista de sua abstração e ao mesmo tempo você abandonará sua pergunta. Ou então, se você quer manter sua abstração, seja coerente, e se pensa no homem e na natureza como não-existentes pense também em você como não-existente, pois você também é homem e natureza. Não pense nem formule quaisquer perguntas, pois logo que você o faz sua abstração da existência da natureza e do homem se torna sem sentido. Ou será você tão egoísta que concebe tudo como não-existente, mas quer que você exista? ”

     Marx diz que a teoria da criação do mundo por Deus é uma abstração deturpada e que é só você não se perguntar mais de onde viemos e para onde vamos que tudo se resolverá como por mágica e que se você não fizer isso você é egoísta. É a negação da metafísica. Para o comunismo a metafísica não existe.

     Mas vamos adiante. No início do último parágrafo, Marx fala que: “Como, no entanto, para o socialista, o conjunto do que se chama história mundial nada mais é que a criação do homem pelo trabalho humano, e a emergência da natureza para o homem, ele, portanto, tem a prova evidente e irrefutável de sua autocriação, de suas próprias origens. "

     Chega a ser uma piada. Marx diz que o homem se autocriou. Ora, isso também é uma abstração, pois Marx não sabia como o mundo e o ser humano se originaram (e ainda não sabemos com certeza), mas para Marx a teoria da criação por Deus é uma abstração deturpada enquanto a teoria dele de autocriação é uma “verdade autoevidente”.

     Como ele mesmo disse acima: “Se você indaga acerca da criação da natureza e do homem, você está abstraindo estes”. Ora, para chegar à conclusão de que o ser humano se autocriou, Marx teve que abstrair, teve que indagar acerca disso. Vemos que é um picareta extremamente maligno ou um maluco. Marx deve ser relegado ao esquecimento de onde nunca deveria ter saído.

     Depois ele diz que a busca de um ser estranho, um ser acima do homem e da natureza é praticamente impossível porque essa busca é uma confissão da irrealidade do homem e da natureza. Mas a tal da autocriação proposta por ele não é uma busca impossível e, como já vimos, isso é tão abstração como a teoria da criação do mundo por Deus. Porém, desde que o mundo é mundo, o ser humano sempre teve Deus, deuses ou uma entidade qualquer. Isso, de certo modo, faz parte da metafísica, faz parte da natureza do ser humano questionar de onde viemos; e a loucura do comunismo pretende acabar com isso. Contudo, isso é impossível. O que estão conseguindo é causar sofrimento e miséria no mundo.

     Depois Marx fala do ateísmo. Que o ateísmo não faz sentido porque é a negação de Deus e procura afirmar, por essa negação, a existência do homem. Para Marx nem o ateísmo é aceitável, porque enquanto tiver um ateu sempre existirá a idéia de Deus. O ateu nega a Deus, mas fala em Deus mesmo não acreditando Nele. Um ateu pelo menos pensa na hipótese do que acontece depois da morte, mesmo acreditando que não acontece nada, morremos e pronto, não existe alma nem vida eterna, mas pelo menos um ateu pensa nisso e conserva sua moral. O comunismo é a negação de qualquer crença e não estou falando de crença religiosa, mas de toda e qualquer crença. Para o comunismo a moral é social, política e econômica, ou seja, ela é volúvel, uma hora está valendo matar, outra hora não está valendo; e quando não está valendo matar eu digo que não está valendo porque eu quero te matar melhor mais adiante. Quero conquistar tua confiança para te lograr melhor mais adiante. É a propagação da cultura da mentira e do fingimento, da falsidade.

     E Marx termina: “O socialismo dispensa esse método assim tão circundante; ele parte da percepção teórica e prática sensorial do homem e da natureza como seres essenciais. É autoconsciência positiva humana, não mais uma autoconsciência alcançada graças à negação da religião; exatamente como a vida real do homem é positiva e não mais alcançada graças à negação da propriedade privada, por meio do comunismo. O comunismo é a fase de negação da negação e é, por conseguinte, para a próxima etapa da evolução histórica, um fator real e necessário na emancipação e reabilitação do homem. O comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não é em si mesmo a meta da evolução humana - a forma da sociedade humana. ”

     O comunismo é a concepção zoológica da humanidade, o ser humano tomado como um animal irracional, agindo por instinto; menos os comunistas, estes estão acima disso tudo vivendo do bom e do melhor escravizando os “animais” seres humanos levados à condição de animais irracionais.

