sexta-feira, 19 de julho de 2024

Pensamento e Raciocínio

   "O Brasileiro perdeu a capacidade de raciocinar com várias variáveis e constantes por trás dos fatos, um pensamento um pouco mais complexo e o Brasileiro se perde todo".

   "O Brasileiro demora dias, semanas, meses, anos, décadas para perceber uma coisa que deveria perceber na hora".

   Pensamento é o ato ou efeito de pensar, são as idéias, conceitos, etc.

   Raciocínio é a concatenação de pensamentos, é a aplicação da Razão.

   As "várias variáveis" podemos encontrar no tratado Categorias do Organon de Aristóteles - não explicarei aqui sobre as Categorias e nem sobre o Organon, pressuponho que o leitor esteja em um estágio básico sobre Filosofia.

   As "várias variáveis", grosso modo, são as categorias elencadas por Aristóteles: Quantidade, Qualidade, Estado, Relação, etc. Ainda que alguns elenquem 10 categorias, na verdade são nove, pois a primeira, a Substância, é o que a coisa é; e para sabermos o que a coisa é devemos analisar as nove categorias. Algumas coisas não podemos enquadrar nas nove categorias, mas podemos analisar tantas quantas forem possíveis de acordo com a coisa analisada. Não confunda "Substância" com "Essência", pois esta refere-se mais à forma das coisas, aquela mais ao formato e à materialidade das coisas.

   E as variáveis não são as categorias em si. Os nomes das categorias em si juntamente com o que elas são na realidade (referente) são as constantes; e o conteúdo das categorias são as variáveis.

   Por exemplo: "Não tenho preço, tenho valor". Nada mais errado nesse chavão. As categorias a serem analisadas e as quais podemos enquadrar, neste sentido, os termos "preço" e "valor", são as categorias "quantidade" e "qualidade", respectivamente.

   Contudo, preço e valor, quando usados e comparados na mesma frase tornam-se quantitativos, ou seja, neste sentido tornam-se sinônimos (unívocos), mas preço e valor não podem ser comparados em qualidade, pois, neste caso, os dois referem-se implicitamente ao caráter e o caráter é qualitativo e preço é quantitativo. Valor, dependendo do sentido, pode ser quantitativo ou qualitativo. Por exemplo, "Valor Humano" é uma expressão aceitável porque se refere ao Ser Humano e não o relacionamos e/ou o comparamos a preço e isso não é uma questão de mera semântica, não é uma questão de formato, é uma questão de forma, de essência, no caso, popularmente dizendo, de bom senso, ou seja, é o óbvio apodítico. Lembrando que "óbvio apodítico" é uma expressão redundante, pois todo óbvio em si é apodítico, aliás, neste sentido podemos dizer que "óbvio" é sinônimo de "apodítico".

   Às vezes utilizamos figuras de linguagem para reforço do que se quer dizer, porém, figuras de linguagem, como o nome diz, são linguagem figurada que não expressam a realidade em si, por isso, Figuras de Linguagem devem ser usadas com economia, com parcimônia, e somente como um recurso estilístico de fala ou escrita.

   Não devemos falar ou escrever seriamente que temos "42 reais de caráter" ou "284 quilos de caráter" ou "936 metros de caráter".

   O caráter de um ser humano é qualitativo (no tratado "Categorias" de Aristóteles encontramos o que é Qualidade, neste sentido). Alguém pode, neste momento, argumentar que um mentiroso, por exemplo, é mentiroso porque conta várias mentiras, cuja qualidade de cada mentira é de pouca monta (só faz mal para ele mesmo), então, neste sentido, a qualidade de mentiroso caracteriza-se pela quantidade de mentiras, não pela qualidade em si de cada uma. Isto é válido no raciocínio.

   O que não é válido são as palavras empregadas; foi um truque utilizado pelo autor do texto.

Veremos:

   Neste trecho "a qualidade de mentiroso caracteriza-se pela quantidade de mentiras", o correto é "a qualidade de mentiroso caracteriza-se pela soma da quantidade de mentiras" e vemos que "qualidade" fica distinta sem dúvidas de "quantidade". Sem o acréscimo de "soma da" confunde-se qualidade com quantidade dando a impressão mental de que são a mesma coisa e isso pode levar a entendimento errado das essências das coisas "qualidade" e "quantidade".

