terça-feira, 16 de março de 2021

A Linguagem não é somente Palavras

Interpretação de Texto

   Classificação e relação. É importante entendermos estes dois conceitos. Lembrando que conceito é uma imagem mental abstrata. Podemos significar e/ou definir conceitos através de palavras. E lembrando, também, que a Linguagem não é somente palavras. Temos o signo, o significado (dentro do significado temos vários sentidos os quais podemos empregar uma mesma palavra) e o referente. Já vimos o que são essas coisas, aliás, já vimos também o que é coisa. Mas vamos a um exemplo simples de signo, significado e referente: A palavra, o verbo correr é um signo cujo significado em palavras é "movimentar-se com velocidade" e o referente é quando você está correndo. Ao final deste texto tem links com esses conceitos e definições.

   Todo significado é, basicamente, genérico. Ao expressarmos uma idéia, um conceito, ao falarmos uma frase ou ao escrevermos podemos significar alguma coisa, podemos estar definindo esta coisa ou podemos somente falar sobre (a respeito, acerca de) esta coisa; ou tudo ao mesmo tempo no mesmo discurso ou texto. Lembrando que discurso é falado e texto é escrito. Um discurso podemos transformar em texto e vice-versa. Tudo o que falamos ou escrevemos são nossos pensamentos e raciocínios materializados.

   Então, classificação e relação. Classificação é um signo, linguisticamente falando, e tem um significado (e vários sentidos, em qualquer dicionário está bem claro isso) e tem um referente. Em relação à relação é a mesma coisa (não pude evitar o trocadilho). Lembrando que referente é o que a coisa é. E o referente também é circunstancial, pois um signo tem um significado (e vários sentidos) e, linguisticamente falando, no conjunto das palavras (frases, parágrafos, capítulos, etc) captamos o referente ou, neste caso, a tal semântica, o entendimento. E, ao mesmo tempo, o referente é o que a coisa é. Gramaticalmente falando, o referente captamos no conjunto da frase... a que estamos nos referindo quando falamos uma frase?

   Ao mesmo tempo em que é um signo, uma palavra, classificação é um todo composto de várias partes bem como todo signo o é. Relação também. Para entender, vou analisar o signo Linguagem, mas isso pode e deve ser feito com qualquer signo. Depois veremos classificação e relação.

   Linguagem é um signo, uma palavra, um verbete da língua e é também o nome de uma coisa. O que é esta coisa chamada Linguagem? Linguagem tem um significado e este significado (e seus vários sentidos) encontram-se em qualquer dicionário, como já demonstrei em outro texto, mas vou relembrar rapidamente: todo dicionário está organizado de maneira que o primeiro significado de um signo geralmente é o significado genérico e os outros significados são os vários sentidos nos quais podemos empregar o signo.

   E Linguagem também é um todo composto de várias partes, é um geral composto de particulares; os gerais e os particulares. Por exemplo, dentro deste todo, desta coisa chamada Linguagem encontramos a gramática, a língua, a linguística, o raciocínio, etc. E para sabermos o que é Linguagem, além do significado e dos sentidos, devemos analisar as partes que compõem o todo, os particulares, as várias variáveis envolvidas nesse pensamento um pouco mais complexo. Usamos isso para interpretar um texto, pois um texto são palavras e se num texto tem palavras às quais não sabemos sequer o significado devemos partir dessa base, pois nos é impossível captar o entendimento de um signo (e seus sentidos) somente através do contexto.

   Então vamos numa espécie de raciocínio em espiral (uma cadeia de espirais) ou, também, dos particulares para os geral e voltamos aos particulares e assim vamos indo. Parece complicado, mas confunde-se pela simplicidade. De certa forma é o raciocínio natural do ser humano. Para entendermos um todo obviamente passamos necessariamente pelos particulares, pelas suas partes. Raciocínio em espiral, aqui é aquele raciocínio natural onde vamos indo avançando no raciocínio e, às vezes, voltamos a um conceito básico para esclarecer ou dar uma razão suficiente ao que estamos falando e assim vamos indo, em espiral, indo e voltando, mas sempre avançando no raciocínio, várias espirais uma ligada na outra.

   Classificação é a distribuição por classes e tem vários sentidos que não fogem do significado genérico. Porém, classificação também é uma convenção feita pelo ser humano, uma taxonomia que, neste sentido, taxonomia é um sinônimo de classificação.

