Interpretação de Texto
Classificação e relação. É importante entendermos estes dois
conceitos. Lembrando que conceito é uma
imagem mental abstrata. Podemos significar e/ou definir conceitos através de palavras. E
lembrando, também, que a Linguagem não é somente palavras. Temos o signo, o
significado (dentro do significado temos vários sentidos os quais podemos
empregar uma mesma palavra) e o referente. Já vimos o que são essas
coisas, aliás, já vimos também o que é coisa. Mas vamos a um exemplo simples de signo, significado e referente: A palavra, o verbo correr é um signo cujo significado em palavras é "movimentar-se com velocidade" e o referente é quando você está correndo. Ao final deste texto tem links com esses conceitos e definições.
Todo significado é, basicamente, genérico. Ao expressarmos
uma idéia, um conceito, ao falarmos uma frase ou ao escrevermos
podemos significar alguma coisa, podemos estar definindo esta coisa ou podemos
somente falar sobre (a respeito, acerca de) esta coisa; ou tudo ao mesmo tempo
no mesmo discurso ou texto. Lembrando que discurso é falado e texto é escrito.
Um discurso podemos transformar em texto e vice-versa. Tudo o que falamos ou
escrevemos são nossos pensamentos e raciocínios materializados.
Então, classificação e relação. Classificação é um signo,
linguisticamente falando, e tem um significado (e vários sentidos, em qualquer
dicionário está bem claro isso) e tem um referente. Em relação à relação é a mesma coisa (não pude evitar
o trocadilho). Lembrando que referente
é o que a coisa é. E o referente
também é circunstancial, pois um signo tem um significado (e vários sentidos)
e, linguisticamente falando, no conjunto das palavras (frases, parágrafos,
capítulos, etc) captamos o referente ou, neste caso, a tal semântica, o
entendimento. E, ao mesmo tempo, o referente é o que a coisa é. Gramaticalmente falando, o referente captamos no conjunto da frase... a que estamos
nos referindo quando falamos uma frase?
Ao mesmo tempo em que é um signo, uma palavra, classificação é um todo composto de várias partes bem como todo signo o é. Relação também. Para entender, vou analisar o signo Linguagem, mas isso pode e deve ser feito com qualquer signo. Depois veremos classificação e relação.
Linguagem é um signo, uma palavra, um verbete
da língua e é também o nome de uma coisa. O que é esta coisa chamada Linguagem? Linguagem
tem um significado e este significado (e seus vários sentidos) encontram-se em
qualquer dicionário, como já demonstrei em outro texto, mas vou relembrar
rapidamente: todo dicionário está organizado de maneira que o primeiro
significado de um signo geralmente é o significado genérico e os outros
significados são os vários sentidos nos quais podemos empregar o signo.
E Linguagem também
é um todo composto de várias partes, é um geral composto de particulares; os
gerais e os particulares. Por exemplo, dentro deste todo, desta coisa chamada Linguagem encontramos a gramática, a
língua, a linguística, o raciocínio, etc. E para sabermos o que é Linguagem, além do significado e dos sentidos, devemos analisar as partes que compõem o todo, os particulares, as
várias variáveis envolvidas nesse pensamento um pouco mais complexo. Usamos
isso para interpretar um texto, pois um texto são palavras e se num texto tem
palavras às quais não sabemos sequer o significado devemos partir dessa base,
pois nos é impossível captar o entendimento de um signo (e seus sentidos)
somente através do contexto.
Então vamos numa espécie de raciocínio em espiral (uma cadeia de espirais) ou, também, dos particulares para os geral e
voltamos aos particulares e assim vamos indo. Parece complicado, mas
confunde-se pela simplicidade. De certa forma é o raciocínio natural do ser
humano. Para entendermos um todo obviamente passamos necessariamente pelos
particulares, pelas suas partes. Raciocínio em espiral, aqui é aquele
raciocínio natural onde vamos indo avançando no raciocínio e, às vezes,
voltamos a um conceito básico para esclarecer ou dar uma razão suficiente ao que estamos falando e assim vamos indo, em
espiral, indo e voltando, mas sempre avançando no raciocínio, várias espirais
uma ligada na outra.
Classificação é a distribuição por classes e tem vários sentidos que não fogem do significado genérico. Porém, classificação também é uma convenção feita pelo ser humano, uma taxonomia que, neste sentido, taxonomia é um sinônimo de classificação.