     "O comunismo é a negação da negação, é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato e, ao mesmo tempo, o comunismo não é a meta da evolução humana", ou seja, o comunismo é a negação de tudo; é luta, sofrimento, miséria, emburrecimento, é o ser humano agindo como animal, é degradação, é o ser humano comendo filhotes de ratos vivos, é a maioria dos seres humanos sendo escravizados pelos comunistas.
     O comunismo é uma cultura de mentira e fingimento.

     E quem são os comunistas?

     Para não alongar o texto, responderei essa questão numa outra oportunidade, pois isso requer várias considerações e veremos como o comunismo e o capitalismo se confundem atualmente e que a questão básica é moral.

 https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/manuscritos/cap04.htm


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Razão e Emoção - 2

   O ser humano é formado, neste sentido, por Razão e Emoção.

   Para nosso entendimento, meu e do leitor, Razão é o Intelecto, a Inteligência. O raciocínio é a aplicação da Razão. Entenda-se por “raciocínio” a concatenação de pensamentos, um pensamento organizado logicamente após o outro. E refletimos isso através da palavra (falada e escrita), pois não me adianta nada ter um conceito bonitaço dentro da minha cabeça se não o exponho em palavras (falada ou escrita). Entenda-se por “conceito” aquela imagem mental abstrata que está dentro da nossa mente, da nossa cabeça.

   Pouco me adianta ter idéias e pensamentos se não as exponho de público através da palavra (falada e/ou escrita). Morrerão comigo.

   O ser humano se comunica através da palavra (falada e/ou escrita), o que é óbvio. Porém, não confunda “comunicação” com “linguagem”. São coisas diferentes. A Linguagem é própria do ser humano, a “comunicação” é própria dos animais cujo gênero (animal) o ser humano faz parte. Porém, a Linguagem é específica do ser humano. Os animais irracionais têm Comunicação. Este termo “Linguagem” deve ser utilizado, obrigatoriamente, quando se referir única e exclusivamente a seres humanos, pois é a linguagem que nos diferencia, basicamente, dos animais irracionais. Um cachorro, um gato, um boi, um cavalo, etc, têm Comunicação, não têm Linguagem posto que a Linguagem vem do raciocínio, coisa que os animais irracionais não tem. Eles se comunicam. Esta distinção entre “linguagem” e “comunicação” pode parecer somente uma mera distinção de termos, mas, neste sentido, não é, vem da realidade.

   Emoção são as emoções em si, os sentimentos, desejos, sensações, vontades, intenções, etc, a parte psicológica do ser humano, vamos por assim dizer.

   Emoções – diferente do todo Emoção – são agitações dos sentimentos posto que todo sentimento é calmo e as emoções são agitações. Exemplos: Raiva é uma emoção posto que você está agitado quando está raivoso – de novo, não confunda agora esta emoção com aquela Emoção, o termo geral. Euforia é uma emoção posto que você está agitado quando está eufórico.

   Alegria é um sentimento posto que é calmo, você está feliz, alegre, mas está calmo. Ódio é um sentimento posto que você está calmo. Então existem sentimentos bons e sentimentos ruins. Emoções, de um modo geral, nunca são coisas boas, pois você está agitado.

   Exemplo da realidade: você está num show de rock, sertanejo, etc e está gritando feito um maluco (ou uma maluca) “estou feliz pra caralho”. Você não está feliz, você está eufórico!

   A nem toda emoção corresponde um sentimento. Euforia não é a emoção correspondente do sentimento Alegria. Raiva não é a emoção correspondente do sentimento Ódio. Por exemplo, eu posso odiar uma pessoa por anos e conviver com ela diariamente e nunca ter um acesso de raiva com essa pessoa, pois eu a odeio e ódio é calmo. E o ódio, neste sentido, leva à falsidade. Bem como posso ter um acesso de raiva com uma pessoa, mas foi coisa de momento, depois peço desculpas, pois eu estava nervoso, agitado, e isso não significa que odeio esta pessoa.

   Eu posso agora puxar Sócrates no famoso: “Conhece-te a ti mesmo”. Isto começa por saber o que são emoções e o que são sentimentos para você saber o que está sentindo – sentindo aqui do verbo sentir, não de sentimento, pois “sentimento” aqui, neste sentido, é um substantivo, não um verbo.