   Relação é ato de relatar, relato, informação, descrição. Porém relação aqui emprego no sentido de vinculação, conexão, relação entre as coisas.

   Toda classificação é, neste sentido, uma convenção feita pelo ser humano, porém, esta convenção surge, muitas vezes, ao natural através da relação entre as coisas e entre os nomes das coisas e através da observação da realidade.

   Toda relação é natural. Vamos tomar como exemplo a categoria de relação de Aristóteles: dobro, metade. Percebam que há uma relação que surge naturalmente. Alguma coisa é o dobro ou a metade de outra. Estão relacionadas naturalmente, por exemplo: o número dois é o dobro de quê? Ora, é o dobro de nada ou é o dobro dele mesmo! Porém, sabemos que dois é o dobro de um, está convencionado. Então um e dois estão relacionados nessa categoria e isto surge naturalmente.

   Vamos a outro exemplo um pouco mais elaborado. Eu começo uma conversa falando de banana e a outra pessoa responde “laranja”. Eu argumento que estou falando de banana e a outra pessoa responde: “mas é fruta do mesmo jeito ou você vai negar que banana e laranja são frutas?” Não nego, pois são frutas, mas o fato de serem frutas é uma classificação, não é uma relação. Não podemos relacionar objeto de assunto a objeto de assunto diretamente, pois sabemos que o referente de banana é diferente do referente de laranja. Banana é uma fruta e laranja é outra fruta e você diz “outra fruta” porque você sabe que na realidade são coisas diferentes. Então, ao fazer isso, confundir classificação com relação você foge do objeto do assunto e, num estágio mais avançado, você pode começar a pensar que banana e laranja são a mesma coisa sendo que na realidade você sabe que não são (confusão mental). Já vimos também que, grosso modo, tudo tem um assunto, o assunto geral, e tem objetos do assunto (ou temas). De novo, partes que compõem o todo, os particulares e os gerais. Ao fugir do objeto do assunto você relativiza a conversa, vira conversa de doido pois não estamos mais falando da mesma coisa.

   Vamos a um referente da realidade. Aliás, já vimos a diferença entre exemplo e referente. Todo referente é um exemplo, mas nem todo exemplo é um referente. Referente agora é uma coisa tirada da realidade, grosso modo, alguma situação que aconteceu. O objetivo de um exemplo é clarificar o que você disse anteriormente, porém, se o exemplo não for um referente e se o exemplo for mal formulado (inventado) corre-se o risco de complicar mais ainda o raciocínio. Mas vamos ao referente. Começo falando de “liberação da maconha” e a outra pessoa responde: “Mas o álcool e o cigarro também são drogas e também são liberados”. Pronto, já fugiu do objeto do assunto, relativizou. É o mesmo caso: banana e laranja, frutas; maconha, álcool, cigarro, drogas. Confunde classificação com relação. Caso você queira comparar o preço de um e o preço de outro, aí temos uma relação, pois os objetos de assunto envolvidos têm preços. São os tais acidentes, predicados, características, atributos. Caso você queira comparar o gosto da banana com o gosto da laranja aí temos uma relação natural. Fugir logo do objeto do assunto é ilógico, irracional. Comparar objeto de assunto a objeto de assunto é impossível, comparar coisas diretamente é impossível.

   No exemplo acima, banana e laranja, ao fazer o dito na conversa acima, você está sendo ilógico, está dizendo que banana é a mesma coisa que laranja e você sabe que, na realidade, não são a mesma coisa, daí você entra numa confusão mental, numa “pasta mental”.

   Com relação ao outro exemplo, da maconha, do álcool e do cigarro de carteira, é a mesma coisa. Você confunde as coisas na realidade e, ao mesmo tempo, você sabe que não são a mesma coisa. Como o ser humano classifica as drogas? É, basicamente pelos seus efeitos no corpo humano. O efeito de cada droga é o que se chama de acidente, predicado, característica, atributo, ou mais lá em cima, categorias. Partes que compõem o todo, particulares e gerais. Quando você bebe água isso causa um efeito no seu organismo, mas não classificamos água como droga. Então, ao se falar sobre liberação de qualquer droga e você responder com outra droga você está sendo ilógico, está fugindo do objeto do assunto, está relativizando a conversa e, fazendo isso, a conversa resultará em discussão idiota, briga de egos, picuinhas.