Relação é ato de
relatar, relato, informação, descrição. Porém relação aqui emprego no sentido de vinculação, conexão, relação
entre as coisas.
Toda classificação é, neste sentido, uma convenção feita pelo ser humano, porém, esta convenção surge, muitas vezes, ao natural através da relação entre as coisas e entre os nomes das coisas e através da observação da realidade.
Toda relação é natural.
Vamos tomar como exemplo a categoria de relação de Aristóteles: dobro, metade.
Percebam que há uma relação que surge naturalmente. Alguma coisa é o dobro ou a
metade de outra. Estão relacionadas naturalmente, por exemplo: o número dois é
o dobro de quê? Ora, é o dobro de nada ou é o dobro dele mesmo! Porém, sabemos
que dois é o dobro de um, está convencionado. Então um e dois estão
relacionados nessa categoria e isto surge naturalmente.
Vamos a outro exemplo um pouco mais elaborado. Eu começo uma
conversa falando de banana e a outra pessoa responde “laranja”. Eu argumento
que estou falando de banana e a outra pessoa responde: “mas é fruta do mesmo
jeito ou você vai negar que banana e laranja são frutas?” Não nego, pois são
frutas, mas o fato de serem frutas é uma classificação, não é uma relação. Não
podemos relacionar objeto de assunto a objeto de assunto diretamente, pois
sabemos que o referente de banana é diferente do referente de laranja. Banana é
uma fruta e laranja é outra fruta e você diz “outra fruta” porque você sabe que
na realidade são coisas diferentes. Então, ao fazer isso, confundir
classificação com relação você foge do objeto do assunto e, num estágio mais
avançado, você pode começar a pensar que banana e laranja são a mesma coisa
sendo que na realidade você sabe que não são (confusão mental). Já vimos também
que, grosso modo, tudo tem um assunto, o assunto geral, e tem objetos do
assunto (ou temas). De novo, partes que compõem o todo, os particulares e os
gerais. Ao fugir do objeto do assunto você relativiza a conversa, vira conversa
de doido pois não estamos mais falando da mesma coisa.
Vamos a um referente da realidade. Aliás, já vimos a
diferença entre exemplo e referente. Todo referente é um exemplo, mas nem todo
exemplo é um referente. Referente agora é uma coisa tirada da realidade, grosso
modo, alguma situação que aconteceu. O objetivo de um exemplo é clarificar o
que você disse anteriormente, porém, se o exemplo não for um referente e se o
exemplo for mal formulado (inventado) corre-se o risco de complicar mais ainda
o raciocínio. Mas vamos ao referente. Começo falando de “liberação da maconha”
e a outra pessoa responde: “Mas o álcool e o cigarro também são drogas e também
são liberados”. Pronto, já fugiu do objeto do assunto, relativizou. É o mesmo
caso: banana e laranja, frutas; maconha, álcool, cigarro, drogas. Confunde
classificação com relação. Caso você queira comparar o preço de um e o preço de
outro, aí temos uma relação, pois os objetos de assunto envolvidos têm preços.
São os tais acidentes, predicados, características, atributos. Caso você queira
comparar o gosto da banana com o gosto da laranja aí temos uma relação natural.
Fugir logo do objeto do assunto é ilógico, irracional. Comparar objeto de
assunto a objeto de assunto é impossível, comparar coisas diretamente é
impossível.
No exemplo acima, banana e laranja, ao fazer o dito na
conversa acima, você está sendo ilógico, está dizendo que banana é a mesma
coisa que laranja e você sabe que, na realidade, não são a mesma coisa, daí
você entra numa confusão mental, numa “pasta mental”.
Com relação ao outro exemplo, da maconha, do álcool e do
cigarro de carteira, é a mesma coisa. Você confunde as coisas na realidade e,
ao mesmo tempo, você sabe que não são a mesma coisa. Como o ser humano
classifica as drogas? É, basicamente pelos seus efeitos no corpo humano. O
efeito de cada droga é o que se chama de acidente, predicado, característica,
atributo, ou mais lá em cima, categorias. Partes que compõem o todo,
particulares e gerais. Quando você bebe água isso causa um efeito no seu
organismo, mas não classificamos água como droga. Então, ao se falar sobre
liberação de qualquer droga e você responder com outra droga você está sendo
ilógico, está fugindo do objeto do assunto, está relativizando a conversa e,
fazendo isso, a conversa resultará em discussão idiota, briga de egos,
picuinhas.