   E, mesmo no trecho "a qualidade de mentiroso caracteriza-se pela quantidade de mentiras" vemos que está distinta a separação entre "qualidade" e "quantidade", porém, pode causar confusão. "Mentira" em si é qualitativa e a soma da quantidade de "mentiras" não determina a qualidade de cada mentira isoladamente mesmo sendo cada mentira de pouca gravidade em relação aos outros.

   Do mesmo modo que se eu contar uma única mentira na vida cuja qualidade seja gravíssima em malignidade, implica que o resultado, o estrago causado por essa mentira caracterizaria meu caráter como sendo de péssima qualidade, um mau caráter. Isso até eu me arrepender e me redimir e nunca mais mentir.

   Percebem, de acordo com o que foi dito anteriormente, surgindo agora Ética e Moral, o que veremos a seguir.

   Separando-se de Aristóteles, mas não completamente, seguirei com Mário - qual Mário? -, adiante o leitor encontra:

"§ 59 Mas esses valores são valores do homem, por isso são valores humanos (em grego, valor é axiós e o homem é antropos, daí chamarem-se esses valores de axioantropológicos). ...

Por essa razão, cada ato humano é mais ou menos digno, segundo tenha mais ou menos valor. A dignidade dos atos continuados marca seu valor."

   Mário Ferreira dos Santos; Cristianismo, A Religião do Homem.

   A Ética é eterna, a Moral é mutável, humana, factível, caduca; a Ética é invariante, a Moral é variante.

   Por exemplo: não matar é um Princípio Ético, porém, a discussão Moral é em torno se eu posso ou não matar em legítima defesa própria ou de terceiros.

"§ 63 A Ética estuda o dever-ser humano, a Moral descreve e prescreve como se deve agir para realizar este dever-ser. ..." Idem.

"§ 64 Aqueles que dizem que a Ética é vária porque a Moral é vária, confundiram a Moral com a Ética. Essas confusões provocaram inúmeros mal-entendidos e promoveram muita agitação entre os que desejavam atacar a Ética. ..." Idem.

   Esta confusão muito bem apontada por Mário persiste até os dias atuais no Brasil. É grande a quantidade de pessoas que trocam metonimicamente chamando o que é Moral de Ética e vice-versa, ou seja, não sabem o referente (o que a coisa é) nem de uma nem de outra. Tem a mente confusa, vivem numa pasta mental.

   Dizendo-se em Ética estamos dizendo em Princípios, e Princípio é aquilo que está no início, antes não precisa ter nada, nem uma explicação em palavras, pode até ter uma explicação em palavras, mas não se faz necessário. O ser humano nasce sabendo o que é um Princípio.

   Princípio é a base da Ética. Ética é fazer o certo e não fazer o errado. O certo e o errado são Princípios, por exemplo: não mentir, não matar, não roubar, etc. Moral é como se deve aplicar a Ética, como se deve aplicar esses princípios. E da má aplicação da Moral surgem os termos Imoral e Amoral. Toda e qualquer discussão surgida em torno de um Princípio Ético chama-se de Discussão Moral, ou seja, não existem discussões Éticas, somente existem discussões Morais. Lembrando que "discussão", neste sentido, é a ação de analisar detalhadamente levantando questões sérias a respeito de algo para se chegar a alguma solução... tem nada a ver com a semântica popular de "briga oral".

   São princípios porque estão no início. Caso eu perguntar, por exemplo: "Por que é errado matar?"

   A única resposta possível, depois de muito queimar a mufa, é: "Matar é errado porque o ser humano nasce sabendo disso". É um Princípio!

   Mesmo um psicopata, um serial killer, sabe que matar é errado. O porquê (o motivo, a razão suficiente) de ele matar é outra discussão que não cabe aqui no momento, mas podemos afirmar que é uma questão de Moral justamente porque enseja em si uma discussão e a Ética é perene, é invariante. Princípios Éticos não se discutem, pois são invariantes. Matar é errado; o porquê as pessoas se matam é uma discussão Moral. Um psicopata sabe que matar é errado, senão não faria tramoias para esconder a imoralidade/crime, mataria a céu aberto e não se preocuparia sequer em ser preso. Onde podemos deduzir que a falta de Moral leva à loucura.