   Não é à toa que, no Brasil, quando fala-se sobre “liberação da maconha”, cinco minutos depois os “debatedores” estão falando num país lá não sei onde que liberou, outro país que não liberou, a violência que aumentou ou diminuiu em tal país e por aí vai. E, dentro da cabeça deles, acreditam que estão falando da mesma coisa, do mesmo objeto de assunto. Isto é meio insano até. E assim o é com vários assuntos e objetos de assunto que se conversa no Brasil. Torna-se tudo ilógico, sem sentido, não se chega a lugar nenhum. São somente brigas de egos. Um está falando de banana e o outro de laranja, mas ambos acreditam que estão falando da mesma coisa.

   O problema de se trocar conceitos por palavras é esse. Vira tudo um palavrório oco, vazio, nauseabundo. E a Linguagem não é somente palavras.

   Interpretação de texto é um processo, é sistemático, começa com a consulta ao dicionário e é necessário, muitas vezes, fazer o crivo básico do signo, significado (e vários sentidos) e referente. Este crivo básico não é tudo, aliás, “básico”, obviamente, é a base e já está implícito que não é tudo; mas partindo do crivo básico vai se avançando no raciocínio, na interpretação do texto. Ao ler um texto e captar somente as impressões você não interpretou o texto, pois essas impressões iniciais geralmente são emocionais, mas você não interpretou, não raciocinou, sequer tentou entender, ficou somente com as impressões e você chama isso de “interpretação”. Raciocínio metonímico, você troca uma palavra pela outra.

   Veja bem, vamos ao crivo básico, interpretação: determinar o significado preciso de (texto, lei etc.). É o significado genérico. Dentro dessa tal interpretação temos, gramaticalmente falando, a ortografia, a sintaxe e a semântica. Ortografia é a grafia correta das palavras, sintaxe é a relação de concordância entre as palavras enquanto elementos de uma frase e semântica, neste caso, é o componente dos sentidos das palavras e do sentido de uma frase como um todo.

   Erros ortográficos: escrever casa com “z” em vez de com “s”, trocar “ç” por “ss”, escrever “mais” em vez de “mas” (aqui temos, além de erro ortográfico, erro semântico). Erro ortográfico na palavra falada chama-se erro de pronúncia. Por exemplo: “Nois fumo lá”. Na palavra falada chama-se erro de pronúncia, na palavra escrita chama-se erro ortográfico.

   Sintaxe, exemplo básico: “Nós vai lá”. Percebam, não tem erro ortográfico nessa frase, mas tem erro sintático, o verbo não concorda com o sujeito. O correto é “Nós vamos lá”.

   Semântica, exemplo: “Nós vai lá”. Quando alguém fala esta frase você capta, percebe a semântica, o entendimento, a pessoa quis dizer que ele e os outros, talvez você mesmo esteja incluído nesse “nós”, nós vai lá. Você entendeu. Neste momento a semântica mistura-se com o referente da frase, é o referente da frase. Mesmo tendo um erro sintático, você entende.

   Então, um erro ortográfico ou um erro sintático não leva a um erro semântico, porém, muitos erros ortográficos e/ou muitos erros sintáticos levam aos erros semânticos, de entendimento. Aquela pessoa que fala e escreve tudo errado e você não entende nada.

   A Língua e a Linguagem são convenções, mas a Linguagem tem nuances. Ao analisar, interpretar um texto, percebe-se claramente a diferença entre erros ortográficos, erros sintáticos e erros semânticos. Óbvio é que a tal da gramática não é somente isso, mas estou partindo dessa base. É um ótimo começo.

   Por outro lado, tem “escritores” que, na ortografia e sintaxe, tudo está correto, porém, deixam a desejar na semântica, no entendimento, não são claros, aumentam a subjetividade da Linguagem. E, como já vimos, a Língua e a Linguagem são, em si, subjetivas. É impossível eliminar a subjetividade da Linguagem, mas falando e escrevendo com clareza diminuiu-se a subjetividade intrínseca. Por isso devemos observar, basicamente, a ortografia correta, a sintaxe correta e a semântica correta.