Não é à toa que, no Brasil, quando fala-se sobre “liberação da
maconha”, cinco minutos depois os “debatedores” estão falando num país lá não
sei onde que liberou, outro país que não liberou, a violência que aumentou ou
diminuiu em tal país e por aí vai. E, dentro da cabeça deles, acreditam que estão
falando da mesma coisa, do mesmo objeto de assunto. Isto é meio insano até. E
assim o é com vários assuntos e objetos de assunto que se conversa no Brasil.
Torna-se tudo ilógico, sem sentido, não se chega a lugar nenhum. São somente
brigas de egos. Um está falando de banana e o outro de laranja, mas ambos
acreditam que estão falando da mesma coisa.
O problema de se trocar conceitos por palavras é esse. Vira
tudo um palavrório oco, vazio, nauseabundo. E a Linguagem não é somente
palavras.
Interpretação de texto é um processo, é sistemático, começa com a consulta ao dicionário e é
necessário, muitas vezes, fazer o crivo básico do signo, significado (e vários
sentidos) e referente. Este crivo básico não é tudo, aliás, “básico”,
obviamente, é a base e já está implícito que não é tudo; mas partindo do crivo
básico vai se avançando no raciocínio, na interpretação do texto. Ao ler um texto
e captar somente as impressões você não interpretou o texto, pois essas
impressões iniciais geralmente são emocionais, mas você não interpretou, não
raciocinou, sequer tentou entender, ficou somente com as impressões e você
chama isso de “interpretação”. Raciocínio metonímico, você troca uma palavra
pela outra.
Veja bem, vamos ao crivo básico, interpretação: determinar o
significado preciso de (texto, lei etc.). É o significado genérico. Dentro
dessa tal interpretação temos, gramaticalmente falando, a ortografia, a sintaxe
e a semântica. Ortografia é a grafia correta das palavras, sintaxe é a relação
de concordância entre as palavras enquanto elementos de uma frase e semântica,
neste caso, é o componente dos sentidos das palavras e do sentido de uma frase
como um todo.
Erros ortográficos: escrever casa com “z” em vez de com “s”,
trocar “ç” por “ss”, escrever “mais” em vez de “mas” (aqui temos, além de erro
ortográfico, erro semântico). Erro ortográfico na palavra falada chama-se erro
de pronúncia. Por exemplo: “Nois fumo lá”. Na palavra falada chama-se erro de
pronúncia, na palavra escrita chama-se erro ortográfico.
Sintaxe, exemplo básico: “Nós vai lá”. Percebam, não tem
erro ortográfico nessa frase, mas tem erro sintático, o verbo não concorda com
o sujeito. O correto é “Nós vamos lá”.
Semântica, exemplo: “Nós vai lá”. Quando alguém fala esta
frase você capta, percebe a semântica, o entendimento, a pessoa quis dizer que
ele e os outros, talvez você mesmo esteja incluído nesse “nós”, nós vai lá. Você entendeu. Neste momento
a semântica mistura-se com o referente da frase, é o referente da frase. Mesmo
tendo um erro sintático, você entende.
Então, um erro ortográfico ou um erro sintático não leva a
um erro semântico, porém, muitos erros ortográficos e/ou muitos erros
sintáticos levam aos erros semânticos, de entendimento. Aquela pessoa que fala
e escreve tudo errado e você não entende nada.
A Língua e a Linguagem são convenções, mas a Linguagem tem nuances. Ao
analisar, interpretar um texto, percebe-se claramente a diferença entre erros
ortográficos, erros sintáticos e erros semânticos. Óbvio é que a tal da
gramática não é somente isso, mas estou partindo dessa base. É um ótimo começo.
Por outro lado, tem “escritores” que, na ortografia e sintaxe, tudo está correto, porém, deixam a desejar na
semântica, no entendimento, não são claros, aumentam a subjetividade da
Linguagem. E, como já vimos, a Língua e a Linguagem são, em si, subjetivas. É
impossível eliminar a subjetividade da Linguagem, mas falando e escrevendo com
clareza diminuiu-se a subjetividade intrínseca. Por isso devemos observar,
basicamente, a ortografia correta, a sintaxe correta e a semântica correta.