   Homicídio, por exemplo, é crime tipificado nos Códigos Penais de vários países - sua base é o Princípio Ético Não Matar -, porém, matar em legítima defesa própria ou de terceiros é uma discussão Moral que, após muito debate, acaba por ser sacramentada no Código Penal e vira Lei. Mesmo as atenuantes e agravantes de um homicídio (se foi premeditado ou não, etc) são questões Morais.

   Caso eu fosse um sujeito essencialmente ético eu jamais mataria alguém, seja por legítima defesa minha ou de terceiros. Eu preferiria ser morto, pois sou essencialmente ético e não admito nenhuma discussão Moral a respeito dos Princípios Éticos. E isso vale também para "Não Mentir, Não Roubar, Não Adulterar, Não Trair, etc".

   Talvez a única pessoa que conseguiu isso na história da humanidade foi Jesus Cristo, que preferiu morrer do que abdicar dos seus Princípios, porém, Cristo admitia a discussão Moral para os outros, pois Ele perdoava, desde que a pessoa não incorresse no mesmo erro: "Vá e não peques mais." Talvez Cristo tenha sido duro demais consigo e leniente demais contigo, ou seja, talvez Cristo foi rígido demais com ele mesmo e leniente com os outros, pois julgou toda a humanidade inocente.

   Vejam bem, não estou dizendo aqui do aspecto religioso da coisa, estou dizendo do aspecto Ético e Moral para se entender-se com propriedade a diferença entre Ética e Moral.

   O correto é dizer "Eu tenho Princípios Éticos!". O correto é dizer "Eu tenho Valor Humano". O correto é dizer "Eu tenho Moral"; e não confunda Moral com Reputação, são coisas distintas que até podem ser sinônimas, contudo, são coisas distintas, diferentes, separadas em relação ao referente, ao quê representam na realidade. Reputação, em se tratando de pessoas na linguagem cotidiana refere-se mais às profissões e/ou ocupações, pois Moral é o gênero e reputação é a espécie. Por exemplo: eu posso ser um médico de renome internacional, mas sou um "filho da prostituta" como pessoa, ou seja, tenho reputação, mas não tenho Moral.

   Lembrando que "sinônimo" no dicionário: "diz-se de ou palavra de significado semelhante a outra e que pode, em alguns contextos, ser usada em seu lugar sem alterar o significado da sentença".

   Sinônimos em Aristóteles na tradução de Pinharanda Gomes:

"Chamam-se 'sinónimos' quando simultaneamente têm o mesmo nome e esse nome significa comunidade de nome e identidade de essência. Assim, por exemplo, tanto um homem como um boi recebem o nome de animal. O nome é o mesmo em ambos os casos, e de igual modo é a mesma a definição, pois, se nos perguntarem o que se pretende significar em ambos os casos com esse nome, em que referimos a essência de animal , a definição a dar será a mesma."

   Pinharanda Gomes, Organon, Tratado Categorias.

 

   Sinônimos (Unívocos) em Aristóteles na tradução de Mário Ferreira dos Santos:

"Por outro lado, unívoco[1] diz-se do que tem ao mesmo tempo comunidade de nome e identidade de noção. Por exemplo, um homem e um boi são ambos "animais"; com efeito, não somente o homem e o boi são chamados pelo nome 10 comum de animal, mas sua definição é a mesma, pois se desejarmos saber qual é a definição de cada um deles, em que cada um deles realiza a essência de animal, então a definição, que se deverá dar, é a mesma.



[1]              Unívoco (synônimon opõe-se a homônymon) diz-se dos nomes, ou conceitos que são idênticos em natureza e em nome." 


   Percebemos que, gramaticalmente, na Língua Portuguesa "sinônimo" é semelhante ao "sinônimo" de Aristóteles, porém, são coisas distintas essencialmente, ou seja, na essência, ou mais seja ainda, vai de acordo com o contexto. No exemplo de "animal" Aristóteles referiu-se ao gênero "animal" e à definição de "animal" que é a mesma quando nos referimos a um homem ou a um boi.  "Distinto" aqui é no sentido de "que se pode distinguir bem" e tem semelhanças e diferenças quando comparáveis em suas essências. Sinônimos são coisas semelhantes na essência, porém, na Língua Portuguesa "sinônimos" leva o significado dado anteriormente de acordo com o dicionário. Aristóteles não estava referindo-se às expressões gramaticais, mas à essência das coisas enquanto gênero. Mais adiante abordo Gênero e Espécie com autoridade.