   Na parte da semântica, muitas vezes, certos escritores, famosos até, juntam palavras da língua que não dá para juntar, pois uma frase é uma junção de palavras. Você junta as letras e forma as palavras, junta as palavras e forma as frases, junta as frases e forma os parágrafos, junta os parágrafos e forma os capítulos, junta os capítulos e forma os livros, junta os livros e forma os volumes, compêndios, enciclopédias. E tudo precisa ter organização analítica-lógica.

   Lembrando que a menor unidade da Língua é a palavra. E por que não é a letra? Uma letra é menor quantitativamente do que qualquer palavra. Não é a letra porque não nos comunicamos por sons de letras, por grunhidos. Juntam-se as letras para formar palavras, daí a coisa começa a fazer sentido. E as palavras são, linguisticamente falando, signos que tem um significado (e vários sentidos) e referente.

   Vamos tomar como referente agora, a seguinte frase: “Toda tirania deve ser evitada, inclusive a tirania da maioria que elege o Executivo e o Congresso”. Esta frase, dita por um Ministro do STF, claramente, não faz sentido.

   Vamos interpretar. “Tirania” em qual sentido está empregado na frase? Não fica claro. Ele trocou conceitos por palavras. Tirania: poder soberano usurpado e ilegal; governo de tirano. Neste sentido, “tirania” implica em um tirano e isso por si é a minoria. Então ele estava falando da “minoria da maioria”?!?

   Vamos, por descargo de consciência, interpretar que ele estava falando de “tirania” enquanto opressão. Ora, o referente você entende pelo conjunto da frase. Quem elege o Executivo e o Congresso? São os eleitores, e o próprio Ministro é um eleitor, então ele mesmo se chamou de tirano, opressor e não percebeu. Mas estranhamente ele acertou.

   O problema da parte semântica é esse. Percebam que a frase em questão está correta ortograficamente e sintaticamente, mas cagou-se na semântica. Ele fez “relação” entre coisas que não tem como relacionar, ele juntou palavras da Língua que não dá para juntar. É como se eu falasse ou escrevesse: “A pedra da bola pegou fogo”. Ortograficamente e sintaticamente está correta a frase, mas encontrem um sentido (semântica) nessa frase.

   Vamos mais além analisando a frase. A expressão “tirania da maioria” já é em si imbecil. Democracia é a vontade da maioria, então “tirania da maioria” é a tirania da democracia. Pronto, agora tirania é democracia e democracia é tirania, guerra é paz, liberdade é escravidão e por aí vai. Este é o problema de trocar conceitos por palavras e ficar juntando palavras aleatoriamente. Perde-se, de certa forma, o contato com a realidade, fica-se meio insano. É a pedra da bola que pegou fogo. É aquela anedota de um louco oferecendo 100 reais para outro louco subir pelo facho de luz da lanterna e o outro responde: “Está achando que sou bobo, quando eu estiver no meio você desliga a lanterna e eu caio”. É mais ou menos a mesma falta de lógica. Conversa de doido.

   Enfim, interpretação de texto é um processo que requer necessariamente passar por certas etapas. Não é somente ler e captar impressões. Óbvio que isso depende do texto. Textos não muito bem elaborados você lê e entende rapidamente, mas certos textos requerem uma análise, consulta, pesquisa, investigar, informar-se, estudar. E, penso eu, começar pelo crivo básico dos signos, significados (e vários sentidos) e referente é um ótimo começo. Muitas vezes é necessário, não é tudo, mas é o básico, pois um texto são palavras, mas a Linguagem não é somente palavras.

   Há também aquele sentido por trás das palavras. Tomarei como exemplo o texto “Meu Caminho para Marx” de Georg Lukács e interpretarei com base no excerto final de um parágrafo:

 

O materialismo dialético, a doutrina de Marx, deve ser conquistada a cada dia, assimilada a cada hora, a partir da práxis. Por outro lado, a doutrina de Marx, em sua inatacável unidade e totalidade, constitui a arma para a condução da prática, para o domínio dos fenômenos e de suas leis. Se dessa totalidade for destacado (ou apenas subestimado) um só elemento constitutivo, teremos de novo a rigidez e a unilateralidade. Basta que se perca a relação dos momentos uns com os outros, e lá se vai o chão da dialética marxista sobre o qual apoiamos os pés. “Pois qualquer verdade – diz Lênin – se a exagerarmos, se ultrapassamos os limites de sua validade, pode tornar-se um absurdo; aliás, é inevitável que, em tais circunstâncias, ela se torne um absurdo.”