Na parte da semântica, muitas vezes, certos escritores,
famosos até, juntam palavras da língua que não dá para juntar, pois uma frase é
uma junção de palavras. Você junta as letras e forma as palavras, junta as
palavras e forma as frases, junta as frases e forma os parágrafos, junta os
parágrafos e forma os capítulos, junta os capítulos e forma os livros, junta os
livros e forma os volumes, compêndios, enciclopédias. E tudo precisa ter
organização analítica-lógica.
Lembrando que a menor unidade da Língua é a palavra. E por
que não é a letra? Uma letra é menor quantitativamente do que qualquer palavra.
Não é a letra porque não nos comunicamos por sons de letras, por grunhidos.
Juntam-se as letras para formar palavras, daí a coisa começa a fazer sentido. E
as palavras são, linguisticamente falando, signos que tem um significado
(e vários sentidos) e referente.
Vamos tomar como referente agora, a seguinte frase: “Toda
tirania deve ser evitada, inclusive a tirania da maioria que elege o Executivo
e o Congresso”. Esta frase, dita por um Ministro do STF, claramente, não faz
sentido.
Vamos interpretar. “Tirania” em qual sentido está empregado
na frase? Não fica claro. Ele trocou conceitos por palavras. Tirania: poder
soberano usurpado e ilegal; governo de tirano. Neste sentido, “tirania” implica
em um tirano e isso por si é a minoria. Então ele estava falando da “minoria da
maioria”?!?
Vamos, por descargo de consciência, interpretar que ele
estava falando de “tirania” enquanto opressão. Ora, o referente você entende
pelo conjunto da frase. Quem elege o Executivo e o Congresso? São os eleitores,
e o próprio Ministro é um eleitor, então ele mesmo se chamou de tirano,
opressor e não percebeu. Mas estranhamente ele acertou.
O problema da parte semântica é esse. Percebam que a frase em
questão está correta ortograficamente e sintaticamente, mas cagou-se na
semântica. Ele fez “relação” entre coisas que não tem como relacionar, ele
juntou palavras da Língua que não dá para juntar. É como se eu falasse ou
escrevesse: “A pedra da bola pegou fogo”. Ortograficamente e sintaticamente
está correta a frase, mas encontrem um sentido (semântica) nessa frase.
Vamos mais além analisando a frase. A expressão “tirania da
maioria” já é em si imbecil. Democracia é a vontade da maioria, então “tirania
da maioria” é a tirania da democracia. Pronto, agora tirania é democracia e
democracia é tirania, guerra é paz, liberdade é escravidão e por aí vai. Este é
o problema de trocar conceitos por palavras e ficar juntando palavras
aleatoriamente. Perde-se, de certa forma, o contato com a realidade, fica-se
meio insano. É a pedra da bola que pegou fogo. É aquela anedota de um louco
oferecendo 100 reais para outro louco subir pelo facho de luz da lanterna e o
outro responde: “Está achando que sou bobo, quando eu estiver no meio você
desliga a lanterna e eu caio”. É mais ou menos a mesma falta de lógica. Conversa de doido.
Enfim, interpretação de texto é um processo que requer necessariamente passar por certas etapas. Não é somente ler e captar impressões. Óbvio que isso depende do texto. Textos não muito bem elaborados você lê e entende rapidamente, mas certos textos requerem uma análise, consulta, pesquisa, investigar, informar-se, estudar. E, penso eu, começar pelo crivo básico dos signos, significados (e vários sentidos) e referente é um ótimo começo. Muitas vezes é necessário, não é tudo, mas é o básico, pois um texto são palavras, mas a Linguagem não é somente palavras.
Há também aquele sentido por trás das palavras. Tomarei como
exemplo o texto “Meu Caminho para Marx” de Georg Lukács e interpretarei com
base no excerto final de um parágrafo:
O materialismo
dialético, a doutrina de Marx, deve ser conquistada a cada dia, assimilada a
cada hora, a partir da práxis. Por outro lado, a doutrina de Marx, em sua
inatacável unidade e totalidade, constitui a arma para a condução da prática,
para o domínio dos fenômenos e de suas leis. Se dessa totalidade for destacado
(ou apenas subestimado) um só elemento constitutivo, teremos de novo a rigidez
e a unilateralidade. Basta que se perca a relação dos momentos uns com os outros,
e lá se vai o chão da dialética marxista sobre o qual apoiamos os pés. “Pois
qualquer verdade – diz Lênin – se a exagerarmos, se ultrapassamos os limites de
sua validade, pode tornar-se um absurdo; aliás, é inevitável que, em tais
circunstâncias, ela se torne um absurdo.”