   Abrindo um parêntese: na realidade, dizer-se que "duas coisas são iguais" é somente uma expressão linguística gramatical, pois não existem duas coisas iguais. Admitindo-se que "duas coisas são iguais" fere de morte o Princípio da Identidade que, juntamente com os Princípios da Não-Contradição e do Terceiro Excluído são temas já discutidos na história da humanidade, cuja realidade incontestável já foi demonstrada e provada, não há mais discussões em torno disso. Cotidianamente dizemos que "esta caneta é igual àquela, são iguais", e está valendo, contudo, devemos ter a consciência de que não existem coisas iguais. Fecha parêntese.

   Preço é quantitativo e valor também é, valor, neste sentido comparativo com preço, remete a preço, vira sinônimo de preço pela simples razão de estarem juntos na mesma frase, no mesmo raciocínio. Para deixar bem claro, caso você quiser ser irônico, escarnecedor até, então use a frase referindo-se a um desafeto: "Você tem valor, não tem preço, né?", porém, não aconselho, pois um dos maiores problemas do brasileiro é escarnecer individualmente dos outros porquê tem aversão ao conhecimento.

   A Quantidade em si é uma constante e a Qualidade em si é outra constante, porém, uma coisa tem 12 de quantidade e outra coisa tem 4.865.123 de quantidade, ou seja, é uma variável.

   Por exemplo, em programação (aqui usarei a linguagem PHP), temos uma constante determinada pelo seu nome: $variavel.

   Contudo, o valor dessa variável é o que varia e este valor pode ser uma palavra, um número, etc. É como uma gaveta de uma escrivaninha, a gaveta é sempre a mesma (constante), mas o que está dentro da gaveta pode variar (variável). E, um dia, essa gaveta e/ou a escrivaninha inteira podem ser trocadas vindo a serem variáveis, porém, não entrarei agora nessas questões "metafísicas" da lei da Causalidade.

   O que nos interessa aqui são os conceitos básicos de variáveis e constantes nas frases no tocante ao raciocínio. Lembrando que "raciocínio" é a aplicação da Razão e a Razão é, neste sentido, o intelecto, a inteligência como um todo.

   Raciocínio é a concatenação de pensamentos. No tratado "Lógica e Dialética" do filósofo Mário Ferreira dos Santos encontramos a diferença entre Pensamento e Raciocínio, junto com outras explicações "matadoras" do Mário como, por exemplo, a explicação dos Princípios da Lógica Formal e/ou da Ontologia e/ou da Filosofia e/ou da vida mesmo: Identidade, Não-Contradição e Terceiro Excluído. Num outro texto tratarei esses importantes Princípios, pois eles brotam da realidade.

   Sobre Pensamento e Raciocínio, como exemplo coloco a frase: "Temos de aprender a pensar".

   Nada mais errado, pois o ser humano já nasce sabendo pensar, um bebê com 6 semanas de vida já tem ondas cerebrais, então já pensa. Como um bebê na barriga da mãe pensa, a ciência não sabe, mas se tem ondas cerebrais já pensa. Raciocínio é a concatenação de pensamentos. A popular expressão "linha de raciocínio" é uma redundância, pois raciocínio em si implica em ordenação de pensamentos, concatenação, pensamentos um após o outro ordenados logicamente.

   O correto é dizer: "Temos de aprender a raciocinar"!

   "O Brasileiro perdeu a capacidade de raciocinar com várias variáveis e constantes por trás dos fatos, um pensamento um pouco mais complexo e o Brasileiro se perde todo".

   Lembro em 1998 o Enéas Carneiro no programa do Ratinho falando em George Soros. Foi a primeira vez que ouvi tal nome. "O consórcio capitaneado pelo bilionário George Soros comprou a Vale do Rio Doce", além de outras coisas que ele falou. A internet estava em seu começo, então a informação ficava restrita ao rádio, jornal e televisão (a grande propaganda, aquilo que chamam de grande mídia) . Tive interesse em saber quem era esse bilionário cujo nome nunca tinha ouvido e fui pesquisar de acordo com os meios disponíveis: perguntando para outras pessoas, acessando lan house (existiam poucas), etc. Para minha surpresa, conhecidos, familiares, etc, perguntavam "por que tu quer saber quem é esse cara?"