 

   Percebam a citação no final do parágrafo: “Pois qualquer verdade – diz Lênin – se a exagerarmos, se ultrapassamos os limites de sua validade, pode tornar-se um absurdo; aliás, é inevitável que, em tais circunstâncias, ela se torne um absurdo.” Exagerar qualquer verdade é um eufemismo para mentira, pois tudo que fizermos para exagerar qualquer verdade será automaticamente mentira. Então o referente da citação é: mentir, mentir e mentir até tornar-se um absurdo. Porém, alguém poderá contra-argumentar: “Mas nem tem escrita ali a palavra ‘mentira’, tem a palavra ‘verdade’, ele está falando da verdade e  vem você e interpreta isso como mentira”?

   Vamos lá. Dê-me um referente, um exemplo de “exagerar qualquer verdade”! Tente exagerar qualquer verdade e você verá que isso é um eufemismo para mentira. "Exagerar qualquer verdade" não existe na realidade. As perguntas que vêm agora são: por que Lukács utilizou exatamente esta citação de Lênin? Por que Lukács não usou outra citação de Lênin, por que ele não usou outra citação de qualquer outro autor? Ainda que seja uma pergunta que não enseja uma resposta, por questão de interpretação do texto devemos fazer tais perguntas e o fato é que está ali. E Lukács utilizou esta citação no final do parágrafo, sendo que no texto ele está falando do “Materialismo Dialético, a doutrina de Marx”. Isso nos diz alguma coisa.

   O que decorre de tal coisa é que alguém poderá mentir e dizer: “Não estou mentindo, estou ‘exagerando a verdade’ ou 'estou faltando com a verdade'”. É um jogo de palavras; e dos mais chulepas, mas tem gente que cai nessa.

   E podemos perceber que tal citação é, claramente, um sofisma. A primeira premissa: “Pois qualquer verdade se a exagerarmos, se ultrapassamos os limites de sua validade, pode tornar-se um absurdo;”. Lênin não está dizendo para você ‘exagerar a verdade’ e não está dizendo que se você fizer isso a verdade se tornará um absurdo, ela pode ou não se tornar um absurdo. Porém, na segunda premissa: “aliás, é inevitável que, em tais circunstâncias, ela se torne um absurdo.”, ele diz que é inevitável que na circunstância de ‘exagerar qualquer verdade’, aí sim, é inevitável que a verdade se torne um absurdo. No sentido por trás das palavras de ‘exagerar qualquer verdade’, na citação como um todo, Lênin está certo. Então ele está dizendo: “Mentir, mentir e mentir até tornar-se um absurdo”. E mentir, mentir e mentir sem parar torna-se automaticamente absurdo. O resultado final da mendacidade é o absurdo.

   Caso você mentir e chamar isso de ‘exagerar a verdade’ entrará num universo semântico de mentiras onde você emburrecerá, ficará ilógico e, depois, ficará insano, mas desenvolverá aquilo que Aristóteles chamava de ‘astúcia maligna’. Astúcia maligna é a caricatura satânica da inteligência. No Brasil, podemos traduzir ‘astúcia maligna’ para o famoso ‘jeitinho brasileiro’, levar vantagem em tudo, prometer e não cumprir, lograr os outros, subir na vida pisando em cima dos outros, fazer acordos escusos, em suma, mentir. Baixeza moral.

   Muita gente confunde ‘astúcia maligna’ com ‘inteligência’, porém, a inteligência é fortemente ligada ao bem, ao belo e à verdade. Decai a inteligência, decai a moral e vice-versa. Não importa qual decai primeiro, uma vem de arrasto da outra. E de qual moral estou falando?

   Valores universais morais: mentir, matar, estuprar, roubar, corrupção, etc, todo mundo sabe que isso é errado, aliás, o ser humano praticamente nasce sabendo que isso é errado.

   Dei um simples e singelo exemplo, mas poderia ficar aqui um ano dando esse tipo de exemplo tirado de certas obras de certos autores que desenvolveram essa habilidade de fazer jogo de palavras e usar sofismas para enganar as pessoas.

   Mas vamos a outros exemplos e acredito que o leitor não ficará um ano lendo este texto, talvez nem leia, mas enfim.