Percebam a citação no final do parágrafo: “Pois qualquer
verdade – diz Lênin – se a exagerarmos, se ultrapassamos os limites de sua
validade, pode tornar-se um absurdo; aliás, é inevitável que, em tais
circunstâncias, ela se torne um absurdo.” Exagerar qualquer verdade é um
eufemismo para mentira, pois tudo que fizermos para exagerar qualquer verdade
será automaticamente mentira. Então o referente da citação é: mentir, mentir e
mentir até tornar-se um absurdo. Porém, alguém poderá contra-argumentar: “Mas
nem tem escrita ali a palavra ‘mentira’, tem a palavra ‘verdade’, ele está
falando da verdade e vem você e interpreta isso como mentira”?
Vamos lá. Dê-me um referente, um exemplo de “exagerar
qualquer verdade”! Tente exagerar qualquer verdade e você verá que isso é um
eufemismo para mentira. "Exagerar qualquer verdade" não existe na realidade. As perguntas que vêm agora são:
por que Lukács utilizou exatamente esta citação de Lênin? Por que Lukács não
usou outra citação de Lênin, por que ele não usou outra citação de qualquer
outro autor? Ainda que seja uma pergunta que não enseja uma resposta, por
questão de interpretação do texto devemos fazer tais perguntas e o fato é que
está ali. E Lukács utilizou esta citação no final do parágrafo, sendo que no texto ele
está falando do “Materialismo Dialético, a doutrina de Marx”. Isso nos diz
alguma coisa.
O que decorre de tal coisa é que alguém poderá mentir e
dizer: “Não estou mentindo, estou ‘exagerando a verdade’ ou 'estou faltando com
a verdade'”. É um jogo de palavras; e dos mais chulepas, mas tem gente que cai
nessa.
E podemos perceber que tal citação é, claramente, um
sofisma. A primeira premissa: “Pois qualquer verdade se a exagerarmos, se
ultrapassamos os limites de sua validade, pode tornar-se um absurdo;”. Lênin
não está dizendo para você ‘exagerar a verdade’ e não está dizendo que se você
fizer isso a verdade se tornará um absurdo, ela pode ou não se tornar um
absurdo. Porém, na segunda premissa: “aliás, é inevitável que, em tais
circunstâncias, ela se torne um absurdo.”, ele diz que é inevitável que na
circunstância de ‘exagerar qualquer verdade’, aí sim, é inevitável que a
verdade se torne um absurdo. No sentido por trás das palavras de ‘exagerar
qualquer verdade’, na citação como um todo, Lênin está certo. Então ele está
dizendo: “Mentir, mentir e mentir até tornar-se um absurdo”. E mentir, mentir e mentir sem parar torna-se automaticamente absurdo. O resultado final da mendacidade é o absurdo.
Caso você mentir e chamar isso de ‘exagerar a verdade’
entrará num universo semântico de mentiras onde você emburrecerá, ficará
ilógico e, depois, ficará insano, mas desenvolverá aquilo que Aristóteles
chamava de ‘astúcia maligna’. Astúcia maligna é a caricatura satânica da
inteligência. No Brasil, podemos traduzir ‘astúcia maligna’ para o famoso ‘jeitinho
brasileiro’, levar vantagem em tudo, prometer e não cumprir, lograr os outros,
subir na vida pisando em cima dos outros, fazer acordos escusos, em suma,
mentir. Baixeza moral.
Muita gente confunde ‘astúcia maligna’ com ‘inteligência’,
porém, a inteligência é fortemente ligada ao bem, ao belo e à verdade. Decai a
inteligência, decai a moral e vice-versa. Não importa qual decai primeiro, uma
vem de arrasto da outra. E de qual moral estou falando?
Valores universais morais: mentir, matar, estuprar, roubar,
corrupção, etc, todo mundo sabe que isso é errado, aliás, o ser humano
praticamente nasce sabendo que isso é errado.
Dei um simples e singelo exemplo, mas poderia ficar aqui um
ano dando esse tipo de exemplo tirado de certas obras de certos autores que
desenvolveram essa habilidade de fazer jogo de palavras e usar sofismas para
enganar as pessoas.
Mas vamos a outros exemplos e acredito que o leitor não
ficará um ano lendo este texto, talvez nem leia, mas enfim.