   Então, o ser humano é formado por Razão e Emoção. A parte racional e a parte emocional que, desta maneira, esta parte emocional não se confunde com a parte sentimental.

   Porém, Razão e Emoção, muitas vezes confundem-se dentro do ser humano e isto é natural, pois muitas vezes não sabemos onde termina uma e começa a outra e vice-versa.

   Seu Filho da Puta! Você, leitor, é um filho da puta!

   Talvez você, leitor, achou estranho eu, do nada, proferir esse calão, porém, eu somente estava demonstrando que não sabemos às vezes onde termina uma e começa a outra. Talvez alguns acharam engraçado eu proferir o calão assim, do nada, outros talvez ficaram ofendidos, outros, talvez, não gostaram de ler um “filho da puta” saído assim de repente, outros talvez acharam até uma coisa inteligente... vá saber, sei lá eu o que se passa na cabeça de quem lerá este texto. Porém, o ser humano tem certos padrões, vamos por assim dizer, que são intrínsecos. Então, mesmo eu não tendo certeza da reação de cada um posso, através desses padrões, imaginar as possíveis e prováveis reações e, para tanto, tive que “conhecer a mim mesmo” para poder conhecer os padrões tive que saber o que é Emoção e o que é Razão, tive de ler, estudar, pois toda confirmação e todo estudo é individual, neste sentido. Individualidade e coletivismo, a ser discorrido em outro momento.

   Estou distinguindo em palavras escritas o que é Razão e o que é Emoção, mas dentro do ser humano isso se confunde muitas vezes, pois no “calor do momento”, muitas vezes, perdemos a Razão, e a Emoção aflora. Não exatamente “perdemos”, mas há um desequilíbrio entre elas que, na realidade, é o que chamamos de “falta de maturidade” ou aquilo que Aristóteles chamava de “falta de temperança”, este desequilíbrio entre Razão e Emoção.

   Óbvio que somos seres humanos feitos de emoções, sentimentos, desejos, vontades, sensações, intenções, etc, a tal parte psicológica e isto nos confere o que chamamos de Humanidade. Então é um equilíbrio, pois não podemos viver o tempo todo raivosamente ou emocionados ou sentimentalizados – e nem conseguimos.

   Não adote este equilíbrio entre Razão e Emoção como um chavão genérico que vale para tudo na vida, pois a vida não é assim e você sabe disso... ou deveria saber.

   Aí entra o senso das proporções, o discernimento entre saber distinguir, até certo ponto, uma coisa da outra. Têm certas coisas na vida que são oito ou oitenta, não há terceira opção. E têm certas coisas na vida que têm “nuances”, camadas, níveis. Como se diz, muitas vezes uma história tem vários lados. O senso das proporções, o discernimento, vem daí. Porém, quando você detecta na realidade que uma coisa (ou situação) não tem terceira opção então... é óbvio, é isto ou é aquilo. Exemplo simples: este óculo tem armação da cor preta! Não há porque elucubrar dizendo: “mas este óculo poderia ter a armação da cor vermelha”. Não faz sentido. O teu enunciado, em si, está correto, este óculo poderia ter a armação da cor vermelha, mas em relação à coisa em si, está errado. Ele tem a armação na cor preta e ponto final.

   Não queira deixar se levar pela Emoção e esquecer a Razão. Não se perca em elucubrações, conjeturas, tergiversações inúteis. Tenha senso das proporções, discernimento entre as coisas. Não venha querer me levar à sua loucura, ao seu universo vocabular estúpido.

Um Poema Engraçado

Sinto a eletricidade do corpo
Entre cosquinhas e risadas
Temos a alegria dos porcos
Que fuçam na lama da estrada

Um beijo de lábios juntos
O cheiro do perfume suave
O teu batom é o rejunte
Que nos meus lábios não arde

O choque da realidade vivida
Com todo amor e carinho
É como desligar da tomada
Separar o nariz do focinho

Um abraço e um beijo infinito
Duradouro e apertado
Da boca nos cala o grito
Mas deixa o corpo colado

Quero guardar na lembrança
Esse momento estranho
Na lama fizemos lambança
E fomos tomar banho

Sinto a eletricidade do corpo
Da vida não se leva nada
O último suspiro de um morto
A cama é a nossa estrada

Sem ter o que fazer
Deitados pensando em tudo
Meu ser é o teu ser
Dane-se o mundo