   “Vamos implantar um estado ético no Brasil”, ou em qualquer outro país do mundo, tanto faz. Vocês me ajudarão a fazer isso, pois ‘estado ético’ nos remete a um estado de moralidade, honestidade. Porém, para Antonio Gramsci, "estado ético" significa um estado autoritário. Ele mudou o significado da palavra ‘ético’. Ético, para ele, significa “adequação das normas sociais às necessidades de produção”, sejam lá quais forem elas. Normas sociais são leis e quem fiscaliza as leis são as “autoridades”. Então, quando um cara desses fala “vamos implantar um estado ético” ele está falando, em última instância, num estado autoritário, e você, crédulo, o ajudará a fazer isso.

   Hegemonia cultural. Hegemonia é a predominância de uma coisa sobre as outras. Cultural vem de cultura. Hegemonia cultural, no sentido original significa a predominância de uma cultura sobre as outras. Qual cultura? A que está predominante no momento histórico da sociedade. Pode mudar ao longo do tempo. Você observa esse fenômeno na realidade. Para Gramsci, "hegemonia cultural" significa a predominância do socialismo sobre todas as outras culturas. Então, quando um cara desses fala: “Temos que ter hegemonia cultural no Brasil”, ele está falando em implantar o socialismo. É assim que você vira socialista sem nem perceber. A base é a linguagem. Imaginem isso com várias palavras e expressões na cabeça de uma pessoa onde, toda hora, a Linguagem (signo, significado [e vários sentidos] e referente) vai mudando constantemente.

   Você entra num tal "coletivo" desses e fica escutando tais expressões, tais jogos de palavras, tais sofismas e passa a acreditar que este novo sentido das expressões e palavras são o sentido verdadeiro, porém, não são. Isso causa uma confusão mental, pois são várias palavras e expressões que mudarão na sua cabeça e você tentará raciocinar no meio desta confusão mental. Você ficará com um "polipensar". Adotará um discurso interno e um discurso externo cujo resultado será a insanidade. Quando eu falo, por exemplo, ‘hegemonia cultural’, tenho que raciocinar com o sentido Gramsciano e, ao mesmo tempo, tenho que raciocinar como as outras pessoas entenderão o que estou falando. É o famoso: “Não importa o que você fala, o que importa é como as outras pessoas entenderão o que você fala”. Isto é insanidade em si, pois há um limite para a capacidade de raciocínio circunstancial de um ser humano. Como é possível eu dirigir um discurso a várias pessoas e querer saber o que cada uma delas entenderá pelas minhas palavras se meu discurso em si é subjetivo ao extremo? Isso resulta em enganação, mentiras, emburrecimento e, depois, insanidade minha e dos outros.

   “Eu sou eu e minhas circunstâncias”, grosso modo, José Ortega Y Gasset, refere-se às circunstâncias da vida. Você está conversando com um familiar ou um colega de trabalho, é uma circunstância. Você deixa de conversar com este familiar e passa a conversar imediatamente com outro, é outra circunstância. Há mais coisas por trás da expressão, mas as tais "circunstâncias da vida" são essas. De uma situação decorrem várias circunstâncias. Situação: estou no trabalho. Circunstância: conversando com alguém no trabalho. As circunstâncias formam o “eu”.

   E você entra em um universo semântico de jogo de palavras, sofismas... subjetividade extrema da Linguagem e afasta-se da realidade. Como já vimos, a Linguagem é subjetiva em si, mas por isso mesmo que você tem que falar e escrever com clareza para diminuir esta subjetividade, e não aumentá-la através de jogo de palavras e sofismas. Não tem como eliminar a subjetividade da Linguagem, mas podemos diminuí-la falando e escrevendo com clareza.

   Como já se disse, a Linguagem não é tudo, mas é a base da comunicação humana. Nos comunicamos, basicamente, através da Linguagem falada e da Linguagem escrita. O ser humano se comunica também por músicas, filmes, obras de arte, mímicas, etc, mas, quantitativamente, o ser humano se comunica através da palavra falada e da palavra escrita. Não tem como fugir disso. Esta é a importância da Linguagem e para interpretar textos você tem que saber disso.

Para saber um pouco mais, acesse:

https://julioseibei.blogspot.com/2020/09/chavoes.html

https://julioseibei.blogspot.com/2020/08/esboco-de-filosofia-10-importancia-da.html