“Vamos implantar um estado ético no Brasil”, ou em qualquer
outro país do mundo, tanto faz. Vocês me ajudarão a fazer isso, pois ‘estado
ético’ nos remete a um estado de moralidade, honestidade. Porém, para Antonio
Gramsci, "estado ético" significa um estado autoritário. Ele mudou o
significado da palavra ‘ético’. Ético, para ele, significa “adequação das
normas sociais às necessidades de produção”, sejam lá quais forem elas. Normas
sociais são leis e quem fiscaliza as leis são as “autoridades”. Então, quando
um cara desses fala “vamos implantar um estado ético” ele está falando, em
última instância, num estado autoritário, e você, crédulo, o ajudará a fazer
isso.
Hegemonia cultural. Hegemonia é a predominância de uma coisa
sobre as outras. Cultural vem de cultura. Hegemonia cultural, no sentido
original significa a predominância de uma cultura sobre as outras. Qual
cultura? A que está predominante no momento histórico da sociedade. Pode mudar
ao longo do tempo. Você observa esse fenômeno na realidade. Para Gramsci, "hegemonia
cultural" significa a predominância do socialismo sobre todas as outras culturas.
Então, quando um cara desses fala: “Temos que ter hegemonia cultural no Brasil”,
ele está falando em implantar o socialismo. É assim que você vira socialista
sem nem perceber. A base é a linguagem. Imaginem isso com várias palavras e
expressões na cabeça de uma pessoa onde, toda hora, a Linguagem (signo,
significado [e vários sentidos] e referente) vai mudando constantemente.
Você entra num tal "coletivo" desses e fica escutando tais
expressões, tais jogos de palavras, tais sofismas e passa a acreditar que este
novo sentido das expressões e palavras são o sentido verdadeiro, porém, não
são. Isso causa uma confusão mental, pois são várias palavras e expressões que
mudarão na sua cabeça e você tentará raciocinar no meio desta confusão mental.
Você ficará com um "polipensar". Adotará um discurso interno e um discurso
externo cujo resultado será a insanidade. Quando eu falo, por exemplo, ‘hegemonia
cultural’, tenho que raciocinar com o sentido Gramsciano e, ao mesmo tempo,
tenho que raciocinar como as outras pessoas entenderão o que estou falando. É o
famoso: “Não importa o que você fala, o que importa é como as outras pessoas
entenderão o que você fala”. Isto é insanidade em si, pois há um limite para a
capacidade de raciocínio circunstancial de um ser humano. Como é possível eu
dirigir um discurso a várias pessoas e querer saber o que cada uma delas entenderá
pelas minhas palavras se meu discurso em si é subjetivo ao extremo? Isso
resulta em enganação, mentiras, emburrecimento e, depois, insanidade minha e
dos outros.
“Eu sou eu e minhas circunstâncias”, grosso modo, José Ortega Y Gasset, refere-se às circunstâncias da vida. Você está conversando com um familiar ou um colega de trabalho, é uma circunstância. Você deixa de conversar com este familiar e passa a conversar imediatamente com outro, é outra circunstância. Há mais coisas por trás da expressão, mas as tais "circunstâncias da vida" são essas. De uma situação decorrem várias circunstâncias. Situação: estou no trabalho. Circunstância: conversando com alguém no trabalho. As circunstâncias formam o “eu”.
E você entra em um universo semântico de jogo de palavras,
sofismas... subjetividade extrema da Linguagem e afasta-se da realidade. Como
já vimos, a Linguagem é subjetiva em si, mas por isso mesmo que você tem que
falar e escrever com clareza para diminuir esta subjetividade, e não aumentá-la
através de jogo de palavras e sofismas. Não tem como eliminar a subjetividade
da Linguagem, mas podemos diminuí-la falando e escrevendo com clareza.
Como já se disse, a Linguagem não é tudo, mas é a base da comunicação humana. Nos comunicamos, basicamente, através da Linguagem falada e da Linguagem escrita. O ser humano se comunica também por músicas, filmes, obras de arte, mímicas, etc, mas, quantitativamente, o ser humano se comunica através da palavra falada e da palavra escrita. Não tem como fugir disso. Esta é a importância da Linguagem e para interpretar textos você tem que saber disso.
Para saber um pouco mais, acesse:
https://julioseibei.blogspot.com/2020/09/chavoes.html
https://julioseibei.blogspot.com/2020/08/esboco-de-filosofia-10-importancia-da.html