   Eu respondia que o Enéas falou desse bilionário com tanta propriedade que eu tinha interesse em saber, pois comprar a Vale do Rio Doce implicou, na época, em comprar praticamente a maior parte da exploração de minérios no Brasil. O desdém foi grande, comentários do tipo "o que isso interessa, isso não vai aumentar teu salário no fim do mês!, etc".

   A aversão ao conhecimento do brasileiro é uma coisa medíocre, abjeta, nojenta e, por isso, ele leva dias, meses, anos, décadas para perceber uma coisa que deveria perceber na hora.

   Acredito que o brasileiro não sabe que conhecimento não ocupa espaço.

   Vamos a um exemplo de raciocínio e pensamento.

   A frase: "Nunca ouvi falar, mas não tem cabimento!"

   Essa frase é composta de dois pensamentos jogados ao vento em forma de duas orações: é uma estupidez. Quem se expressa assim está reagindo com afetação emocional egotista tentando humilhar o outro, tentando dar o popular "carteiraço intelectual", mas não percebe que já se auto-humilhou.

   Mesmo que eu respondesse dizendo: "Nunca ouvi falar, mas tem cabimento!", seria a mesma estupidez, pois se eu mesmo estou admitindo que nunca ouvi falar, que não tenho conhecimento do assunto, então, portanto, não tenho como chegar a alguma conclusão, seja ela com ou sem cabimento.

   Para ter raciocínio eu devo responder: "Nunca ouvi falar disso, mas pesquisarei, vou me informar sobre esse assunto!"... aí temos um raciocínio adequado à realidade como todo raciocínio deve ser. As frases na palavra falada e na palavra escrita devem ser raciocínios. Raciocínio não é somente aquilo que chamamos de "conceito", imagens mentais abstratas que estão somente dentro da nossa mente, estas podem ser raciocínios como podem ser pensamentos. Ao expressarmos palavras (faladas ou escritas) o "conceito"  deve ser chamado de "significado", "definição" ou "somente estamos dizendo sobre a coisa sem significá-la ou defini-la".

   Pessoas que não conseguem concatenar frases, que não sabem significar e/ou definir uma coisa, que dizem coisas sem nexo, pessoas que sequer sabem que existe o assunto e o objeto do assunto, essas pessoas são analfabetas. Até podem ter um diploma, um certificado, uma qualificação, mas não têm preparo, conhecimento, não têm capacitação.

   Assunto é o Gênero, objeto do assunto é a Espécie.

   Raciocínio é concatenação de pensamentos.

   No Brasil você fala "laranja" a pessoa responde "troféu", você fala "A", a pessoa responde "G", "B", nunca responde "A" e ainda teima que está certa.

   Por exemplo, você fala "laranja" e a pessoa responde "troféu". Daí você indaga que estamos falando sobre a laranja, a fruta cítrica. A pessoa responde: "É que ontem eu estava no ônibus, na rua, no carro, enfim, e vi um sujeito carregando um pacote de laranjas e lembrei que o Brasil é um dos maiores produtores de laranjas e uma vez vi numa revista que o Brasil ganhou um prêmio de maior exportador de laranjas, por isso você falou laranja e eu respondi troféu".

   - Tudo bem, entendi, mas podemos voltar a debater sobre a "laranja"?

   - Podemos, mas você entendeu, né?

   - Entendi, podemos voltar à "laranja"?

   E, no decorrer da conversa, essa pessoa dirá que foi você quem deu a entender "troféu" quando falou "laranja" e insistirá que está certa e, logo depois, afirmará que foi você quem falou "troféu" acusando-o do que ela fez.

   A falta de raciocínio leva à perda de memória. O brasileiro sequer lembra o que fez ontem; o tempo de um ano atrás é uma vida passada para o brasileiro, dez anos atrás são 10 vidas passadas. O brasileiro, em uma conversa um pouco mais prolongada, lembra somente da última frase e raciocina com esta última frase, com raríssimas exceções de pessoas.

   Talvez por isso o brasileiro seja massa de manobra da politicalha, de charlatões de toda linha, de gurus de auto-ajuda, de "coachs", etc. O brasileiro raciocina somente com chavões, com palavras-gatilho, com frases feitas, etc.

   Exemplo bem claro de assunto e objeto de assunto: quando fala-se em "laranja" deve-se responder "laranja" e debater sobre o objeto de assunto, o tema "laranja". Mesmo que você responda "banana" e insista que está certo alegando que as duas são frutas, você não está percebendo o problema. "Frutas" é o assunto, "laranja" e "banana" são dois objetos do assunto "Frutas", são dois temas do mesmo assunto, porém são distintos, pois você sabe que uma laranja é diferente de uma banana. Fruta é o gênero, laranja e banana são espécies do gênero "Fruta".

   Você me dá uma laranja e eu te dou uma banana, mas as duas são frutas!

   Isso nos remete à Aristóteles, ao Geral e aos Particulares, ao todo e as partes, ao Gênero e as Espécies. O Gênero sempre é maior quantitativamente do que as Espécies que o compõe.

   Gênero "animal"; Espécies "humana", "bovina", "eqüina", "suína", etc.

   Porém, não podemos comparar um ser humano com um cavalo enquanto espécies, pois são coisas diferentes e distintas. Um ser humano é um animal racional, um cavalo é um animal irracional. Ainda que você sinta mais simpatia por animais irracionais de espécie diferente da sua, você deve entender isso. Ainda que você chame alguém de "cavalo" (ou de "égua") você deve entender que isso não é uma comparação, é uma metonímia em forma de escárnio ou é uma simples jocosidade dependendo do grau de amizade que você tem com a pessoa. Lembrando que as comparações são feitas entre as semelhanças e as diferenças entre as espécies.

   Lembrando também que, neste trecho do enunciado anterior "semelhanças e as diferenças", a conjunção "e" significa "esta coisa em conjunto com esta outra coisa", ou seja, as duas tem de ser analisadas e consideradas conjuntamente, não somente uma ou somente outra, como no caso da conjunção "ou". Quando se fala ou escreve "e/ou" significa que podemos analisar tanto isoladamente como em conjunto.

   Mais um exemplo da realidade sobre gênero e espécie: nessas discussões sobre "liberação da maconha" sempre aparecem vários imediatamente berrando e babando "mas o álcool e o cigarro são drogas e também são liberados". Idiotas assim sequer raciocinam, pois estão pensando somente no assunto "drogas", no gênero, no "assuntão"... e continuarão insistindo estupidamente que este tipo de relação e comparação é possível neste momento da conversa.

   Vamos lá. Como o ser humano classifica as drogas? Isto são convenções, bem como a língua é uma convenção (no sentido de acordo entre as pessoas), são convencionados pelo ser humano, é uma espécie de acordo verbal, um contrato social.

   Nós, seres humanos, classificamos as drogas pelos seus efeitos e você sabe que o efeito da maconha é diferente do efeito do álcool, do cigarro, da cocaína, etc. Os rituais de consumo são diferentes, o álcool é líquido, a maconha é sólida, etc, mas a pessoa idiota não enxerga essas diferenças e semelhanças. Então, neste momento da conversa, não cabe relacionar e/ou comparar objetos de assunto (espécies) diferentes e distintos. Porém, o imbecil insistirá repetindo que "são drogas, não são... vai negar?"

   É óbvio que não vou negar essa realidade de que são drogas de acordo com a convenção vinda dos efeitos entorpecentes e deletérios para o organismo humano, mas você não percebe que são coisas diferentes e distintas na realidade, e você, por ser idiota, pensa somente no assunto "drogas", não raciocina com as espécies, com outras variáveis e constantes e demora não sei quanto tempo para perceber isso... e tem uns que demoram anos, décadas.

   Quando discute-se vários objetos de assunto ao mesmo tempo (e o brasileiro, muitas vezes, discute vários assuntos ao mesmo tempo) nunca chegaremos a alguma conclusão sobre nada, ficaremos discutindo eternamente sobre o "sexo dos anjos" e não resolveremos problema nenhum, pelo contrário, em debates desse tipo vence a afetação emocional baseada no egotismo com seus interesses escusos e somente são aprovadas em Lei coisas prejudiciais para a sociedade brasileira porque todos são analfabetos.

   Vejam bem, expressei-me "porque todos são analfabetos" visto que caso tivesse utilizado "porque a esmagadora maioria é analfabeta" cada leitor se incluiria na categoria de não-analfabeto.

   É o Brasil!

*As duas frases do início do texto são do filósofo brasileiro Olavo de Carvalho e uma complementa a outra. Não foi a propósito esmiuçá-las, na medida do possível.